O czar do amor e do tecno, de Anthony Marra



Ficha técnica
TítuloO Czar do amor e do tecno
Autor – Anthony Marra
Editora – Teorema
Páginas – 384
Datas de leitura – 05 a 12 de maio de 2018

Opinião
Terminei de ler este livro há praticamente duas semanas e só agora é que encontrei um bocadinho de tempo para tentar escrever a correspondente opinião e sobretudo tentar fazer justiça a uma leitura soberba, mas que, afirmo já, teria saboreado com mais prazer se a tivesse feito numa altura em que não estivesse tão afundada em trabalho.
Mas adiante. Comecemos pelos aspectos mais práticos e mais óbvios.
Esta obra de um autor bem mais novo do que eu (!) está dividida em três partes – o lado A e o lado B (como se de uma cassete se tratasse e esta divisão/semelhança são intencionais), intervalados por uma parte que dá título ao livro. Nas mesmas atravessamos um período bastante longo da História da URSS e da Federação Russa e acompanhamos uma panóplia de personagens que, conjuntamente com objetos ou acontecimentos, fazem a interligação entre as referidas partes e as subpartes que as dividem.
As personagens são gente normal, vulgar, uma ou outra com um lugar mais destacado na sociedade. Iniciamos a leitura em Leninegrado, em 1937 e o protagonista é Roman Osipovich Markin, que trabalha no Departamento de Agitação e Propaganda do Partido, apagando de todos os documentos visuais (fotos, pinturas, imagens…) os rostos de todos aqueles que são considerados inimigos do regime. Terminamos a leitura no espaço sideral, num ano desconhecido e desta vez o protagonista é Kolya, um ex-combatente da guerra da Chechénia que poderá finalmente ter a oportunidade de ouvir uma cassete que lhe gravou o seu irmão mais novo.
Entre um capítulo e outro, entre o que abre a obra e o que o encerra passam-se mais de setenta anos, deambulámos pelo regime comunista de Estaline, acompanhamos o seu derrube, a Perestroika de Gorbatchev e ficámos estupefactos (pelos menos eu fiquei) ao constatar que Vladimir Putin está no poder desde 2000. Desde 2000! Percorremos as ruas de Leninegrado/São Petersburgo, de Grozni, a capital chechena e Kirovsk, no extremo norte, perto de terras finlandesas e compreendemos as idiossincrasias de um povo subjugado por uma ditadura que pareceu e parece eterna…
O tom global da narrativa é de uma crítica mordaz, de ironia e de extensos exemplos do que foi e é feito em nome de um regime supostamente do e para o povo e de uma economia que tem que prosperar a todo o custo, nem que para isso os habitantes de toda uma cidade tenham que morrer ou estejam condenados a morrer de toda a espécie de doenças provocadas pelo fumo e derrames tóxicos provenientes da extração de níquel.
O tom mais íntimo, mais subliminar e que porventura pode não chegar a todos os leitores (desconfio que não chegou, por exemplo, ao meu marido, que leu – como é costume – a obra primeiro do que eu) está visceralmente ligado às personagens, às suas vidas e àquilo que as une umas com as outras. Criei laços imediatos com Roman (apesar daquilo que era obrigado a fazer para a manutenção e “saúde” do regime), com Kolya (outro Kolya que iluminou a minha vida!) e a sua demanda amorosa, com o seu irmão Alexei, com a dor de “filho amputado de pai” de Vladimir e com a sua própria parentalidade e com a história sofrida de Nadya e de Ruzlan. Todos eles trouxeram uma luz muito própria à narrativa e permitiram que a sua leitura fosse fluída, intensa, tocante e saísse quase incólume perante factores externos (tais como o meu cansaço, o acumular assustador de trabalho ou níveis inabituais de desconcentração) ou factores internos – a divisão em capítulos protagonizados por personagens à partida muito distintas e sem nada que as relacionasse e ambientados em tempos e espaços distantes uns dos outros.
Ao reler aquilo que escrevi até aqui, continuo com a desconfortável sensação de que não estou a fazer aquilo a que me propus no início da opinião – fazer justiça a uma obra excelente. Tenho consciência de que a mesma não se destina a qualquer leitor e isto sem preconceito algum da minha parte. Mas, caramba, queria mesmo muito que aqueles que partilham dos meus gostos literários lhe dessem uma oportunidade e percebessem por si mesmos o quanto Anthony Marra escreve maravilhosamente bem, o quanto há de pesquisa exaustiva nas páginas de O czar do amor e do tecno, que “fechassem os olhos” ao seu título aparentemente pouco feliz e à sua capa nada bem conseguida e entrassem na vida de personagens muito bem concebidas e que são capazes de arrancar do leitor sorrisos, lágrimas, compaixão, ternura e acenos de mútuo entendimento. Arrisquem, pois vale a pena! Não é uma leitura muito fácil, nem dá nada ao leitor de bandeja, mas fá-lo crescer e ganhar em conhecimento histórico, geográfico e sobretudo humano.
Termino deixando uma citação que não vou esquecer, de tão verdadeira que ela é para os regimes totalitários e que ainda abundam em muitos locais do nosso mundo em 2018:

“… Um dia perceberão que aquilo que os torna vulgares é precisamente o que os mantém vivos.” (pág. 103)

NOTA – 09/10

Sinopse
Em 1937, um promissor pintor de Leninegrado vê-se reduzido à tarefa ingrata de “apagar”, de pinturas e fotografias, os dissidentes do regime soviético. Entre os inúmeros rostos que faz desaparecer, está o do seu próprio irmão, condenado à morte. Na atualidade, uma historiadora de arte dedica-se a estudar o mistério que se esconde na obra desse censor. Nas centenas de imagens que alterou, ele introduziu obsessivamente um rosto. Quem foi essa figura anónima, a um tempo dissimulada e omnipresente na História da Rússia?
O segredo do criador de rostos atravessa décadas e fronteiras e confunde-se com a memória do país. Cruza as trajectórias de uma bailarina caída em desgraça, espiões polacos, mercenários, um aprendiz de mendigo, uma beldade siberiana, e até um lobo. E como pano de fundo, uma cidade com um lago de mercúrio, um céu sem estrelas e uma floresta de plástico. Um livro profundamente original, que nos leva de S. Petersburgo aos confins da Sibéria e à Chechénia, e consolida Anthony Marra como um dos jovens escritores americanos mais aclamados da atualidade. 

Segura-te ao meu peito em chamas, de Possidónio Cachapa



Ficha técnica
TítuloSegura-te ao meu peito em chamas
Autor – Possidónio Cachapa
Editora – Oficina do Livro
Páginas – 126
Datas de leitura – 02 a 03 de maio de 2018

Opinião
O trabalho, como já adivinhava, está novamente a absorver-me e a sugar todos os meus minutinhos livres… Sendo assim, alerto a quem visita este cantinho de forma assídua (e não só), que poderei levar mais tempo do que o habitual a publicar as opiniões das leituras que vou fazendo.
Conheci Possidónio Cachapa – adoro este nome – através da obra O mar por cima (opinião aqui) e na altura em que publiquei a correspondente opinião fiz a promessa de pedir aos meus cunhadinhos que me emprestassem a outra obra do autor que tinham na sua estante, aquela que apresenta na capa um miúdo agarrado a uma enorme bola cor-de-laranja. Cumpri a promessa, é certo, mas tardei bastantes meses em pegar na obra e lê-la.
A primeira surpresa que Segura-te ao meu peito em chamas me reservou foi o facto de não ser um romance, mas sim uma coletânea de oito contos. Confesso que, quando os meus cunhados me deixaram o livro cá em casa, pouco ou nada o folheei e, por essa razão, desconhecia por completo de que tratava.
O seu primeiro conto – “O nylon da minha aldeia” – conquistou-me irremediavelmente. Marcelo e Lourdinhas são personagens únicas e inesquecíveis e a sua história chega-nos através do estilo lindíssimo e poético deste autor alentejano que escreve como muito poucos. Soube, enquanto lia este conto que o mesmo foi adaptado a uma curta-metragem, pelo próprio Possidónio, mas ainda não o vi e não sei se quero, porque a magia e o lirismo do conto ficaram de tal forma enraizados em mim que não sei se quero vê-los em imagens, mesmo tendo sido elas “fabricadas” pelo autor que as criou em papel…
Dos restantes contos não ficou a mesma sensação de plenitude, magia e delícia, exceptuando do que se intitula “O verde reflexo das videiras” que nos presenteia com umas das mais belas e sentidas declarações de amor que já me passaram pelas mãos. São mais um exemplo do quanto Possidónio escreve maravilhosamente bem e consegue, num punhado de palavras, ganhar, pelo menos da minha parte, uma admiração sem reservas. Para que entendam do que estou a falar, deixo-vos aqui dois fragmentos que ilustram na perfeição esse poder das palavras do autor:

  


Sublime, não acham?

Concluo esta opinião curtinha, dizendo que foi uma leitura rápida, mas muito heterogénea, já que de alguns contos nada me ficou (nem queria que ficasse) e de outros ficou a vontade urgente de ler mais Possidónio. Tenho especial curiosidade por Materna Doçura, uma obra que infelizmente se encontra esgotada, mas que espero encontrar algures em alfarrabistas ou plataformas como o OLX. Se alguém conhecer esta ou obras do autor que acham que merecem a pena, deixem, por favor, os títulos nos comentários. Agradeço e muito!
Aproveito para agradecer aos cunhadinhos o empréstimo da obra e para recomendar a sua leitura (vale a pena pelos dois contos que destaquei e mais um ou outro) a quem queira uma experiência rápida mas marcante com a escrita de Possidónio.

NOTA – 08/10 (principalmente por causa dos dois contos de que falei)

Sinopse
Segura-te ao Meu Peito em Chamas reúne um conjunto de histórias breves, entre as quais "O Nylon da Minha Aldeia". Esta novela, esgotada nas livrarias há muito, relata o encontro amoroso entre duas criaturas que nada parece ligar. Uma voz que sobe à Lua e umas mãos que a acompanham. As restantes histórias, escritas num registo ora emotivo ora humorístico, falam do universo familiar, da solidão momentaneamente interrompida e das memórias daqueles que se afastam. Entre os textos inéditos e os publicados de forma dispersa ao longo dos últimos anos, aqui apresentados, o mesmo traço de união: o brilho dos afectos na luz de um Verão que termina. E, por todo lado, a paisagem campestre. A provar que a paixão e a literatura surgem onde menos se espera.

Deixa-me odiar-te, de Anna Premoli



Ficha técnica
TítuloDeixa-me odiar-te
Autora – Anna Premoli
Editora – Noites Brancas, uma marca do Clube do Autor
Páginas – 310
Datas de leitura – 29 de abril a 01 de maio de 2018

Opinião
Há uns tempos atrás descobri finalmente o que significa chicklit. Pois é, shame on me, que não fazia ideia do que queria dizer esse termo “estrangeiiiro” e a que tipo de leituras se referia, mas, após algumas visitas muito instrutivas a canais do Booktube que, hoje em dia, vou seguindo com regularidade, fui capaz de compreender que a obra que o Clube do Autor gentilmente me ofereceu há uns dois meses encaixava na perfeição nessa categoria.
Quem me conhece e me segue neste cantinho, sabe que este género de leituras não é aquele que mais recorro. Pondo preconceitos de lado, porque não é deles que se trata – defendo acerrimamente que cada um deve ler aquilo que lhe proporcione mais prazer – costumo dar pouca atenção a narrativas mais leves e descontraídas e preferir aquelas habitadas por personagens, situações e sentimentos densos, complexos e que me magoam e me arrebatam. Porém, não digo que não a uma leitura descontraída, sobretudo em momentos em que, ou ando mais cansada ou quero fazer uma pausa nas referidas leituras “difíceis e pesadas”.
Após um mês quase ele todo dedicadinho a temáticas relacionadas com conflitos armados, quis entrar em maio com um sorriso nos lábios, relaxada e prontinha para seguir o jogo “do rato e do gato” de dois jovens que, trabalhando juntos há bastantes anos, não conseguem estar no mesmo espaço sem discussões, acusações e comentários maldosos. Jennifer e Ian ocupam posições de destaque num banco e, depois de anos do referido confronto aberto e declarado, veem-se obrigados a trabalhar em conjunto. Esse será o ponto de partida para uma narrativa muito divertida, que me obrigou a não largar a obra até chegar à sua página final.
Não estou a cometer nenhum crime nem a ser preconceituosa quando afirmo que Deixa-me odiar-te está cheiinha de clichés. Não se pode esperar outra coisa de uma comédia romântica ou, como agora já sei, de um chicklit. Mas caramba, eu, uma leitora assumidamente “mais séria” e “mais exigente”, embarquei sem dificuldade nenhuma (pelo contrário, com doses generosas de vontade) nesse mundo de clichés e adorei a experiência. Gostei tanto, mas tanto que até já trouxe da biblioteca da terrinha outro exemplar de chicklit. Não é da mesma autora, mas espero que encha as medidas como o fez o de Anna Premoli.
Não me vou alongar muito mais. Não vos vou contar muito mais da narrativa de Deixa-me odiar-te. O título, o género a que pertence a obra e a própria sinopse tratam disso. Acrescento apenas aquilo que é visível no que já escrevi – gostei mesmo muito da leitura e quero mais! Por isso, de vez em quando, no meio de opiniões de obras densas, dolorosas, históricas e complexas irão encontrar por aqui algo mais levezinho, descontraído, muito cliché, mas muito bom para o meu estado de espírito!
Termino recomendando (e muito) esta obra a quem queira relaxar e desfrutar de uma narrativa compulsiva e divertida e agradecendo o envio da mesma à editora Clube do Autor.

NOTA – 09/10

Sinopse
Jennifer e Ian conhecem-se há sete anos e nos últimos cinco só têm discutido. Chefes de duas equipas no mesmo banco, entre eles sempre houve um confronto aberto e declarado. Detestam-se e dificultam a vida um ao outro. Até que um dia são obrigados a cooperar na gestão da conta de um cliente aristocrata e abastado.
Na vida e no amor há sempre uma segunda oportunidade?
Um romance moderno, divertido e terno, uma história atual e muito cinematográfica com todos os ingredientes de uma bela comédia romântica. 

Balanço mensal - livros lidos e adquiridos/recebidos em abril



Segundo mês temático aqui no cantinho. Gostei tanto de ter dedicado um tema ao mês de março que aproveitei o facto de ter na estante várias obras em espanhol à minha espera para fazer de abril o mês das leituras escritas em língua castelhana.
Li no total quatro obras e não terminei uma. Viajei por várias cidades de Espanha, pelas suas correspondentes comunidades autónomas, cruzei o Atlântico, passei uma rápida temporada em terras mexicanas e cubanas e deambulei por distintas épocas.
A primeira viagem (e a mais marcante de todas) levou-me ao País Basco. Voltei ao mundo de Fernando Aramburu e de lá não queria regressar, tal foi o impacto que a sua última obra produziu em mim. Patria é a voz da história mais recente de uma comunidade aterrorizada pela luta armada por uma independência que havia que conseguir a todo o custo. Faz-nos entrar na vida de duas famílias banais e constatar o quão destroçadoras e dizimadoras podem ser as diferenças entre querer ou não ver a sua região transformar-se numa nação independente e entre os limites que cada um estabelece, ou seja, até que ponto está um basco disposto a ir para alcançar essa independência. Esta foi a leitura mais suculenta do mês e que recomendo sem reservas. A obra foi editada em português há pouco tempo e encontram-na facilmente em qualquer livraria.
A segunda viagem foi a bordo das letras de uma autora que tão-pouco é desconhecida para os leitores portugueses. Falo-vos de María Dueñas, que publicou em Portugal O tempo entre costuras e Recomeçar. Eu li a sua terceira obra (ainda não publicada cá) e gostei muito. La templanza é uma obra histórica, de época e envolve-nos numa trama bem urdida, que vive sobretudo dos seus protagonistas, um homem que se fez a si próprio, cheio de garra, que luta por aquilo que quer, e uma mulher corajosa, à frente do seu tempo e cheia de paixão pelas suas origens. Em mais de 500 páginas, viajei por três países – México, Cuba e Espanha – e deliciei-me com uma história de amor de dois seres que compreendi estarem destinados um ao outro no momento em que as suas mãos se tocam.
A terceira viagem acabou por ser a mais decepcionante. Confesso que tinha expectativas algo elevadas em relação a Y todos callaron, porque a sua narrativa aborda a Guerra Civil em zonas que nunca havia visto abordadas em outras obras – Bilbao e Burgos, por exemplo. Contudo, percebi logo nas páginas iniciais que as referidas expectativas iriam cair a pique, já que, pela primeira vez, desde que comecei a ler livros sobre o tema, não fui capaz de condoer-me com as reviravoltas trágicas que o conflito trouxe à vida de um jovem casal, apaixonadíssimo e progenitores de um menino pequeno. Não senti nada, apenas indiferença ao ler o testemunho de Amelia e para quem, como eu, procura com desespero as emoções nas leituras que faz, a viagem que fiz pelas páginas de Y todos callaron revelou-se frustrante e será rapidamente esquecida…
Encerrei o mês com mais uma viagem pela época da Guerra Civil espanhola e os seus anos subsequentes. Reli La voz dormida e encontrei-me com todas as emoções que estiveram desaparecidas na leitura anterior. Acompanhei, durante esse período obscuro, a vida de algumas mulheres que sofreram na pele, como muitos outros espanhóis, apenas porque escolheram ter voz e ser livres. Adorei entrar de novo nas letras de Dulce Chacón, no seu estilo suave, emotivo, intimista e senti-me, uma vez mais, muito orgulhosa do género feminino, da valentia e perseverança de um punhado de mulheres que, mesmo por detrás de grades físicas ou de uma Madrid amordaçada, com os corações a transbordar de dor pela perda de muitos entes queridos, não vergaram e seguiram em frente.
No início deste balanço referi que li quatro obras e não terminei uma. Li por volta de 200, 300 páginas de La librería del callejón, mas não tive vontade de continuar, primeiro porque a sua narrativa estava a enveredar por percursos que incomodam o meu lado crédulo, repletos de referências ao ocultismo, espiritismo, e depois porque não estava a criar nenhum tipo de laços com as personagens dos dois momentos – presente e passado – que alimentam a engrenagem da obra. É óbvio que não me dá prazer nenhum deixar uma leitura a meio, mas, hoje em dia, faço-o quando tenho que fazê-lo e não me arrependo. Basta-me olhar para a estante e a frustração acaba por esfumar-se!

Nos primeiros dias de abril fiz umas miniférias familiares em duas cidades espanholas e voltei a cair em tentação… Porém, tenho que defender-me, pois apenas comprei um livro e de edição de bolso, ou seja, baratinho. Quero muito conhecer o que escreveu Luz Gabás para além do fantástico e arrebatador romance Palmeiras na neve (em Portugal está editado pela Marcador) e, por isso, comprei Regreso a tu piel, uma história de um amor inquebrável que se desenrola nas paisagens que separam Espanha de França no século XVI. Para a próxima vez que faça um mês dedicado às leituras em espanhol este não escapa!
A editora Clube do Autor enviou-me Elmet, a obra de estreia da autora Fiona Mozley e unanimemente aclamada pela crítica. Tenho visto muito boas referências sobre esta obra e espero lê-la brevemente! Se alguém a já tiver lido, que me diga o que achou, OK?

Fico à espera dos vossos comentários e de saber o que leram durante este mês!

Termino deixando-vos, como é habitual, os links para acederem à opinião completa das obras lidas em abril:
§  Patria, de Fernando Aramburu
§  La templanza, de María Dueñas
§  Y todos callaron, de Toti Martínez de Lezea
§  La voz dormida, de Dulce Chacón

La voz dormida, de Dulce Chacón



Ficha técnica
TítuloLa voz dormida
Autora – Dulce Chacón
Editora – DeBolsillo
Páginas – 432
Datas de leitura – de 24 a 28 de abril de 2018

Opinião
Se não me lembro como “tropecei” com a obra que li antes desta, o mesmo não posso dizer de La voz dormida, já que quem ma apresentou (e emprestou) foi a minha querida e muito amiga Nancy!
Li-a pela primeira vez há muitos anos, ainda o meu espanhol gatinhava e precisava constantemente de um andarilho chamado dicionário! Contudo, esses conhecimentos rudimentares da língua espanhola não me impediram de entrar na obra e de me apaixonar pela sua narrativa e pelas suas personagens.
La voz dormida está habitada por mulheres e por alguns homens, mas são elas que tomam as rédeas da trama. Regressei (uma vez mais) à Madrid dos anos quarenta e à prisão feminina de Ventas, aquela que albergou um número infindável de mulheres condenadas frequentemente à morte apenas porque acreditaram nos ideais de igualdade e liberdade proclamados pelos partidos que lideraram a República espanhola dos anos 30. Esta não foi, como é óbvio, a primeira vez que franqueei os portões da famigerada prisão da qual hoje em dia não resta nada, absolutamente nada. Fi-lo pela última vez com a obra Si a los tres años no he vuelto e sei que não me ficarei por aqui, tal é a minha (mais do que conhecida) obsessão pela Guerra Civil espanhola e pelos anos tortuosos que lhe seguiram.
A referida obsessão tem-me dotado de uma bagagem considerável que, por sua vez, me obriga a ser cada vez mais exigente com as leituras que abordam o tema. Assim sendo e comparando, por exemplo, La voz dormida com a que se lhe antecedeu, tenho que destacar a obra de Dulce Chacón e reconhecer que, quando uma narrativa é emocional, quando as suas personagens nos agarram de forma quase visceral, isso é prova mais do que evidentes de que a bagagem ocupa um lugar secundário e que eu me arrepio e me comovo como o fiz quando li, pela primeira vez, uma obra lindíssima sobre esses anos que mancharam a História recente de Espanha.
Hortensia, Elvira, Reme, Tomasa partilham um espaço diminuto de uma sala a abarrotar de mulheres presas. Hortensia está grávida de oito meses, Elvira é a mais nova do grupo, Reme a mais velha e Tomasa a mais revoltada, a que não verga e se recusa a fazer o que seja de trabalhos manuais que venham a ser vendidos ou a ajudar o inimigo. Do lado de fora dos portões, vamos acompanhando Pepita, irmã de Hortensia, Javier, avô de Elvira, Doña Celia, dona da pensão onde mora Pepita, Paulino, irmão de Elvira e Felipe, marido de Hortensia. A vida de todos está umbilicalmente ligada a Ventas e à tentativa de continuar a lutar contra uma ditadura nacionalista e fascista que abafa da forma mais hedionda possível qualquer tentativa de rebelião. Todos comungam da vontade de ter uma vida digna, livre e justa, seja ela associada ao partido comunista ou não.
La mujer que iba a morir se llamaba Hortensia”. Esta frase dramática abre a narrativa e a mim abriu-me uma torrente de emoções – sofrimento, incredulidade, terror e, ao mesmo tempo, orgulho. Orgulho e até vaidade de ser mulher, de comprovar o quanto as mulheres são tenazes, são estoicas e merecedoras da mais absoluta admiração. Hortensia, Reme, Elvira, Tomasa, Pepita e Doña Celia são mulheres simples, trabalhadoras, honestas. Viram as suas vidas perder o norte, perderam pais, filhos, cônjuges e até famílias inteiras, estão a perder anos encarceradas física ou psicologicamente, mas não desistem, apoiam-se mutuamente, tratam umas das outras e dos seus familiares e sobretudo deixam um testemunho crucial – lutar pela vida, pela liberdade e pela justiça. Agora e sempre. Porque as suas vozes podem ser silenciadas, podem ser amordaçadas, mas a liberdade que agora lhes é negada não está morta, está apenas adormecida e voltará a acordar se todos lutarem por isso.
Foi, por tudo o que disse (e muito mais poderia dizer), uma leitura muito especial. Senti ainda mais orgulho em ser mulher, gostei imenso de regressar às letras de Dulce Chacón e adorei todas as emoções que vivenciei. Despeço-me dela sorrindo novamente para a sua capa e para a jovem mulher que me retribui o sorriso e que transmite no olhar o quanto devemos defender a felicidade de sermos livres.
Termino fazendo uma referência incontornável a um grupo de mulheres, conhecidas como as “13 rosas” e que no dia 05 de agosto de 1939 foram barbaramente executadas. Mais de metade delas eram menores de 21 anos e nenhuma delas havia cometido nenhum delito grave. Apenas estavam ou filiadas no Partido Comunista ou haviam ajudado algum elemento do referido partido. São várias vezes referidas em La voz dormida e comparadas às personagens femininas que, tal como elas, perdem a vida ou muitos anos atrás das grades apenas porque defenderam ideais.
¡Una novela imprescindible!

NOTA – 9,5/10 (Faltou-lhe um pouquinho de força no final)

Sinopse
Un grupo de mujeres, encarceladas en la madrileña prisión de Ventas, enarbola la bandera de la dignidad y el coraje como única arma posible para enfrentarse a la humillación, la tortura y la muerte.
Pocas novelas podemos calificar como imprescindibles. La voz dormida es una de ellas porque nos ayuda a bucear en el papel que las mujeres jugaron durante unos años decisivos para la historia de España. Relegadas al ámbito doméstico, decidieron asumir el protagonismo que la tradición les negaba para luchar por un mundo más justo. Unas en la retaguardia y las más osadas en la vanguardia armada de la guerrilla, donde dejaron la evidencia de su valentía y sacrificio.