Ficha técnica
Título – Berta
Isla
Autor – Javier Marías
Editora – Alfaguara
Páginas – 496
Data de releitura – de 28 de abril a 08 de maio de 2019
Opinião
“Quanto
daquilo que nos dizem pode ser ou não ser, pode ser o mais decisivo e o mais
indiferente, o mais inócuo e o mais crucial, aquilo que afecta a nossa
existência e aquilo que nem sequer a toca de raspão.” (pág. 191)
Nunca é fácil escrever sobre uma obra
de Javier Marías e esta não será exceção.
Se consultarem a banda lateral do
blogue, dar-se-ão conta de que esta foi a quinta obra que li deste primoroso autor
(ouvi este adjetivo ontem, num vídeo de um booktuber que sigo e acho que
espelha na perfeição a escrita de Marías). Ter lido todas essas obras dá-me
algum traquejo para estruturar esta opinião e destacar aquilo que, sem dúvida,
as caracteriza a todas – o estilo do autor é intricado, denso, a ação perde o
protagonismo em prol de um discurso repleto de pensamentos, divagações e de citações
que ilustram o vastíssimo conhecimento que Marías tem da literatura mais clássica.
Outro aspeto que está presente em todas
as obras que já li deste autor espanhol é o facto de todas as premissas
arrancarem com um acontecimento emocionante e arrebatador que prende a atenção
de qualquer leitor. Contudo, sei, tenho consciência de que não é qualquer
leitor que seguirá com a leitura mal se aperceba de que, por muitos laivos de
thriller ou suspense que tenha esse acontecimento que abre a narrativa, o que
se lhe seguirá é tudo menos isso. Ora, quando abri as “hostes” de Berta Isla, estava à espera desse
início memorável e transtornador, mas, para alguma surpresa minha, tal não
aconteceu ou pelo menos não aconteceu de uma maneira tão evidente e tão “abananadora”.
O “twist” está lá, é verdade, mas é mais suave, não há um acumular repentino de
surpresa que só terá respostas no final da obra, há sim um abrir de pano algo
intrigante, à boa maneira de Marías, que se desenrolará ao longo de quase 500
páginas e nos trará nos derradeiros capítulos factos dos quais não estávamos à
espera (pelo menos eu não estava). E no meio desse início e desse final está
tudo aquilo que me agrada em Javier Marías, mas que pode assustar os leitores
menos precavidos e que caem no engodo provocado pelas primeiras páginas…
Aproveitando a palavra engodo, a
palavra ardil, a palavra cilada, a palavra engano e a citação que,
propositadamente, pus no início deste texto, abro-vos um pouco mais o pano da
narrativa que se centra num jovem casal espanhol. Tomás ou Tom Nevinson é filho
de pai inglês e mãe espanhola. Berta Isla é madrilena de gema e desde muito cedo
que soube que um dos projetos da sua vida seria casar com Tomás. Assim o fez.
Contudo, nunca lhe passou pela cabeça que a maior parte dos anos de casada os
iria passar sozinha, numa cama que pouco ou nenhum vestígio conservaria do seu
marido e que, mesmo assim, nunca o iria abandonar ou trocar por outro. Paralelo
a esta trama que parece algo corriqueira e já habitual nas obras de Marías,
temos páginas e páginas daquilo que seguramente deve dar mais prazer ao autor e
que é o que o define – as divagações, as reflexões, as colheradas de citações
muito assertivas e relacionadas com a trama e um cuidado com as palavras como
muito poucos autores demonstram ter.
Como vocês podem ver na ficha técnica,
eu demorei mais de 10 dias a ler esta obra e não foi somente por causa das suas
496 páginas. Foi porque as mesmas são densas, a mancha gráfica ocupa quase toda
a página, há muito poucos diálogos e, quando existem, as falas são longas e, como
já disse, a ação nas obras de Marías perde muito protagonismo para as outras
características que abundam no estilo do autor. Tudo isto fez com que a leitura
fosse algo lenta e que eu demorasse mais tempo a saboreá-la. Confesso que
gostei muito de ter a obra comigo durante os dias finais de abril e os primeiros
de maio, mas não posso dizer que tenha sido uma leitura que me tivesse
preenchido tanto como a de Coração tão
Branco, que continua a ser a minha favorita de todas as que li de
Javier Marías. Achei a narrativa de Berta
Isla mais parada, um pouquinho aborrecida em alguns momentos e gostaria
que a protagonista que dá nome à obra tivesse mais espaço e “reconhecimento”
como personagem principal porque já não me lembro da última vez que li uma obra
na qual a protagonista tem quase sempre comportamentos de não-protagonismo. Contudo,
para dar-lhe a pontuação que lhe vou dar, tenho que referir que é uma delícia
privar com uma escrita tão rica e entrar numa história que aborda o passado
recente (anos 70 e 80) de Espanha e de Inglaterra e “esbarrar” com factos e
personalidades históricos tão impactantes como foram o fim da ditadura em
Espanha, a curtíssima Guerra das Malvinas, as lutas armadas da ETA e do IRA ou
a Dama de Ferro que governou o Reino Unido entre 1979 e 1990.
Termino este texto que já vai longo
dizendo, por um lado, que embirrei muito (sobretudo no início – depois tive que
habituar-me…) com a tradução da obra, que peca em algumas expressões
idiomáticas e na estrutura das frases e, por outro, que foi com esta leitura
que encerrei um mês (o de abril) quase todo ele dedicado ao meu projeto – En abril leemos en español.
Se já leram Javier Marías – esta ou
outras obras – digam-me tudo!
Obrigada, Luisinha, por me teres
oferecido esta obra! Thanks, dear!
NOTA – 08/10
Sinopse
Berta
casou com Tomás pensando que o conhecia desde sempre mas, na realidade, não
sabia nada verdadeiramente importante sobre ele. Tomás escondia-lhe algo que
não podia partilhar com ninguém, nem mesmo com ela. Berta Isla é a história de
um homem que quer intervir na História, acabando desterrado do mundo. É a
história de uma mulher que espera por uma vida completa e, nessa espera, se
transforma. É sobretudo uma história da fragilidade e tenacidade de uma relação
condenada ao segredo, ao fingimento, ao desencontro; uma história de amor em
que lealdade e ressentimento se entrelaçam.