A catedral do mar, de Ildefonso Falcones


Ficha técnica
Título – A catedral do mar
Autora – Ildefonso Falcones
Editora – Bertrand
Páginas – 583
Datas de leitura – de 26 a 31 janeiro de 2016

Opinião
Não vale a pena tentar usar eufemismos – a verdade é muito simples – foi com muito sacrifício que avancei na leitura deste romance, sem conseguir chegar ao seu final. Confesso que fiz batota, que li na diagonal algumas partes e que me obriguei a seguir com a leitura, mas por razões muito minhas e por outras que explanarei a seguir, tenho que fechar o livro e pô-lo de lado sem ter lido a última página. Raramente o faço, quase sempre tento ler mais um pouco, em busca de algo que me impele a continuar e a chegar ao fim. Mas desta vez não foi possível.
Quando retirei a obra da estante, tinha consciência de que iria haver lugar às inevitáveis e óbvias comparações com Pilares da terra, de Ken Follett. Acompanhavam-me igualmente as mais que favoráveis opiniões do maridinho, de quem me havia emprestado o livro (Lo siento, Lucinda…) e de milhares de leitores que recomendam a sua leitura sem hesitações. Contudo, tentei abstrair-me (na medida do possível) de tudo isso e embrenhei-me na Idade Média, na Catalunha do século XIV, numa narrativa que realça o povo como classe espezinhada por uma hierarquia nobre e feudal e sobretudo nas descrições de Barcelona, habitada por massas de gente que vivem com os olhos postos nas águas promissoras do Mediterrâneo e com o desejo de erguer uma igreja que reflita amor e gratidão a esse mar que fez da capital da Catalunha uma das cidades mais prósperas do mundo ocidental de então.
À medida que ia avançando páginas, nada fazia prever que esse avanço fosse perdendo fulgor e sendo substituído primeiramente por um esforço em ler e reter certas partes e posteriormente por uma mistura de aflição, frustração e, porque não, aborrecimento. O autor põe-nos, na parte inicial da obra, em contacto com o seu protagonista ainda bebé, abandonado em circunstâncias trágicas pela mãe, e cuidado por um pai extremoso que tudo faz para que o filho não venha a sofrer debaixo do jugo feudal de senhores a quem nada mais importa que o seu dinheiro, o seu nome e o seu umbigo. Fogem os dois para Barcelona e Bernat Estanyol viverá obcecado com o plano de fazer dele e do filho homens livres.
É após a morte de Bernat que a narrativa perde, na minha opinião, o fulgor inicial. Aliado a um rigor histórico de louvar, que não só nos permite conhecer a fundo o contexto epocal e social que envolve a Barcelona do século XIV e ao mesmo tempo visualizar a sua traça urbana, vamo-nos deparando com uma narrativa de ritmo lento, na qual a primazia recai na contextualização histórica e não nas personagens. Estas apenas acompanham a maré dos acontecimentos, são algo planas, sem a densidade e complexidade que tanto aprecio nas mesmas. Folheamos página após página e o narrador não nos dá acesso ao seu mais íntimo e quando o faz, fá-lo de forma frouxa, previsível. Nem mesmo a histórias de amor, aquelas que sempre apimentam qualquer história, nos espicaçam ou entusiasmam.
Adoro a cidade de Barcelona e na única vez que a visitei não tive oportunidade de conhecer a belíssima igreja de Santa María del Mar, à volta da qual gira a trama da obra. Mas nunca foi meu propósito ler a obra de Ildefonso Falcones para saber pormenor a pormenor como foi construída e porquê. Se fosse esse o meu objetivo leria um guia turístico ou qualquer texto não-ficcional. O que realmente queria e desejava era perder-me nas quase 600 páginas e só reencontrar-me quando encerrasse a sua leitura com um sorriso nos lábios e aquele prazer inigualável que extraio de qualquer obra a que me rendo sem condições.
Talvez a culpa seja minha. Talvez não fosse este o momento apropriado para pegar neste livro. Talvez não tenha dado o real valor ao trabalho exaustivo e rigoroso feito pelo autor. Talvez não esteja a ser imparcial e tenha deixado que a minha opinião fosse contagiada pela inevitável comparação com a obra-prima de Ken Follett. Talvez tenha sido por tudo isto, mas sei que já não há nada a fazer e que não tenho mais forças e ânimo para ler as páginas que faltam… E são menos de 100.
Resta-me pedir de novo desculpas a quem me emprestou a obra. Desculpa mesmo, Lucinda! De coração.

NOTA – 05/10

Sinopse

Século XIV. A cidade de Barcelona encontra-se no auge da prosperidade; cresceu até ao humilde bairro dos pescadores, cujos habitantes decidem construir, com o dinheiro de uns e o esforço de outros, o maior templo mariano conhecido: Santa Maria do Mar. Uma construção paralela à desditosa história de Arnau, um servo da terra que foge dos abusos do seu senhor feudal e que se refugia em Barcelona. Daqui se torna cidadão e, assim, num homem livre. O jovem Arnau trabalha como estivador, palafreneiro, soldado e cambista. Uma vida extenuante, sempre à sombra da Catedral do Mar, que o tirará da condição miserável de fugitivo para lhe dar nobreza e riqueza. Mas com esta posição privilegiada chega também a inveja dos seus pares, que tramam uma sórdida conspiração que põe a sua vida nas mãos da Inquisição... Lealdade e vingança, traição e amor, guerra e peste, num mundo marcado pela intolerância religiosa, a ambição material e a segregação social. Um romance absorvente, mas também uma fascinante e ambiciosa recreação das luzes e sombras do mundo feudal.

Não nos deixes, Anni, de Aili Konttinen


Ficha técnica
Título – Não nos deixes, Anni
Autora – Aili Konttinen
Editora – Portugália Editora
Coleção – Biblioteca das raparigas
Páginas – 240
Datas de leitura – de 24 a 25 janeiro de 2016


         Opinião
         De vez em quando dou comigo junto do baú das recordações de infância e juventude e com muita vontade de levantar-lhe a tampa e submergir nas deliciosas recordações que lá aguardam por mim. Desta vez, saída de uma leitura agressiva e sofrida como foi a de Perguntem a Sarah Gross, o estupendo romance de estreia de João Pinto Coelho, não pus freio a essa vontade e deixei-me remexer nessas preciosidades que para mim não têm preço.
         Fechei o baú com um livrinho manchado pelo tempo nas mãos. A sua publicação data de 1965 e tenho quase a certeza absoluta de que é impossível encontra-lo hoje nas livrarias. Nos alfarrabistas talvez.
Não nos deixes, Anni está comigo desde a minha juventude, desde que um colega de trabalho da minha mãe, conhecedor do meu vício pelas leituras, me entregou uma sacada de livros sem dono após a morte da sua legítima proprietária e que não teria a quem os dar. Ainda hoje os tenho todos. Li-os todos na altura da doação e agora, passados todos esses anos, sinto um prazer especial em relê-los.
Este livrinho de 240 páginas amarelecidas e com bastantes gralhas situa a sua ação nos países nórdicos, sobretudo a Suécia e a Finlândia do pós Segunda Guerra Mundial. Traz-nos a história de duas famílias ligadas por um acontecimento resultante desses seis anos infernais de conflito – o recolhimento por parte de famílias suecas abastadas de crianças finlandesas que estavam em riscos de perder a vida se se mantivessem junto dos pais em território afetado pela guerra. Sendo assim, Anni ou Aino foi uma dessas crianças que se viu apartada da família ainda muito pequenina e cujos quatro anos seguintes foram vividos noutro país, com outros “papás”.
Terminada a guerra, a família Matinoja pretende que a sua filha mais nova regresse ao seu lar. E é então com essa viagem de regresso que a narrativa arranca e nos mostra de imediato o quão penoso será esse retorno para uma menina que nada recorda dos seus pais biológicos ou dos seus irmãos e para a sua família de adoção. Mostra igualmente o outro lado, ou seja, a angústia, ansiedade e afogo daqueles que ficaram, daqueles cujas caras, vozes Anni nada recorda, a não ser em sonhos fugidios.
Numa linguagem muito simples e sóbria, adequada à faixa etária do público destinatário de obras como estas, a autora desenrola o dia-a-dia da nova vida de Anni, o quanto este é diferente e mais humilde daquele que deixou na Suécia, o sofrimento de uma menina habituada a ser o centro das atenções, a ter tudo o que quer e que, ao atravessar uma fronteira geográfica, se confronta com dois progenitores praticamente desconhecidos, uma língua da qual já nada sabe e um estilo de vida bem mais modesto e rude. Somos igualmente confrontados (e aí residiu a delícia desta releitura) com a dor e a tristeza silenciosa de uma mãe que compreende ser uma estranha para a sua filhinha, mas que, passo a passo, sem forçar, vai conquistando o lugar que merece no coração desse ser pequenino que, anos antes, quis salvar das garras da guerra.
Não nos deixes, Anni foi assim um bálsamo que me aquietou e me fez sentir-me de novo preparada para leituras mais exigentes, mais complexas, mais emocionais, mais doridas, mais adultas. Cumpriu o seu propósito e só por isso abençoo o meu baú de recordações e as ganas que, de quando em vez, me “forçam” a vasculhá-lo J

NOTA – 08/10

Sinopse

Anni, garotinha finlandesa de seis anos, foi recolhida, durante a guerra, por suecos ricos que a educaram como se fosse sua filha. Poderá voltar Anni a adaptar-se à herdade familiar? A verdadeira mãe voltará a encontrar o coraçãozinho da filha?...

Perguntem a Sarah Gross, de João Pinto Coelho



Ficha técnica
Título – Perguntem a Sarah Gross
Autora – João Pinto Coelho
Editora – D. Quixote
Páginas – 448
Datas de leitura – de 18 a 23 janeiro de 2016

         Opinião
         No dia 27 deste mês assinala-se o Dia Internacional de Memória do Holocausto e por coincidência a minha mania de leituras cronológicas ditou que o livro a ler perto da data fosse Perguntem a Sarah Gross, finalista do Prémio Leya de 2014.
         E eis que me vi de novo mergulhada no inenarrável horror do Holocausto. De novo mergulhada numa batalha de sentimentos e imagens que sei apenas transmitirem reflexos muito esbatidos do que alguém como Primo Levi ou Dita Kraus experienciou e sofreu apenas por ser judeu e ter nascido em territórios que foram ocupados pela Alemanha durante a Segunda Grande Guerra. De novo mergulhada no antitetismo que me caracteriza enquanto leitora voraz de obras que relatem acontecimentos e momentos (ficcionados ou não) do pior embate bélico de todos os tempos. Sim, de novo mergulhada com um entusiasmo febril numa narrativa que sabia de antemão que me iria agarrar.
         Alternando a narração entre as décadas de 20, 30 e 40 e os últimos anos 1960 e fazendo-nos viajar por vários espaços dos Estados Unidos e as cidades polacas de Oshpitzin (como Auschwitz era nomeada pelos judeus) e Cracóvia, o autor contempla-nos com um enredo que, não sendo inovador, alcança facilmente o objetivo de qualquer obra – adentra-se em nós e não mais sai. Imiscuiu-se tão intensamente em mim, interferiu na minha rotina, povoou os meus pensamentos, obrigou-me a atazanar o maridinho (que, como sempre, se me adianta nas leituras das obras mais recentes de cá de casa) com perguntas frenéticas e sobretudo provocou a avalanche de sentimentos que sempre procuro numa bela obra.
         Perguntem a Sarah Gross é na verdade uma belíssima obra, habitada por personagens fabulosamente bem construídas, redondas, complexas, poços de força e determinação e que, como tal, nos conquistam. A mim conquistou-me principalmente o leque de personagens femininas que, vivendo os horrores e as atrocidades cometidas pelos nazis ou fugindo de passados tortuosos e angustiantes, encaram a vida de frente, não se rendem e prestam homenagem a todos e todas que veem os seus direitos, a sua liberdade coartados por gentalha cujo comportamento nem o mais abjeto animal é capaz de imitar.
         Para além de personagens inesquecíveis, Perguntem a Sarah Gross prende-nos pelo seu enredo polvilhado o quanto baste de suspense, fiabilidade histórica e ardilosos saltos temporais que obrigam o leitor a querer satisfazer uma sofreguidão que não nos larga, a querer respostas a perguntas lançadas desde as primeiras páginas e que “safadamente” só serão esclarecidas nos últimos instantes. Ou seja, João Pinto Coelho estudou muitíssimo bem a lição e merece que lhe rendamos o apreço que verdadeiramente merece. Da minha parte, rendo-lho atribuindo à leitura do seu romance de estreia a nota máxima. Como não poderia deixar de ser.
         Finalizo esta opinião informando-vos que é com esta leitura e talvez com a próxima que participo num desafio (o primeiro de muitos) lançado pela Isaura (do blogue – Jardim de mil histórias), a decorrer na Goodreads – Leituras do Holocausto.
         Recomendo sem reservas esta obra! Por tudo, mas sobretudo porque nunca devemos esquecer, para evitarmos que se repita e para crescermos como seres racionais que somos.

NOTA – 10/10

Sinopse
Em 1968, Kimberly Parker, uma jovem professora de Literatura, atravessa os Estados Unidos para ir ensinar no colégio mais elitista da Nova Inglaterra, dirigido por uma mulher carismática e misteriosa chamada Sarah Gross. Foge de um segredo terrível e procura em St. Oswald’s a paz possível com a companhia da exuberante Miranda, o encanto e a sensibilidade de Clement e sobretudo a cumplicidade de Sarah. Mas a verdade persegue Kimberly até ali e, no dia em que toma a decisão que a poderia salvar, uma tragédia abala inesperadamente a instituição centenária, abrindo as portas a um passado avassalador.
Nos corredores da universidade ou no apertado gueto de Cracóvia; à sombra dos choupos de Birkenau ou pelas ruas de Auschwitz quando ainda era uma cidade feliz, Kimberly mergulha numa história brutal de dor e sobrevivência para a qual ninguém a preparou.

Rigoroso, imaginativo e profundamente cinematográfico, com diálogos magistrais e personagens inesquecíveis, Perguntem a Sarah Gross é um romance trepidante que nos dá a conhecer a cidade que se tornou o mais famoso campo de extermínio da História. A obra foi finalista do prémio LeYa em 2014.

Mar humano, de Raquel Ochoa


 Ficha técnica
         TítuloMar humano
         Autora – Raquel Ochoa
         Coleção – Os livros RTP
         Editora – Marcador
         Páginas – 239
       Datas de leitura – de 14 a 17 janeiro de 2016


             Opinião
         Mergulhei carregada de expectativas nas páginas deste romance. Não havia como não fazê-lo. Não depois de ter lido o que li no mundo da blogosfera literária e de consequentemente ter aproveitado uma promoção para ter o livro só para mim.
         Página após página a expectativa foi-se transformando em entusiasmo. Embarquei sem reservas no estilo da autora, o lápis sublinhou inúmeras passagens que rasgavam um sorriso na minha cara ou me faziam reagir que nem uma criança perante um doce muito docinho e vorazmente fui avançando na narrativa e acompanhando não só a vida de Samuel e Ema como a do nosso país debaixo das mãos tirânicas de Salazar e mais tarde de Marcelo Caetano. Tudo se conjugava, se encaixava de uma forma absoluta, perfeita, tal como eu tanto gosto. Por um lado, os amores dos protagonistas, a paixão que os une desde a adolescência e que talvez nunca se concretize, o cuidado e a inteligência com que a autora construiu Samuel e Ema como individuais e como par um do outro. Por outro, a aparente pouca importância dada às personagens secundárias (muitas apelidadas apenas de acordo com características profissionais ou sociais – “Médico sem sentimentos”, “Filha de Pai Rico”), o entrelaçar do quotidiano de personagens fictícias com um período interessantíssimo da nossa História, referências literárias (morte de Fernando Pessoa e citações de Miguel Torga) que me tocam como só eu sei.
         Tudo isto conjugado resultou numa sofreguidão que me impulsionou a devorar capítulo a capítulo até deter-me no último, aquele que já sabia estar predominantemente escrito em itálico, indício esse que fazia prever um desenlace surpreendente. E o surpreendente concretizou-se, é um facto. Mas, para grande frustração minha, estragou, amargou todo o entusiasmo e deleite experimentados até esse momento. Controlo-me para não soltar em letras o palavreado menos próprio que está na ponta da língua (em inglês ou em espanhol, porque sempre profiro mentalmente obscenidades em estrangeiro – é mais soft J), porque o referido último capítulo é tão desnecessário, caramba! Para quê acrescentar ficção científica e futurismos a uma história que tudo tem para ser memorável? Para quê estragar uma narrativa cativante, que chega a nós através de um estilo fresco, inteligente, com protagonistas e um contexto que nos atraem? Para quê, volto a perguntar.
         Admito que torci o nariz a determinadas passagens mais científicas e que estão associadas a Ema. Mas não lhes dei demasiado valor, simplesmente porque tenho dificuldade em apreender raciocínios matemáticos, químicos ou físicos. É certo que também senti o alarme (chamemos-lhe pressentimento de leitora compulsiva) a disparar quando me deparei com uma ou outra prolepse que deixava adivinhar o que aí viria. Mas confesso que nada me preparou para o que encontrei no desenlace, o que ainda tornou a deceção e a revolta muito maiores. Se o propósito da autora era terminar a obra dando uma bofetada de surpresa no leitor (sobretudo numa leitora crédula como eu), tenho que dar a mão à palmatória, pois conseguiu-o em pleno. Mas Raquel Ochoa que me perdoe o desabafo – não havia necessidade, carago!
         Por tudo isto, com o raciocínio toldado pela desilusão, nem sei bem que nota atribuir a esta leitura. Adorei inúmeras partes da obra, mas o desencanto neutraliza grande parte desse sabor doce…
         NOTA – 07/10 (após muito pensar)

         Sinopse
Mar Humano parte da ligação turbulenta entre duas pessoas e penetra em temas como a longevidade da vida humana, a responsabilidade que os sentimentos acarretam, a luta pela liberdade de expressão e o impacto da ciência na evolução da consciência. Um brinde à coragem de cada indivíduo em ser autor da sua própria vida.

O último cais, de Helena Marques


 Ficha técnica
         TítuloO último cais
         Autora – Helena Marques
         Coleção – BIS, Livros de Bolso
         Editora – Leya
         Páginas – 189
         Datas de leitura – de 09 a 13 de janeiro de 2016


Opinião
         É a primeira vez que leio um romance desta autora. Aliás, antes de ter partilhado leituras, no passado mês de agosto, com algumas colegas (ver aqui), não sabia da existência desta romancista ligada ao jornalismo e à bela ilha da Madeira. Partindo então da sugestão de uma dessas colegas, adquiri este livrinho de bolso e só agora o li.
         Num espaço de quatro dias, recuei ao final do século XIX e percorri as ruas e espaços da capital madeirense, entrei em casas de abastadas famílias e compreendi um pouco melhor a umbilical ligação que amarra os madeirenses àquelas encostas verdejantes, a tradições e rituais, a um clima deliciosamente ameno e ao mar. A um mar sem fim que apela ao desconhecido, ao soltar das referidas amarras, a uma por assim dizer claustrofóbica vontade de evasão e a uma necessidade visceral de regresso, de atracar ao cais, de retorno àquele punhado de terra que enfeitiça, que pertence a portugueses, a ingleses e a todos que, de passagem, aí lançam a sua âncora e não mais de lá saem.
         As personagens que habitam as 189 páginas de O último cais são o espelho de tudo isto. E de algo mais. Marcos, a personagem masculina que percorre toda a narrativa cativou-me desde as primeiras palavras que o narrador lhe dedicou. Homem atraente, loucamente apaixonado pela mulher, revela nos seus atos a essência do insular que sente o apelo do mar e que não controla a urgência de evasão. Por isso, de tempos a tempos, embarca e lança-se a uma conquista muito sua do que está para além da sua ilha natal.   
Revela ainda ser um homem atento aos outros, especialmente a Raquel, o grande amor da sua vida, com quem partilha cumplicidades, risos, olhares, silêncios, prazeres e entendimentos. A história dos dois aquece-nos, aconchega-nos como uma manta quentinha e exemplifica o que todos nós buscamos, sejamos homens e mulheres do final do século XIX, sejamos homens e mulheres do século XXI.
         A obra está dividida em capítulos todos eles encabeçados por um título que, a maior parte das vezes, é apenas o nome de uma personagem, sobretudo de uma personagem feminina. Numa sociedade enclausurada num punhado de terra no meio do oceano, cujas tradições, rituais, preconceitos e religião condicionam os atos, os pensamentos e os sentimentos de todos, as vidas de Raquel, Luciana, Catarina Isabel, das manas Marta e Maria, de Constança e Clara desfolham ante nós e fazem-me sentir orgulho no sexo feminino. A valentia e força de carácter com que estas mulheres decidiram o seu destino, cortaram as amarras que as prendiam a um cais castrador são o que de melhor habita nesta obra que, aparentemente simples, nos envolve com estas histórias que vão passando de geração em geração e vão fortalecendo as mais recentes e as vindouras.
         O estilo de Helena Marques é assim acolhedor, com laivos de doçura, de fragilidade, de sedução, de força e valentia. Como o são as suas personagens. Como o somos nós, as mulheres. Reúne apontamentos históricos, faz-nos calcorrear as ruas íngremes do Funchal, aquece-nos com o seu clima ameno, obriga-nos a olhar o mar, a devanear na sua imensidão e autoriza-nos a conhecer, a saber um pouco mais sobre a Madeira e os seus habitantes.
         Gostei da minha estreia no mundo das letras desta autora. Gostei da sua suavidade, que me aconchegou nestes dias invernosos e me manteve relaxada e bem comigo mesma. Quero voltar. Quero experimentar outra vez. Porque Helena Marques cumpriu e isso é o melhor.

         NOTA – 08/10

         Sinopse
         Plano Nacional de Leitura
Livro recomendado para a Formação de Adultos, como sugestão de leitura.

«O Último Cais é um texto envolvente, sedutor, pela sua aparente simplicidade. Pela sua beleza. Pela sua força, tecida de pequenas fragilidades, de pequenas fragrâncias de pequenas cintilações musicais...» Maria Teresa Horta

História do novo nome, de Elena Ferrante


         
Ficha técnica
TítuloHistória do novo nome
Autora – Elena Ferrante
Coleção – Tetralogia de Nápoles – segundo volume
Editora – Relógio D’Água Editores
Páginas – 372
Datas de leitura – de 31 de dezembro de 2015 a 8 de janeiro de 2016

 Opinião
Entrei no novo ano na companhia de Lenú e Lina/Lila. Estreei-me neste ano mais redondo, como diz o meu filhote, viajando no tempo e no espaço e tornei a embrenhar-me nas ruas decrépitas de um dos bairros decrépitos de Nápoles dos anos sessenta. Voltei a frequentar as casas de famílias que já conhecia do primeiro volume desta tetralogia, voltei a percorrer ruas, praças e outros espaços de Nápoles e sobretudo voltei a sentir-me estupefacta e assolapada com um microuniverso que, encerrado nas fronteiras do bairro onde as duas protagonistas nasceram e cresceram, rebenta de uma tal violência física, verbal, psicológica, social que nos aturde e entorpece.
         As teias que a autora usou e entreteceu na criação do primeiro volume desta tetralogia mantêm-se. As personagens são praticamente as mesmas, deambulam quase sempre pelos mesmos espaços e limitaram-se a crescer e a seguir a vida que lhes foi destinada desde que nasceram. Trabalham onde estava destinado trabalhar, os filhos seguem as pisadas dos progenitores, aprendem com eles a pagar com violência, a não confiar em ninguém e a invejar com um ódio latente aqueles que foram bafejados com a sorte de ter uma vida melhor do que eles.
         Foi neste cenário que conhecemos no primeiro volume as duas protagonistas desta soberba história urdida pelo talento formidável de Elena Ferrante. Lenú e Lina provêm de duas famílias de trabalhadores remediados e desde muito pequenas que as une uma amizade peculiar, forte, repleta de sentimentos intensos, contraditórios, onde o amor e a admiração andam de mão dada com o ressentimento, o ódio e o rancor. São duas crianças e agora jovens completamente distintas e cujo destino também fez o favor de ainda mais distinguir. No final do primeiro volume, assistimos ao casamento de Lina com apenas dezasseis anos, enquanto Lenú é a única rapariga do bairro que conseguiu singrar nos estudos e frequentar o liceu. A primeira, apesar de ter dado frequentemente provas de que possui mais inteligência de que a sua amiga, viu a sua vida de estudante terminar abruptamente com um não dos pais. Considero que nunca mais se refez dessa negativa e que, a partir daí, os seus atos, a sua conduta para com os outros e para consigo mesmo, foram um espelho disso mesmo e da vontade indomável de provar a todos que mudaria a sua vida, que seria alguém, nem que tivesse que espezinhar todo aquele que se metesse no seu caminho. Assim o fez. Desde o dia do seu casamento, Lina faz e desfaz, é implacável, fria, déspota, rebaixa quem está ao seu lado apenas com o olhar, não verga nem com as surras que apanha do marido. Contudo, essa fachada de obstinação, de força e de desdém para com tudo e todos esconde uma menina que se sente morta por dentro, que aterroriza face ao que escolheu para a sua própria vida e que apenas desabrocha quando se apaixona pela primeira vez. O amor por alguém que a faz florescer não só como mulher mas também como o ser inteligentíssimo que é, que a faz ter outra vez sede de conhecimento, produz uma reviravolta total naquilo que era uma existência árida, pontuada de violência e despoleta em Lina uma vontade e força tais que a levará a tomar atitudes drásticas, das quais ela nunca mais se esquecerá.
         Mais uma vez, tal como acontecera no primeiro volume, enquanto a vida de Lina é como um mar revolto, o dia-a-dia de Lenú pauta-se pela estagnação e por um outro género de batalha – a vontade de afirmar-se, de ser um exemplo para um bairro que não está acostumado a que os seus filhos prossigam os estudos. A vontade de afirmar-se sobretudo perante Lina, a sua melhor amiga. A vontade de finalmente poder provar de que era melhor do que ela em algo, de buscar as ferramentas para sair da sordidez daquele bairro e ser mais do que a Lenú, filha dos porteiros, a Lenú, amiga de Lina, a Lenú gordinha e dos óculos quase maiores que a sua cara. Assim, acompanhamos todo o seu esforço e todos os seus sacrifícios, as suas batalhas diárias para conseguir estudar o que sabe que é necessário, as frustrações quando não alcança as notas que quer, as vergonhas e o fingimento que veste cada vez que os outros se dão conta da sua ignorância, da sua pobreza, do seu sotaque de napolitana de bairro e a amarga constatação de que, por muito que estude, por muito que se esforce sempre se sentirá segunda em relação a Lina.
         A grandeza e pujança deste segundo volume estão nos detalhes que constroem o seu antecessor. Elena Ferrante é detentora de um estilo e de uma competência tão suculentos que transformam a leitura de, atrevo-me a dizer, qualquer uma das suas obras numa experiência absorvente, transfiguradora, quase inigualável, tal é a força, a violência, a complexidade de sentimentos que desperta, a raiva, o rancor, o desprezo que sentimos entrelaçados com a compaixão, a felicidade, a tristeza, a angústia. As personagens, principalmente as protagonistas estão maravilhosamente bem construídas, são redondas, repletas de contrastes e contradições, mexem connosco incessantemente, não nos abandonam durante a leitura (nem mesmo depois), fazem questão de fazer parte do nosso quotidiano e deixam uma marca indelével. Por outro lado, o contexto espacial, temporal, histórico e social é outra das mais-valias desta tetralogia. A caracterização do bairro, da gente que o habita, de Nápoles e de outros espaços italianos são o espelho da sociedade napolitana dos anos sessenta, de uma pobreza explorada sem misericórdia por gente com ligações “camorrianas”, de como os tentáculos da Máfia se infiltravam em todos os meios, mais ou menos favorecidos, e de como era praticamente impossível escapar a tudo isto.
         Termino esta primeira opinião do ano dizendo que, por muito que tenha gostado de A amiga genial, História do novo nome é ainda mais arrebatadora (talvez porque as duas amigas já são quase adultas e assim mais próximas da minha faixa etária), mais sofrida, mais pungente, enfim mais absorvente e faz-nos querer (e muito) saltar já para o terceiro volume. Só não o faço agora por causa da minha mania das leituras cronológicas J e sobretudo porque preciso de respirar um pouco, de aligeirar a coisa e de afastar-me momentaneamente de um ambiente assim hostil.
         É óbvio que recomendo sem reservas este volume e toda a tetralogia. Entrei da forma mais literariamente perfeita em 2016 J

         NOTA – 10/10

         Sinopse
         Este romance continua a história de Lila e Elena, tendo como pano de fundo a cidade de Nápoles e a Itália do século XX.
Lila, filha de um sapateiro, escolhe o caminho de ascensão social no próprio bairro e, no final de A Amiga Genial, vemo-la casada com um comerciante. Elena, pelo contrário, dedica-se aos estudos.
 Ambas têm agora 17 anos e sentem-se num beco sem saída. Ao assumir o nome do marido, Lila tem a sensação de ter perdido a identidade. Elena, estudante modelo, descobre que não se sente bem nem no bairro nem fora dele.
 No início, vemos Elena a abrir um caderno de notas onde Lila fala sobre a vida com o seu marido e as complicadas relações com a Mafia e os grupos neofascistas, que invadem os bairros com as suas proclamações.

 Lila e Elena hesitam entre a tendência para a conformidade e a obstinação em tomar nas suas mãos o seu destino, numa relação conflitual, inseparável mistura de dependência e vontade de autoafirmação, em que o amor é um sentimento «molesto» que se alimenta do desequilíbrio até nos momentos mais felizes.

Melhores leituras de 2015 - parte dois


Lancei o reto ao maridinho e ao filhote para que os dois elegessem as suas melhores leituras de 2015. Os dois aceitaram com entusiasmo e enquanto a minha cara-metade, em pouco mais de cinco minutos, me apresentava a sua lista, o pequenote demorou algum tempo a selecionar os livrinhos que ora lera trazidos da biblioteca da escola ou que retirara da sua estante e que lhe haviam agradado mais. Por essa razão apenas hoje posso divulgar aqui as correspondentes listas das dez melhores leituras dos dois homens da minha vida. Ei-las então!



10 melhores leituras de 2015 do maridinho – cinco de autores lusos e cinco de autores estrangeiros:
§  Alabardas, de José Saramago;
§  Assim nasceu Portugal, de Domingos Amaral;
§  Desamparo, de Inês Pedrosa;
§  Perguntem a Sarah Gross, de João Pinto Coelho;
§  Galveias, de José Luís Peixoto;
§  A vida quando era nossa, de Marian Izaguirre;
§  Palmeiras na neve, de Luz Gabás;
§  A amiga genial, de Elena Ferrante;
§  História do novo nome, de Elena Ferrante;
§  História de quem vai e de quem fica, de Elena Ferrante.



10 melhores leituras de 2015 do filhote:
§  O ratinho marinheiro, de Luísa Ducla Soares;
§  Adoro-te mamã, de Melanie Joyce;
§ No país dos golfinhos, de Françoise Le Gloahec, Karine Lefranc e Pierre Couronne;
§  É hora de dormir, de Sam Taplin e Francesca de Chiara
§  Mega livros dos animais;
§  Atlas o mundo que te rodeia;
§  O livro do filme Big Hero 6;
§  365 curiosidades de animais;
§  Atlas puzzle de Portugal – Fauna e Flora;
§  Sonhos de Natal, de António Mota.

É indiscutível que cá em casa a livrólica mais dependente e mais gastadora sou eu, mas têm que concordar que estou muito bem acompanhada! 

Melhores leituras de 2015



Cinquenta e oito leituras que perfazem um total de quarenta e sete leituras e onze releituras e um total de quarenta e três livros lidos em português e quinze lidos na língua castelhana. Números que demonstram claramente que 2015 foi um ano sensacional, um ano em que bati recordes. De livros lidos e seguramente de livros adquiridos J Provavelmente nunca li tanto em 365 dias e coloquei assim a fasquia num patamar que vai ser difícil ultrapassar. Tenho também a perfeita noção de que não refreei a vontade (quase viciante) de comprar novos livros, que fiz questão de praticamente todos os meses adquirir pelo menos um livro e assim preencher mais um buraquinho nas estantes que vão ficando mais obesas.
Este amor um pouco doentio que devoto aos livros resultou em leituras arrebatadoras, que despertaram em mim sentimentos e sensações quase orgásmicas. Resultou igualmente em leituras interessantes, em leituras algo banais e em outras (sobretudo uma) que não recomendo a ninguém por tão intragável que é.
Felizmente o balanço que agora faço, percorrendo a lista das cinquenta e oito leituras é mais positivo do que negativo. Bem mais positivo do que negativo, já que se contam pelos dedos de uma mão as obras às quais atribuí – numa escala de um a dez – uma nota abaixo de cinco. Daquelas às quais atribuí uma nota mais alta, escolhi as dez que considero terem sido as que mais me cativaram, as que ocupam e ocuparão um cantinho especial na minha vida, que me marcaram intensamente e farão com que, sempre que as recorde, os meus olhos se iluminem, um sorriso apareça no meu rosto e sinta vontade de as reler uma vez. E outra. E outra.
Como 2015 foi um ano de releituras, também fiz questão de eleger as cinco melhores. Aquelas que, com uma segunda leitura, voltaram a aquecer-me e a despertar esse entusiasmo e frémito de virar página atrás de página com a mesma emoção e magia com que o haviam feito aquando da primeira leitura.
Ora aqui estão então elas, por ordem cronológica, as leituras e releituras que recomendo vivamente, encarecidamente J:

(Clicando no nome da obra, poderá aceder-se à opinião/crítica completa)

LEITURAS

O melhor romance de João Tordo que já li. Sem dúvida alguma. É apogeu da escrita deste jovem autor e prende-nos do princípio ao fim. A narrativa, as personagens, o protagonista, a complexidade da sua construção, a tristeza que cobre tudo de cinzento, os laivos de esperança que nos consolam no desfecho da obra. E a Galiza e sobretudo a cidade de Pontevedra que tanto amo.
NOTA – 10/10


Alabardas, ou pelo menos os três capítulos que a vida lhe deixou escrever, tem tudo aquilo que tanto aprecio e amo em Saramago – “Um mundo reconhecível, saramaguiano, que, nos primeiros traços, evoca o ambiente específico de Todos os Nomes e estabelece laços com o período de escrita iniciado por Ensaio sobre a Cegueira” (pág. 94 – Fernando Gómez Aguilera).
Em apenas três capítulos estão reunidos todos os ingredientes para uma daquelas narrativas, uma daquelas leituras únicas, de tão absorventes e especiais que são. Como são as do meu Saramago.
NOTA – 10/10

Primavera con una esquina rota confirmou o que já era uma verdade incontornável – tendo lido apenas duas das suas obras, Mario Benedetti entra definitivamente para a categoria dos meus autores favoritos.
O que faz de Primavera con una esquina rota uma obra inesquecivelmente deliciosa é a forma como Benedetti a conta, como se metamorfoseia em cinco personagens ao mesmo tempo banais e únicas e nos dá a possibilidade de tudo sabermos delas, de sermos os destinatários dos seus pensamentos, das suas esperanças, dos seus medos, das suas dúvidas, enfim de os conhecermos como ninguém.
NOTA – 10/10

A vida quando era nossa é uma obra que nos toca, que nos fala daquela maneira intensa ao coração. A sua história está escrita de uma forma serena, tranquila, mas possui os ingredientes necessários para ser um bálsamo para a alma e para mexer connosco: personagens cativantes, descrições de épocas marcantes e sobretudo o lugar essencial que os livros ocupam na nossa vida.
«Quando te sentires sozinha, lê um livro… Isso vai salvar-te.» Os livros têm de repente o tato redondo e húmido de uma tábua de salvação.” (pág. 272)
NOTA – 09/10

O mistério e o pouco que se sabe sobre esta fantástica autora associam-se a uma obra que abre uma tetralogia que nos prende desde o início e que nos atinge com um tsunami de emoções.
Este primeiro volume narra a infância e adolescência das duas amigas, sobretudo na perspetiva de Elena, a sua narradora. Acompanhamos o turbulento início da amizade, a cumplicidade das duas, o seu afastamento por causa dos dissabores da vida e um reaproximar que fica momentaneamente interrompido por um final intenso e que nos deixa em desespero, numa ansiedade louca pelo volume que se segue. Em linhas gerais este será o resumo (muito resumido) da trama da obra. Contudo, o que nos prende, o que nos agarra, o que nos verga perante o talento indiscutível desta autora italiana é muito mais do que isto…
NOTA – 09/10

Mais vale dizê-lo – esta foi a obra de 2015. É sublime do princípio ao fim. Por tudo, tudo, tudo.
A esta leitura só posso dar-lhe nota máxima e desejar que o maior número possível de leitores a leia! Comprem a obra, peçam-na emprestada, requisitem-na numa biblioteca, mas, por favor, leiam-na!!! É um hino ao que mais preze na literatura, no sabor dos livros!
NOTA – 10/10

Toda a luz que não podemos ver é uma obra impressionante. Arranca de uma forma algo lenta, morna, é verdade, mas mexe na chaga que foi a Segunda Guerra Mundial sem recorrer à descrição de combates ou do holocausto judeu. Dá-nos a perspetiva dos dois lados através de exemplos daqueles que uma doutrina totalitária pretende moldar ou aniquilar – os detentores ou sôfregos de sonhos, de conhecimento, de oportunidades de saber mais. Com uma linguagem cuidada, poética, que evidencia o poder das palavras (com poucas podemos dizer tanto…), levou-me a experimentar os mais variados sentimentos e a entregar-me toda à leitura – como sempre o faço quando esta merece.
NOTA – 09/10

Stoner foi publicado em 1965 e, tal como o seu protagonista, caiu rapidamente no esquecimento. Em 2013 foi aclamado o melhor livro do ano pelos leitores de uma livraria britânica. Eu tomei conhecimento da sua existência apenas este ano, numa das conversas “sumarentas” que tenho com a minha compincha literária, Nancy. Adquiri-o em agosto e só agora em novembro preencheu as minhas horas literárias. Demorei seis dias a lê-lo e ainda hoje, enquanto escrevo isto e já tendo outra obra a fazer-me companhia, sinto William Stoner aqui ao lado. E sei a razão por que ainda não me abandonou. Porque é bom, mesmo muito bom.
NOTA – 09/10


194 páginas de Benedetti. 194 páginas que durante estes cinco dias estiveram à espera de que eu encontrasse aquele “ratito de tiempo” para mergulhar nelas, perder-me nelas. 194 páginas que saboreei sempre com um sorriso nos lábios e com o lápis na mão. 194 páginas recheadinhas de partes sublinhadas, de setinhas, de corações, de carinhas felizes. 194 páginas que cumpriram com as mais altas expetativas e que consequentemente me levaram a “atazanar” o maridinho com comentários vezes sem fim repetidos – “Delicioso”; “Este homem é fantástico”; “Já te disse que adoro, adoro Benedetti?”; “Isto é mesmo, mesmo bom”.

NOTA – 10/10


É uma obra que me abalroou. Que se entranhou em mim como uma explosiva história de amor. Ou que se me meteu no corpo como África se mete nas entranhas e na alma de quem algum dia pousou os pés nas suas terras e de lá mais não quis regressar.
É uma daquelas narrativas que nos arrepia, que nos emociona e que não nos abandona. Extraordinária. Perfeita.
NOTA – 10/10


RELEITURAS

Cinco quartos de laranja é talvez a minha obra preferida desta autora. A sua protagonista é uma personagem complexa, sofredora, dorida, enraivecida, torturada por um passado carregado de lembranças pungentes e que condicionaram a sua vida até ao momento presente. E é uma personagem a quem, de imediato, estendi a mão. Para, mesmo perante a sua esquivez e olhar desconfiado, mostrar compreensão, solidariedade. Empatia.
O que determinou a minha vontade de reler Cinco quartos de laranja foi a certeza de que uma sua segunda leitura não me defraudaria. E realmente não me defraudou.
NOTA – 09/10

Não sou grande admiradora de contos. Penso sempre que são como dar um docinho a uma criança e tirá-lo a meio, quando se está a lamber a boca, a saborear a doçura e já a salivar de prazer J Mas tenho que confessar que todos os contos de Os Peixes da Amargura conseguiram, apesar do seu título “amargo”, deixar-me um sabor pleno e muito aprazível na alma. Porque transmitem-nos emoções, convidam-nos a entrar na vida quotidiana da gente basca, de homens e mulheres que conviveram e convivem de perto com a luta fratricida por um objetivo, pelo nacionalismo e independência de uma região que se sente sufocada pelo poder central.
NOTA – 09/10

Depois de tu partires foi a estreia literária de Maggie O’Farrell e, na minha opinião, a sua melhor obra das três que tenho dela. Tem aquele condão, aquela magia, aquela sedução aos quais não consigo nem quero resistir. Ofereceu-me uma das mais belas histórias de amor que já li, aliada a uma narrativa, que podemos apelidar de secundária, mas que não é menos importante, pois “vai-nos revelando como pode ser vasto, imenso, o opaco continente do não-dito, dos mais secretos e obscuros recantos do universo familiar.”
Obra belíssima e que tenho mesmo que recomendar!
NOTA – 10/10

Amores plenos, sensuais, poderosos e tão apaixonantes, tão extraordinários que ficam na memória; dois países e duas épocas entrelaçados que, combinados com personagens inesquecíveis produzem uma obra belíssima, perfeita. Uma releitura intensa e deliciosa.
NOTA – 10/10

Esta obra, como outras que já reli de Joanne Harris tem um magnetismo, uma capacidade, uma mestria de me satisfazerem por completo e de me “obrigarem” a não parar de as ler. É fascinante, de certa forma original, com temas e cenários nada banais e com personagens fortes, marcantes, que ao carregarem uma bagagem sofrida, não nos deixam indiferentes, pelo contrário, levam-nos a querer ampará-las, a estender-lhes a mão e a fazer a caminhada necessária ao seu lado.

NOTA – 10/10