Rosa Candida, de Audur Ava Ólafsdóttir

Sexta-feira, 26 de dezembro de 2014




Sinopse
Um jovem decide deixar a casa da sua infância, o irmão autista, o pai octogenário e as paisagens familiares de campos de lava cobertos de musgo, em busca de um futuro desconhecido.
Pouco antes da sua partida recebe um terrível telefonema: a mãe falecera num acidente de carro. As suas últimas palavras tinham sido de doce conselho ao filho, incitando-o a continuar o trabalho que partilhavam na estufa, mais especificamente o cultivo de uma variedade de rosa rara, a Rosa Candida.
Antes da morte da mãe, naquela mesma estufa, vivera um breve encontro de amor. Foi quando já preparava a sua partida que soube que, nessa noite, concebera inocentemente uma criança. Atordoado com todos estes súbitos acontecimentos, procura refúgio, recolhendo-se num majestoso jardim abandonado de um antigo mosteiro europeu. É aí que se vai dedicar a fazer florescer aquela rosa rara de oito pétalas. Ao concentrar a sua energia no seu cultivo, aprende também, sem dar por isso, a cultivar o amor.
Rosa Candida é a história de um jovem que assume o papel de pai ao mesmo tempo que se torna homem. Uma história de amadurecimento, sobre a beleza da vida e a forma como pequenas e simples experiências podem muitas vezes transformar a realidade numa extraordinária e incomum vida. Um livro impressionante que nos faz perceber que mudar, por vezes, é tudo o que precisamos...

Opinião
         Rosa Candida não foi o primeiro livro desta autora (de nome “impossível” de dizer – e de escrever!) que me “piscou o olho”! Uma vez mais, numa das muito frequentes visitas que faço aos sítios das “minhas editoras”, “tropecei” na sinopse da última obra publicada pela autora – La excepción, considerada o seu melhor romance até à data. Contudo, como podem perceber pelo título, o referido romance ainda não está traduzido para português… Sendo assim, prossegui as minhas nada penosas deambulações pelos habituais sítios e felizmente descobri que a editora Marcador havia publicado outro romance desta autora islandesa, que não só me seduziu pela sua capa lindíssima como também pela sinopse e pelo facto de haver sido traduzido e recomendado por João Tordo!
Aproveitei uma das recorrentes promoções da Betrand (que são sempre bem-vindasJ) como desculpa para adquirir Rosa Candida, mas a ordem cronológica que “ordena” as minhas leituras apenas me permitiu que o lesse nesta época natalícia.
A viagem que nos oferece a narrativa deste livro começa na ilha natal da autora, onde conhecemos o protagonista (também ele dono de um nome impronunciável, mas tratado carinhosamente pelo pai de Lobbi), o qual nos põe a par da sua história, passada, presente e do único projeto que quer concretizar – sair de casa dos pais para ir viver durante uma temporada numa povoação, perdida num país que não sabemos qual é, e assim poder pôr em prática o sonho que partilhava com a mãe – cultivar uma variedade de rosa rara, a Rosa Candida, no considerado mais belo jardim de rosas do mundo.
Não é de forma inconsciente que afirmo que a obra nos dá a possibilidade de acompanhar a viagem de Lobbi, a viagem da sua vida, uma viagem física, que o leva para longe do seu país, da sua casa, do seu ninho (onde já não mora a sua mãe, o coração daquele lar, a quem Lobbi era mais chegado), mas também uma viagem espiritual e de crescimento, que transformará o nosso protagonista, que o fará deixar de ser uma criança grande para tornar-se um adulto capaz de tomar decisões por si mesmo, de tomar conta de si, de ser independente e de responsabilizar-se pelas suas ações.
Como leitora, fui compreendendo que, através de uma linguagem muito simples, sem artifícios, aliada a um rol de acontecimentos que sacodem inesperadamente as vidas de Lobbi e dos que o rodeiam, este romance parece querer mostrar-nos que não devemos fugir, que não devemos desistir, que devemos retirar uma lição de tudo o que de bom e mau nos acontece, que a vida é tão delicada e rara como uma rosa de oito pétalas, que pode não florescer numa terra vulcânica e agreste como a Islândia, mas que, se for transportada com carinho e amor, pode sobreviver aos tumultos de uma viagem e encontrar o seu jardim, o seu futuro, a sua razão de existir longe de tudo o que nos é familiar, num terreno abandonado e maltratado, mas que ainda possui no seu âmago o que necessita para renascer.
Ainda como leitora, posso acrescentar que gostei de ler este livro. Gostei, tal como já referi, da evolução que se vai dando, ao longo da narrativa, na vida de Lobbi; da relação especial que ele teve com a mãe, de como ela influencia e guia as suas ações e pensamentos, mesmo já não estando viva; da forma paternalista como trata o pai; da delicadeza com que ele trata os pés de rosa que transporta consigo durante a viagem; e do tumulto de emoções que sente aquando do nascimento da sua filha, Flóra Sól. Gostei sobretudo da maneira atabalhoada (e posteriormente quase perfeita) como Lobbi trata de Flóra Sol e da mãe desta e como a ideia de família começa a encaixar-se na sua vida de até há bem pouco tempo filho da mamã e do papá, sem mais preocupações que as de um amante de rosas.
Rosa Candida é assim um livro que se lê com gosto, que nos entretém, que nos faz espreitar (como se fosse pelo buraco de uma fechadura) para um país que, pelo menos para mim, é quase desconhecido e que nos envolve como um ternurento e delicado conto de fadas. Tem alguns aspetos de que não gostei tanto, principalmente aqueles associados a alguma irrealidade que mexe com o meu lado cético – por exemplo, a ausência de referências que localizem geograficamente os locais da viagem de Lobbi. No entanto, consigo entender que essa irrealidade talvez seja propositada, que queira combater, como nos diz João Tordo, o realismo demasiado cru da literatura a que estou mais acostumada…
Por fim, e tal como já é habitual, deixo aqui algumas das passagens que fui sublinhando:
“Sempre que queria estar sozinho com a minha mãe, ia ter com ela à estufa ou ao jardim. Era aí que podíamos falar. Por vezes ela parecia distraída e eu perguntava-lhe em que estava a pensar, ela dizia: Sim, sim, gosto do que dizes. E depois oferecia-me um sorriso encorajante de aprovação.” (Pág. 20)
Ter um filho dá-te a certeza de que um dia irás morrer”. (pág. 126)

Os nossos corpos tocam-se, mas, por mais próximos que estejamos na cama, há um mar imenso que nos separa na solidão de cada. Sinto que a estou a perder, como perdi a minha mãe ao telefone (…)” (pág. 335)

Natal + Livros = Felicidade completa!!!!!

Quinta-feira, 25 de dezembro de 2014




As celebrações natalícias decorreram como habitualmente – mesa farta, família junta, conversas, boas gargalhadas, sorrisos, corridas e espreitadelas às prendas empilhadas por baixo da árvore e uma espera (penosa para a criançada) pela hora de agarrar uma prenda de cada vez, rasgar o papel de embrulho e saborear a descoberta de uma surpresa ou da confirmação de que “era isto mesmo que eu queria!”.
É por tudo isto, que se repete ano após ano, que gosto tanto desta época, não pelo consumismo que, a meu ver, ganha proporções extremas, mas sim porque tanto a véspera de Natal, como o dia em si, são as oportunidades ideais para estarmos em família, estarmos sentadinhos, aconchegados pelo calor humano e por uma crepitante lareira, e comemorarmos tudo o que nos une e aquilo que realmente importa J
Quando chega a hora da troca de prendas, sei de antemão que a maior parte das que me estão reservadas serão livros, já que todos sabem que essa é e será a minha prenda preferida, aquela que me fará sorrir e ganhar aquele brilho nos olhos. E este ano não foi exceção J! À medida que eu e o N. íamos desembrulhando os pacotes, a pilha de livros ia crescendo e estes foram os que traziam o meu nome:
- Recomeçar, de María Dueñas
- Até nos vermos lá em cima, de Pierre Lemaitre
- Alabardas, de José Saramago
- Os livros que devoraram meu pai, de Afonso Cruz


Agora, toca a anotar a data em que entraram cá em casa, aconchegá-los na estante, junto a outros que tenha do mesmo autor e/ou da mesma editora, refrear a vontade de lê-los já e riscá-los da minha “wishlist” J
Termino esta mensagem com a fórmula matemática que resume na perfeição o sentimento que me preenche nestes dias:

Natal + Livros = Felicidade completa!!!!!

O amor nos tempos de cólera, de Gabriel García Márquez

Domingo, 21 de dezembro de 2014




RELEITURA

Sinopse
O Amor nos Tempos de Cólera constitui na obra de Gabriel García Márquez um marco equiparável ao do célebre Cem Anos de Solidão, considerado até hoje, a sua obra-prima.

Opinião
Tenho que discordar do que é referido na sinopse. Para mim, e que me desculpem todos os que não concordam comigo, Gabriel García Márquez atingiu a perfeição com a narração de amores, misturada com uma crónica social da região caribenha, nos tempos de cólera.
Li pela primeira vez Cem anos de solidão há mais de quinze anos e já estive com a obra nas mãos para fazer-lhe a releitura que sinto que merece, mas confesso que não passei daí… Desfolhei-a, mantive-a na mesinha de cabeceira por umas horas, mas, por fim, tive que voltar a pô-la na estante, porque sei que reler uma obra que está repleta de um número quase infinito de personagens, com o correspondente número de nomes (que ainda por cima são muito parecidos), de situações confusas, escrita com um estilo que vive do realismo mágico levado ao extremo (e que, para uma cética como eu, é demasiado para “poder ser engolido” como crível) seria uma pequena tortura, tal como foi quando a li pela primeira vez… Por todas estas razões, ao mesmo tempo que devolvia Cem anos de solidão ao lugar que ocupa na estante, decidi que seria bem mais saboroso recordar os amores de Florentino Ariza e da sua “deusa coroada”, Fermina Daza J
É certo que García Márquez deleita-nos com uma história recheada de sensualidade e poesia, que centra a sua ação nos cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias que Florentino vive à espera de que Fermina lhe abra a sua intimidade, se entregue a ele e possam assim gozar os prazeres de um amor recíproco. Mas O amor nos tempos de cólera é muito mais que uma história de amor. É uma porta que se abre e que nos dá a oportunidade de embrenharmo-nos na vida (dos finais do século XIX e princípios do século XX) de uma cidade portuária, dos seus habitantes, desde os aristocratas falidos, os comerciantes que vão ganhando a vida de forma mais ou menos legal até aos que vivem na miséria e tentam sobreviver em condições tão desumanas, que estão praticamente condenados a morrer de doenças como a cólera, que assolam a cidade demasiadas vezes. Oferece-nos igualmente uma paleta de costumes, mitos e tradições enraizados (de índole católica e pagã), de como o telégrafo revoluciona as comunicações e da importância que a navegação fluvial tem para a economia da cidade onde coabitam os nossos protagonistas. Já na última parte, o autor narra-nos a viagem “de núpcias” de Florentino e Fermina e em simultâneo vai-nos mostrando, sobretudo através das conversas que eles mantêm com o comandante do navio, o quanto a prosperidade das companhias de navegação fluvial estava diretamente relacionada com a destruição da fauna e flora das margens do rio Magdalena… Há então, nas páginas finais da obra (como acontece ao longo de toda a obra), um entrecruzar da belíssima história dos amores dos nossos protagonistas que conhece o seu desenlace feliz com a realidade económica da companhia dirigida por Florentino e também do seu país, uma realidade que não se restringiu à Colômbia, mas que infelizmente assolou outros países vizinhos – a sobre-exploração da natureza que levou à extinção de milhares de espécies…
Mas deixemos de lado estes factos menos positivos e centremos agora a nossa atenção na já tão conhecida e comentada demanda (de mais de cinquenta e um anos) de Florentino para entrar no coração e na vida da altiva e felina Fermina Daza. Centremo-nos na demanda que faz com que João Melo, no Posfácio que escreve sobre García Márquez e a sua obra, se refira a O Amor nos tempos de cólera como “um livro para viver” J. É óbvio que não posso deixar de concordar (e em absoluto), porque, num cenário onde impera a cólera que devasta populações, onde a morte ronda muito de perto as vidas dos dois protagonistas, Florentino não desiste de viver para conseguir que o seu amor seja correspondido, e, mesmo que só o tenha alcançado aos setenta e seis anos, consegue com isso dar-nos a melhor lição de todas – o amor não tem verdadeiramente idade, podemos ser tão ou mais felizes quando somos jovens ou menos jovens, que não devemos deixar que os anos que carregamos sejam um impedimento para a nossa felicidade, que somos donos do nosso destino, que somos nós que o escrevemos e o determinamos J! Perante tudo isto, como é possível não ficar rendida de corpo e alma a esta obra genial?...
Finalizo transcrevendo algumas das muitas passagens que sublinhei  e que são o exemplo perfeito (pelo menos para mim) do estilo poético, humorístico e cheio de pinceladas realistas e mágicas do autor. Aproveito ainda para assinalar que a edição que li (a 14ª edição das publicações Dom Quixote) está pontuada de gralhas que mostram que falhou o cuidado que deveria haver de uma editora tão reconhecida L
A sanita deve ter sido inventada por alguém que não sabia nada de homensJ (pág. 40)
A leitura converteu-se para ele num vício insaciável. J J(pág. 86)
O coração tem mais quartos do que uma pensão de putas.” (pág. 290)
Por outro lado, quando uma mulher decide ir para a cama com um homem não há muralha que não trema nem fortaleza que não caia, nem nenhuma consideração moral que esteja disposta a ser o seu fundamento; não há Deus que lhe valha”. (pág. 351)

Pois tinham vivido juntos o suficiente para se darem conta de que o amor era amor em qualquer tempo e em qualquer lugar, mas tanto mais denso quanto mais próximo da morte. (pág. 368)

Numa mesma noite, de Leopoldo Brizuela

Segunda-feira, 23 de dezembro de 2013




Sinopse
Leonardo Bazán, escritor, regressa a casa dos pais numa madrugada de 2010 quando testemunha, por acidente, um assalto à casa vizinha. Não é um assalto vulgar, pois é perpetrado por um grupo de crime organizado de que fazem parte agentes das forças da autoridade. Mas o que mais perturba o escritor é a recordação de um assalto de contornos semelhantes, ocorrido naquela mesma casa trinta e seis anos antes, pouco tempo depois da instauração da ditadura militar que engolia a Argentina numa onda de terror galopante.

As memórias de Leonardo, à altura com 13 anos, recuperam a figura de Diana Kuperman, antiga ocupante da casa assaltada e vítima de tortura psicológica pelo poder vigente. Mais do que apenas recordar, Leonardo questiona qual terá sido o papel do pai nos acontecimentos que levaram à detenção da vizinha. Para poder entender, Leonardo começa a escrever um romance, com o objetivo de resgatar e exorcizar um passado que tudo fizera para esquecer. Talvez assim possa salvar-se da sua própria cobardia.
Pista atrás de pista, o escritor aproxima-se do mistério, ao mesmo tempo que faz uma viagem pessoal pelo medo, pela reação à brutalidade do poder e pela memória do terror e da cobardia. Um texto tão íntimo quanto político, tão confessional quanto misterioso.

Opinião
Prémio Alfaguara Romance 2012, Numa mesma noite é um thriller com muito boas críticas, mas cuja leitura, para mim, se revelou uma tortura e um desgosto… Detesto dedicar-me a ler uma obra que, pelas opiniões de nomes consagrados, é uma obra “a não perder” e, a meio da sua narrativa, ter consciência de que só o orgulho e a teimosia de não deixar a sua leitura a meio me farão levá-la até ao fim!... E infelizmente foi isso que aconteceu com este romance de Leopoldo Brizuela…
Tudo o que li na sinopse me cativou de imediato e por essa razão maior foi a deceção quando, à medida que a leitura se ia desenrolando, fui constatando que a narrativa nada tem do que esperamos de um thriller, que é muito confusa, que não nos dá respostas para o que se poderá ter passado tanto no momento presente (2010) como nos anos 70 e que, para piorar, não nos oferece uma conclusão, um desenlace, o que, na minha opinião, poderia ter como que bálsamo no meio de tanto tédio e frustração… 
Sendo assim, ou este não era para mim o momento adequado para ler esta obra, ou então considero que um prémio tão prestigiado como o da Alfaguara não foi devidamente atribuído, principalmente porque não sou a única a dizer (já li comentários em outros blogues e que vão ao encontro do meu) que Numa mesma noite não consegue cativar o leitor, não consegue que o interesse despoletado pela sinopse se mantenha ao longo da narrativa… Pelo contrário, torna-se algo penoso levar a sua leitura até ao fim L

O único aspeto positivo que retirei desta leitura foi o conhecimento que adquiri da ditadura que assolou a Argentina, como assolou muitos outros países latino-americanos… Mas, de resto, não posso dizer que recomendo a sua leitura…

Os Enamoramentos, de Javier Marías

Terça-feira, 03 de dezembro de 2013





Sinopse
O novo romance de um dos mais importantes e respeitados escritores espanhóis. Com obra publicada em mais de 50 países, e mais de 6 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo e distinguido com o Prémio Literário Europeu 2011.
Os Enamoramentos foi considerado o melhor romance do ano 2011 (eleito por um painel de 57 críticos literários espanhóis). O autor aborda o mistério em torno de uma morte acidental para refletir sobre o estado do "enamoramento", considerado quase universalmente como algo positivo, quase redentor, que tanto justifica as ações nobres e desinteressadas, como as maiores tragédias e catástrofes.
Críticas de imprensa
«O que interessa a Javier Marías é a narração enquanto mecanismo de incerteza, a essencial ambiguidade e obscuridade da narrativa. Vivemos em grande medida daquilo que nos contam, dos “factos” que resultam dessa “informação” e que estruturam o nosso conhecimento do mundo. Mas se esses factos forem uma maquinação? Com efeito, tudo aquilo que “sabemos” faz parte da nossa consciência, mesmo as falsidades e as ficções. […] O ceticismo de Marías, especulativo, inteligente, elegante, supõe uma teoria da ficção que é uma teoria da vida.
Pedro Mexia, Expresso

Opinião
Hoje terminei de ler esta obra e só posso classificá-la de MAGNÍFICA!!! É, no meu ponto de vista, mais uma prova contundente de que a literatura que se faz em terras de “nuestros hermanos” é de muito boa qualidade e recomenda-se!
Até há bem pouco tempo a literatura espanhola contemporânea que “passava pelas minhas mãos” resumia-se basicamente às fenomenais obras de uma das minhas autoras favoritas de todos os tempos – Almudena Grandes. Contudo, através das opiniões que vou trocando com as minhas queridas compinchas apreciadoras do “bichinho da leitura” – sobretudo Lucinda, Nancy, Orlanda, Ana Luísa J – e das visitas que faço aos sítios da Alfaguara espanhola e das Tusquets, fui descobrindo que há outros nomes sonantes que podem e devem fazer companhia à “minha” Almudena na estante cá de casa. É o caso de Javier Marías cuja obra felizmente está a ser traduzida para português!
Deparei-me com Os Enamoramentos numa frutífera ida à Fnac – que começam a ser raras, já que são poucas as vezes que um livro me atrai ao ponto de anotar o seu título no meu caderninho… Contudo, essa ida foi a exceção, porque recordo-me que apontei este de Marías e pelo menos dois mais (Numa mesma noite, de Leopoldo Brizuela e Conversa n’ A Catedral, de Mario Vargas Llosa). Recordo-me ainda que o que me prendeu a atenção foi o resumo que nos é apresentado na contracapa e que tem todos os elementos que sempre me levam a querer comprar mais um exemplar para encher as já repletas prateleiras da minha estante J
A consequente leitura só veio confirmar essa impressão inicial deixada pelo referido resumo. Enamorei-me pela história, pelas personagens femininas, pela escrita de Marías e não posso deixar de mencionar que me apaixonei de imediato pela frase que dá arranque à narrativa - “A última vez que vi Miguel Desvern ou Deverne foi também a última vez que a mulher, Luísa, o viu, que não deixa de ser esquisito e porventura injusto, visto que ela era isso mesmo, sua mulher, e eu, em contrapartida, era uma desconhecida e nunca tinha trocado uma palavra com ele.”
O mote estava assim lançado – a condução da narrativa a cargo da protagonista María Dolz, o entrecruzar diário da sua vida com o casal Deverne, que personifica uma relação de amor perfeita, e a morte inesperada e brutal de Miguel Deverne que despoletará uma cadeia de acontecimentos imprevisíveis nas vidas de várias personagens. E é aqui que tenho então que avisar futuros leitores desta fantástica obra (que espero que venham a ser muitos) que não se deixem cair no engodo que podem produzir tanto a correspondente capa como o título. Os Enamoramentos não nos oferece uma clássica história de amor, mas é, tal como nos diz o próprio autor, um romance com carácter sombrio, pessimista e que nos faz questionar acerca do que são capazes as pessoas de levar a cabo por amor, “un sentimiento casi universalmente considerado deseable y positivo, "mejorador", incluso salvífico y "redentor"…
A felicidade que envolve o casal Deverne e que é “espiada” todas as manhãs por María é barbaramente interrompida com o assassinato de Miguel, que acontece sem que haja uma explicação convincente para o mesmo. Quando María toma conhecimento disso, inicia uma “viagem” que mudará para sempre a sua vida (que até aí apenas via a monotonia que a caracterizava quebrada pelos momentos que “partilhava” com o casal Deverne no café que frequentavam todas as manhãs) e que fará com que se torne alguém que passa a frequentar a casa da viúva – Luísa Deverne – e sobretudo em alguém que se torna íntima do melhor amigo de Miguel Deverne.
Essas mudanças na vida da narradora serão portanto o ponto de partida para o desenrolar de um emaranhado (muito bem engenhado e desfiado numa prosa que nos agarra e nos envolve) de pensamentos, de recordações, de momentos de dúvida, de citações de livros clássicos J, de divagações acerca do impensável choque que se abate nas vidas daqueles que perdem os seus entes mais queridos e sobretudo (e essa é a grande mensagem que o autor nos quer fazer chegar) acerca de que, hoje em dia, a sensação de impunidade impera nas nossas sociedades – “la sensación de que la impunidad domina es inevitable en nuestras sociedades”. Quantas vezes somos “bombardeados” pelos meios de comunicação social com exemplos de casos em que ditadores seguem as suas vidas, com os bolsos recheados, sem pagar pelo que fizeram, políticos que abusam do poder, provocam crises ou guerras e são condecorados e convidados para outros cargos importantes ou então anónimos que cometem crimes horrendos em nome desse sentimento redentor e magnânimo que é o amor?
Por tudo isto, estou plenamente convencida de que Os Enamoramentos tem tudo para que fiquemos rendidos à sua narrativa e consequentemente ao seu autor! Eu fiquei, sem dúvida nenhuma, e, por isso, recomendo a leitura desta e de outras obras de Javier Marías!!!

Não poderia terminar esta opinião sem fazer referência ao facto de que não quereria a vida de María Dolz por nada, a não ser talvez a sua profissão – trabalha numa editora em Madrid J J

Anna Karénina, de Lev Tolstói

Quarta-feira, 03 de dezembro de 2014



Sinopse
«Embora seja uma das maiores histórias de amor da literatura mundial, Anna Karénina não é apenas um romance de aventura. Verdadeiramente interessado por temas morais, Tolstoi era um eterno preocupado com questões que são importantes para a humanidade em todas as épocas. Bom, há uma questão moral em Anna Karénina, embora não aquela que o leitor habitual possa crer que seja. Esta moral não é certamente o ter cometido adultério, Anna pagou por isso (num sentido vago pode dizer-se que é esta a moral do final de Madame Bovary). Não é isto, seguramente, por razões óbvias: se Anna ficasse com Karenin e escondesse do mundo o seu affair, não pagaria por isso primeiro com a felicidade e depois com a própria vida. Anna não foi castigada pelo seu pecado (podia muito bem ter-se safado deste) nem por violar as convenções da sociedade, muito temporais como aliás são todas as convenções e sem ter nada a ver com as eternas exigências da moralidade. Qual era então a «mensagem» moral que Tolstoi queria passar neste romance? Entendemo-la melhor se olharmos o resto do livro e compararmos a história de Lévin e Kiti com a de Vronski e Anna. O casamento de Lévin é baseado num conceito metafísico, não apenas físico, do amor, na boa vontade e no sacrifício, no respeito mútuo. A aliança Anna-Vronski é fundada apenas no amor carnal e é aqui que reside a sua ruína.»
Do Posfácio, de Vladimir Nabokov

Opinião
Há muito tempo que sentia o bichinho de aventurar-me na leitura dos clássicos russos, mais propriamente nas obras aclamadíssimas de Lev Tolstói, como Guerra e Paz e Anna Karénina. Mas também é verdade que essa vontade arrefecia um pouco sempre que pegava numa dessas obras e via o quanto custavam L
Contudo, no passado dia da mãe, os homens da minha vida resolveram esse pequeno problema ao presentearem-me com o pesadíssimo (e ainda caríssimo – mas com as prendas há que pôr de lado esses pormenores materiais…) volume da Relógio D’água de Anna Karénina! Só o comecei a ler no início de novembro por questões que já expliquei em publicações anteriores (leituras sempre por ordem cronológica de chegada à minha estante J) e demorei praticamente um mês a terminá-lo, não só porque é um volume com muitas páginas, com uma letrinha miúda, mas também porque o trabalho não permitiu que a leitura avançasse a um ritmo mais célere!...
É óbvio que já tinha muitas “luzes” acerca da trama desta obra, nem que fosse apenas pelas variadíssimas adaptações cinematográficas já feitas. Sabia que a narrativa se centrava nos amores escaldantes e impossíveis que revolucionam a vida de uma aristocrata casada com um homem que não ama. Mas esses conhecimentos “spoilers” não retiraram o prazer inerente a qualquer livro que passa pelas minhas mãos, nem que seja pelo facto de ter absoluta consciência de que um filme é sempre redutor quando comparado à obra à qual foi “roubar” o seu argumento. Sendo assim, inaugurei a minha “entrada” no mundo de Karénina com o costumado entusiasmo e digo, desde já, que esse entusiasmo nunca arrefeceu, apesar de ter sentido alguma resistência nas partes mais descritivas e que abordam temas que nunca me interessaram, como a agricultura ou a política.
Bom, tal como já disse e como se pode confirmar pela sinopse/comentário de Nabokov, a protagonista que dá título ao romance é-nos caracterizada no início da narrativa como sendo uma mulher extremamente bela, que faz qualquer homem e mulher segui-la com o olhar (por razões obviamente opostas) mal entra numa sala. Também ficamos a saber que está casada com um homem mais velho, a quem devota sentimentos de respeito e cordialidade e com quem tem um filho que adora. Vive uma existência pacata, que se rege pelas tradições e normas típicas de alguém que pertence à aristocracia – festas, jantares, visitas sociais a amigos ou a conhecidos, participações em eventos, etc. Será, contudo, num desses eventos que a vida de Anna experimentará um momento de viragem irreversível ao travar conhecimento com aquele que, até ao momento, era o prometido da cunhada mais nova do seu irmão. Desde que vê Anna entrar na festa, com um simples vestido preto, mas que realça de forma estonteante a sua beleza, Vronski fica enfeitiçado e tudo faz para que ela repare nele e compartilhe do seu entusiasmo. Segue os seus passos, “tropeça” nela e sente que a sua insistência começa a produzir frutos sempre que vê nos olhos de Anna uma centelha de alegria e prazer.
Como leitores, entendemos perfeitamente que Vronski e a atenção que lhe dedica não são indiferentes a Anna, mas como mulher ainda me apercebi melhor disso quando, após o regresso a San Petersburgo (feito na companhia da mãe de Vronski), a nossa protagonista repara, como se fosse a primeira vez, no quanto lhe são desagradáveis as orelhas grandes do marido… Para mim, esta é prova chave de que, para Anna, já não há retorno à sua vida de antes, àquela que vivia tranquilamente, antes da aparição de Vronski. Por muito que a sua consciência e moralidade lhe digam que esse sentimento que sente desenvolver por esse belo jovem está errado, Anna não lhe resiste e começará assim a viver uma existência dupla e adúltera. Primeiro fá-lo-á às escondidas de todos, mas posteriormente desafiará o mundo russo ao sair de casa, acompanhada do fruto do seu amor e pronta para enfrentar tudo e todos!
Contudo, este desafio sair-lhe-á muito caro, sobretudo porque, enquanto mulher adúltera, será ostracizada, quase todos lhe virarão costas e Anna nunca mais terá a vida que sonhou que poderia ter com Vronski. E o sofrimento é ainda mais doloroso por ter noção de que, ao escolher viver o seu amor, perderá para sempre Serioja, o seu filho querido, aquele que eternamente será o seu menino, aquele a quem devota uma adoração tal que a impede de sentir o mesmo pela filha que teve com Vronski.
         É em tudo o referido até agora que reside a mestria de Tolstói, a utilização de uma linguagem simples, objetiva, realista, pormenorizada, para comunicar com o leitor, para dar-lhe a conhecer toda a história trágica de Karénina, o quanto ela sofreu (talvez, segundo depreendemos pela voz do autor, por culpa própria…), mas também o quanto fez sofrer o seu marido, Vronski e sobretudo o seu filho Serioja. Aliás, tomamos verdadeiramente conhecimento desse sofrimento numa pequena passagem da obra, mas que me enterneceu e tocou muito, pois Tolstói, em poucas páginas, põe em cena um Serioja mais crescido, mas que continua a sonhar com a mãe, a vê-la em todas as mulheres de cabelo negro que passam na rua e a ansiar pelo seu toque, pelos seus mimos, pelos seus beijos…
         Esta minha opinião (que já vai um pouco longa J) não ficaria completa se não fizesse referência a outros aspetos não menos importantes – a inevitável comparação dos amores de Anna e Vronski com os de Lévin e Kiti, a evidente identificação de Tolstói com a personagem de Lévin e a permanente sensação que experimentei em toda a leitura e que me fez recordar o realismo de Eça e associar Anna Karénina a Os Maias. Começando pelas duas intrigas amorosas paralelas, acho que é fácil de adivinhar (com a ajuda da sinopse) que o que, à partida, indicava que a relação adúltera de Anna iria acabar de modo trágico, indicava igualmente que os amores de Lévin e Kiti teriam o merecido final feliz. Já no que diz respeito à identificação do autor com a personagem de Lévin, posso dizer que não precisaria de ler o posfácio de Nabokov para compreendê-la! Lévin é-nos descrito, desde o início, como um homem de princípios, que se rege pela sua consciência e não para satisfazer os seus impulsos e que “sabe que é seu dever assimilar o mundo à sua volta de forma inteligente e trabalhar para ocupar nele o seu lugar”. Na última parte da obra, encontramos mais uma prova dessa identificação autor-personagem, já que Lévin (que sempre questionou a fé) sente crescer no seu íntimo (tal como Tolstói na altura sentia) a importância da religião vista como a ferramenta para acreditar e espalhar o Bem. Por fim, foi impossível não fazer associações entre o autor russo e o nosso mestre do Realismo, pois, para além das descrições pormenorizadas da vida política e económica do país (algumas chatinhas, mas que me mostraram um pouco como era a Rússia dos finais do século XIX), faz-nos um retrato fidedigno de todas as personagens, que nos expõe o seu carácter, com defeitos, qualidades, opiniões, sentimentos e aquela perceção de que o que vem de fora é que é bom, é mais avançado, mais moderno, enfim, melhor do que é nosso, tradicional, genuíno…
         Concluindo, Anna Karénina proporcionou-me (nos quase 30 dias que esteve nas minhas mãos) uma leitura muito agradável e cumpriu o seu principal objetivo – fazer-me entrar no mundo dos clássicos russos e conhecer a fundo uma das maiores histórias de amor da literatura mundial.

         Agora num tom mais cómico/irónico, não posso deixar de partilhar esta imagem, que apesar de estar em espanhol, espelha na perfeição o meu dilema face ao preço exorbitante de alguns livros como o de Anna Karénina: