Ficha técnica
Título – Amantes
e inimigos
Autora – Rosa Montero
Editora – Editorial Presença
Páginas – 165
Datas de leitura – de 12 a 17 de fevereiro de 2017
Opinião
Esta
coletânea de contos veio da biblioteca cá para casa num ato de impulso. Nas
deambulações que fiz na última visita pelos espaços da referida biblioteca
“tropecei” numa miniexposição dedicada a escritores espanhóis e
hispano-americanos. Isabel Allende, Gabo, José Luis Merino, a “minha” Almudena
(resisti à tentação de trazer a versão portuguesa de Malena é um nome de tango para relê-la) e uma tal de Rosa
Montero da qual já havia lido alguns textos soltos, crónicas e pouco mais.
Agarrei Amantes e Inimigos,
uma edição já com alguns aninhos e uma capa nada apelativa, li a sinopse da
contracapa e, ato contínuo, pus o livrinho debaixo do braço e trouxe-o para
casa.
Numa
espécie de prólogo a autora explica que sempre se sentiu mais desafiada em
criar romances, narrativas mais longas e foi delegando para segundo plano a
vontade, o impulso de escrever contos. Contudo, não deixou de o fazer sempre
que lho solicitavam ou estava em posse de um texto curto que não havia maneira
de se expandir para algo mais longo mas que merecia ser partilhado com o
público. Foi fazendo-o ao longo do tempo até que tomou a decisão de reunir um
“punhado deles” e publicá-los numa coletânea.
A obra Amantes e Inimigos está composta
por dezanove contos. Alguns de apenas três páginas, outros um pouco mais
compridos, mas nenhum ultrapassa uma dezena de páginas. Todos nos falam de
afetos, de amores, desamores, ciúmes, vis dependências, atitudes conscientes ou
inconscientes que tomamos em nome de um sentimento que nos aquece, que nos
rasga e que pode iluminar a nossa vida ou afundá-la na mais escura sombra.
Estaria
a mentir se dissesse que gostei de todos os contos. A uns fiquei indiferente,
de outros gostei e seis ou sete agarraram-me, buliram muito com o meu lado
emocional e sobretudo com o meu lado de leitora compulsiva e exigente. Porque
Rosa Montero escreve bem. Sem dúvida. E consegue transformar o banal, o
sórdido, o irracional em literatura. E da boa!
Por
esses seis ou sete contos, pelo estilo intenso e emocional da autora e porque
tenho um fraquinho por escritoras espanholas, sei que lerei mais de Rosa
Montero e que há dois títulos seus que terão que aparecer lá por casa – A louca da casa e A ridícula ideia de não voltar a ver-te.
Termino
com a mais que evidente recomendação e com alguns fragmentos dos contos que
mais me apaixonaram para que possa comprovar aquilo que disse:
"Não, Pedro não tinha ciúmes daqueles três
homens: tinha ciúmes da vida. Tinha saudades da inocência de Lola, da sua
própria inocência. Desejava ter sido ele a levá-la pela mão naquela praia; quem
lhe colocara o chapelinho na cabeça. Um Pedro intacto que ainda não tivesse
desbaratado a sua credulidade, um Pedro ignorante das perdas." (Conto “Noite
de Reis”)
“Era a mesma, exatamente a mesma a mesma
mulher que o enlouquecera tempos atrás, mas alguma coisa se partira
definitivamente.” (Conto “O reencontro”)
“Também os feios e os tristes têm os seus
momentos de glória.” (Conto “A glória dos feios”)
“O quotidiano triunfa uma vez mais sobre o
vazio.” (Conto “O meu homem”)
“Ou se, o que seria pior (e como suspeito), o
fez simplesmente porque não me vê, porque não me tem em conta, porque não
existo. Muitas vezes ao longo da vida me senti assim com diversas pessoas: de
vidro, transparente. Mas não estar no seu olhar, no olhar dela, é o mais duro.”
(Conto “Parece tão meiga”)
“Porque, para além das zangas a que
assistimos todos os dias, há outras cumplicidades e complicações que os unem:
uma trama de vidas e de passado, uma intimidade secreta e só deles e, talvez,
até uma necessidade de se maltratarem. É tão estranha a vida dos casais…”
(Conto “As bodas de prata”)
“Que terrível pobreza, que desamparo o de
quem não tem no que pensar antes da pequena morte do dormir. (…) Pode viver-se
sem dinheiro, pode viver-se sem família, pode até viver-se sem viver (ou seja,
vivendo uma vidinha miserável). Mas é impossível ir em frente sem ter sonhos na
cabeça.” (Conto “Ele”)
“A vida corria assim, fria, lenta e tenaz
como um rio de mercúrio. Só por vezes, num entardecer particularmente belo, me
assaltava uma angústia insuportável, a dor de todas as palavras nunca ditas, de
toda a beleza nunca partilhada, de todo o desejo nunca satisfeito. Então a
minha mente dizia: nunca, nunca, nunca, nunca. E queria morrer em cada nunca.”
(Conto “Amor cego”)
NOTA –
09/10
Sinopse
"O amor é uma mentira, mas
funciona". É com esta frase que Rosa Montero termina o último conto numa
obra onde ressaltam os seus notáveis dotes de contadora de histórias. É esta
frase também que, para a autora, melhor resume toda a obra. Pulsional. Plena de
momentos narrativos brilhantes vistos através da moldura da relação a dois,
esse obscuro lugar da dor e do prazer onde cabem o desejo carnal, a paixão, o
desespero, a felicidade e a amargura.