A breve e assombrosa vida de Oscar Wao, de Junot Díaz


Ficha técnica
TítuloA breve e assombrosa vida de Oscar Wao
Autor – Junot Díaz
Editora – Porto Editora
Páginas – 296
Datas de leitura – de 13 a 21 de março de 2017


Opinião
Esta coisa dos blogues adoça realmente os meus dias! Não só partilho com gente conhecida e anónima algo que faço com deleite, como vou cuscando blogues de outros leitores compulsivos como eu. Resultado – além da compulsividade elevada a bem mais do que ao quadrado, tenho o privilégio de travar conhecimento (maioritariamente através de comentários e mensagens) com alguns desses leitores e leitoras que não conseguem passar os seus dias sem embrenhar-se num livro.
Não é novidade, acima de tudo para os mais atentos e fieis ao blogue, que sigo com muita assiduidade os blogues da Márcia (Planeta Márcia) e da Isaura (Jardim de Mil Histórias). Há uns meses atrás decidimos arriscar numa leitura conjunta – ler o mesmo livro ao mesmo tempo. Por sugestão da Márcia, que havia acabado de ficar encantada com a leitura de uns contos de Junot Díaz, escolhemos fazê-lo com outra obra do autor dominicano – A breve e assombrosa vida de Oscar Wao.
Parti cheiinha de expectativas para este desafio. Senti-me como me sinto quando viajo e sei que vou alargar os meus horizontes. Senti-me a ganhar asas, pois estava a iniciar um projeto que, tivesse o resultado que tivesse, me encheria, seria o prenúncio de algo que quero muito que se repita. Saber que do lado de lá estariam duas pessoas que entenderiam na perfeição o quanto é “preenchedor” o ato de ler, de viajar dentro das mesmas centenas de páginas – pouquíssimas coisas se lhe podem comparar.
A breve e assombrosa vida de Oscar Wao é uma leitura impactante. Desde o seu início. Ninguém consegue, em primeiro lugar, ficar indiferente à sua linguagem oralizante, repleta de expressões vernáculas (muitas em espanhol, mas que para mim não são nada difíceis de entender) e que nos transportam para a região do Caribe, mesmo que os protagonistas vivam em Nova Iorque. Estamos constantemente a ser “atacados” por descrições cruas e satíricas e nas primeiras 52 páginas mais não fazemos do que sentir uma mistura de sentimentos que vão rapidamente da repulsa à compaixão, da simpatia à vontade de dar vazão às risadas que se acumulam na garganta. Tudo por causa do pobre Oscar, um jovem dominicano, “nerd”, “geek”, balofo, cada vez mais gordo e que não consegue de maneira nenhuma engatar uma miúda, nem sentir o seu corpo juntinho ao de uma menina. Pobrecito… Nunca se verá nem os outros o verão como um verdadeiro macho dominicano pois “O., é contra as leis da Natureza que um dominicano morra sem foder [os mais sensíveis que me perdoem, mas estou a transcrever uma citação] pelo menos uma vez.” (pág. 157)
Em segundo lugar, esta obra abre-nos a porta para uma realidade que assolou muitos dos países latino-americanos – ditaduras sangrentas e paralisantes. Na República Dominicana reinou durante anos sem fim Rafael Leónidas Trujillo Molina, uma besta como o foram outras bestas como Chávez ou ainda o é o seu doido descendente Maduro. Uma besta que aterrorizou o seu povo e que eliminou sem um pingo de remorso todos aqueles que se atreveram a murmurar algo que ele considerava ser contra si. “Era como estar no fundo de um oceano, afirmava. Não havia luz nenhuma e um oceano inteiro esmagava-vos. Mas muitas pessoas tinham-se habituado de tal modo a isso que o achavam normal, esqueciam-se que existia um mundo por cima delas.” (pág. 78) “… difícil seria exagerar o poder que o Trujillo exerceu sobre o povo dominicano e a sombra do medo que lançou sobre toda a região.” (pág. 200)
Os dominicanos, a sua religiosidade em completa simbiose com o lado pagão, carregadinho de superstições, o lado gingão dos seus homens, dos seus machos que cheiram as fêmeas à distância, os ares quentes do Caribe, tudo isto me convence cada vez mais de que a mistura explosiva de sangues europeus, latinos, africanos, indígenas resulta em comportamentos, atitudes e sentimentos levados ao extremo, à exacerbação. Gritos, cenas de pancadaria, violência gratuita, sensualidade à flor da pele e terrores que advêm de uma crença absoluta no sobrenatural – são exemplos que abundam nesta obra e que retratam o que há de mais genuíno num típico latino-americano, na sua forma de amar, estar, na sua forma de viver a vida. “Em Santo Domingo, uma história não é uma história a não ser que liberte uma sombra do sobrenatural.” (pág. 218)
Um bom livro (e este é um muito bom livro) está, além de tudo o que já mencionei, composto por personagens que se mantêm na nossa memória por mais do que o tempo que levamos a ler as suas peripécias. Oscar Wao (como os dominicanos dizem “Oscar Wilde”) provoca, como já disse, reações adversas no leitor e nos que o rodeiam. Não é fácil criar empatia com este jovem gorducho (apelidei-o de quase tudo – probrecito, desgraçado, triste…) mas o seu final, para o qual aponta o título da narrativa, é em grande e apoteótico e deixa-nos com um sorriso de triunfo nos lábios.
Em contraste com Oscar e com o seu futuro cunhado, dois homens fracos, débeis e volúveis, deparámo-nos com a sua irmã Lola (de longe a minha personagem favorita) e a sua mãe. Duas mulheres “con cojones” (perdoem-me de novo os mais sensíveis), fortes, determinadas e que, por muito que as suas vidas tenham sido madrastas, não abandonam a luta, nem que para isso se vejam obrigadas a fechar o coração ao carinho, ao amor, ao seu lado doce e quente. “É assim a vida. Toda a felicidade que juntamos para nós mesmos será varrida como se nada fosse. Se querem saber, não acredito que haja tais coisas como maldições. Acho que o que há é apenas vida. E isso basta.” (pág. 183)
Resumindo, esta experiência foi deliciosa – pela partilha de opiniões, fragmentos e outros apontamentos com a Márcia e a Isaura – e culminou com a cereja no topo do bolo, com a leitura de uma obra que nos conquistou a todas. Não lhe reservo a nota máxima apenas porque demorou um pouquinho a entranhar, ou seja, senti que as páginas iniciais e a coitadice de Oscar se estendeu mais do que devia. Mas, aparte disso, tudo o resto roça a perfeição e é impossível não nos extasiarmos com a linguagem, o ambiente, o presente e o passado da República Dominicana, o carácter dos seus habitantes e a Lola, que por si só merecia o protagonismo de uma obra.
Recomendadíssimo!

Deixo aqui o link para poderem aceder à opinião da Márcia e da Isaura – cliquem no nome de cada uma (para já ainda não está disponível a da Isaura)

NOTA – 09/10

Sinopse
Oscar Wao é enorme. E dominicano.
Gozado pelos colegas e isolado do mundo, sonha com raparigas e aventuras extraordinárias, sente vergonha por não estar à altura da reputação viril dos machos dominicanos, mas não consegue mais do que uma vida de desilusões.
Para Oscar, o drama é um fado demasiado familiar. A sua breve e assombrosa vida está marcada a ferro e fogo por uma maldição ancestral, o fukú, que, nascido em Santo Domingo, é transmitido de geração em geração, como uma semente ruim.
Alimentada pela sorte dos seus antepassados, quebrados pela tortura, pela prisão, pelo exílio e pelo amor impossível, a história de Oscar escreve-se fulgurante e catastrófica, e integra a grande História, a da ditadura de Trujillo, a da diáspora dominicana nos Estados Unidos e a das promessas incumpridas do Sonho Americano.

O coração e a garrafa, de Oliver Jeffers


Ficha técnica
TítuloO coração e a garrafa
Autor – Oliver Jeffers
Editora – Orpheu negro
Páginas – 34
Datas de leitura – 17 de março de 2017


Opinião
É tãaaao saboroso intercalar leituras adultas com leituras infantis! Tiro o chapéu aos inúmeros autores que se dedicam a escrever para os mais pequenotes, porque não considero fácil condensar em poucas palavras uma história apelativa, que prenda os leitores mais jovens e os faça agarrar o livrinho, espreitar as imagens, relacioná-las com o texto e consciente ou inconscientemente compreender que o que leram ou ouvirem alguém ler os levará a crescer.
Em O coração e a garrafa deparámo-nos com um dos maiores medos dos mais pequenos – a perda de alguém que os protege, que os defende e que os guia no conhecido e no desconhecido. Em pouquíssimas páginas, sentimos o nosso coração encolher perante a perda e a reação da menina protagonista face à mesma. A perda traz dor, rouba a redoma que qualquer criança constrói para si e para os seus e para que não se repita, para que não se sinta retraída de dor e completamente desamparada, é preferível arrancar o mal pela raiz – arrancar o coração e guardá-lo numa garrafa.
Contudo, sem coração não há dor, não há sofrimento, mas também não há alegria, prazer, carinho, amor. E isso até os mais pequenotes acabam por descobrir, mais cedo ou mais tarde.
Foi outra ternurinha dorida, outra leitura que me fará continuar em busca de outras histórias infantis que, com um número reduzido de letras e palavras, conseguem o que muitas leituras adultas não conseguem – tocarem-me, aquecerem-me, agasalharem-me como um abraço e um mimo das pessoas que mais amo.
É obviamente uma leitura recomendada! Muito recomendada!

NOTA – 09/10

Sinopse
O Coração e a Garrafa fala-nos de uma menina fascinada com o mundo à sua volta. Até que um dia algo aconteceu que a fez pegar no seu coração e guardá-lo num sítio seguro. Pelo menos durante algum tempo… Só que, a partir daí, nada parecia fazer sentido. Saberia ela quando e como recuperar o seu coração?
Com esta história comovente, Oliver Jeffers explora os temas difíceis do amor e da perda, devolvendo-nos, de maneira notável, um sopro de alento e de vida.

Uma praça em Antuérpia, de Luize Valente


Ficha técnica
TítuloUma praça em Antuérpia
Autora – Luize Valente
Editora – Saída de Emergência
Páginas – 352
Datas de leitura – de 07 a 13 de março de 2017


Opinião
De volta à Segunda Grande Guerra.
Comprámos este livro na Feira do Livro do ano passado (sim, já estou nas leituras de setembro J). Recomendei-o ao maridinho, sugeri-lhe que lesse a sua sinopse e mais não foi preciso. Uma praça em Antuérpia foi a sua “compra individual” (tínhamos “direito” a comprar um livro para cada um e outro que agradasse a ambos).
Nenhuma leitura que seja sobre este conflito que me fascina é um desperdício de tempo. Nenhuma. Porque todas me alimentam o fascínio, todas me fazem saber um pouco mais e todas me transportam para uma época que infelizmente me obriga a compreender melhor o que se vai passando mais de setenta anos depois. Esta de Luize Valente tão-pouco foi uma perda de tempo, pois não só me alimentou o referido fascínio, me alargou os conhecimentos sobre a referida contenda, como também me proporcionou regressar a Antuérpia após lá ter estado há 6 anos.
Foi assim uma leitura perfumada com um cheirinho muito pessoal, de nostalgia e de recordações soberbas de umas férias por terras belgas.
Quem consulta a sinopse de Uma praça em Antuérpia fica a par da trama da obra e das suas protagonistas, cujas vidas serão viradas do avesso com o estalar da guerra e sobretudo com a chegada do exército nazi a terras belgas. Clarice e Olívia são duas irmãs gémeas portuguesas detentoras de um carácter doce mas determinado e com as quais facilmente criamos empatia. São obviamente as personagens principais da obra, embora os percalços da vida de uma ganhem primazia face à existência mais pacata da outra. É uma delas que por causa de um grande amor saltita entre duas cidades portuguesas e passará os momentos mais felizes da sua vida na florescente cidade de Antuérpia. É também as recordações dessa gémea que unem pontos desfeitos e criam ligações entre os anos 30 e 40 e os primeiros dias do novo milénio.
A narrativa está assim dividida entre o passado e o presente e à medida que vamos avançando na sua leitura vamos compreendendo que a obra está repartida num prólogo e em mais cinco partes. Somos detentores, desde as páginas iniciais, da revelação de um dos fatores principais (senão do principal) para o desenrolar da trama e todas as suas restantes páginas são um buscar do porquê, do como, do quando e do onde. Não considero que a opção da autora em fazer essa revelação tão prematuramente faça decrescer o interesse do leitor pelo que se passará nos seguintes capítulos. Acho sim que Uma praça em Antuérpia nos proporciona uma leitura deveras interessante, com personagens atrativas e um enredo aliciante. Só creio que o final peca por parecer pouco credível e rebuscado, o que sempre me faz torcer o nariz e consequentemente baixar a pontuação final.
Já referi nesta opinião que a leitura desta obra foi muito aprazível não só pelo seu conteúdo, mas igualmente porque trouxe ao de cima recordações de dias recheados de sabor. Uma das protagonistas chega a Antuérpia de comboio e deslumbra-se com a majestosidade da estação da cidade. Também eu, há seis anos atrás, segui os passos de Clarice e fiquei longos minutos a admirar a beleza de Antwerpen Ceentral, a compará-la a uma catedral. A mesma personagem viveu momentos inesquecíveis em Grote Markt, a praça principal da cidade. Também eu percorri com os olhos todos os seus cantinhos, contemplei os seus edifícios, as estátuas que encimam alguns deles, a fachada repleta de bandeiras da sua câmara e os pormenores da estátua central cuja lenda nos informa da origem do nome da cidade. Estive apenas um dia em Antuérpia, mas não mais esquecerei a sumptuosidade da sua arquitetura e o facto de o meu filhote ter compartilhado breves momentos de brincadeira com um menino judeu, num jardim polvilhado de família judias, com as suas vestes e penteados tradicionais.
Deixo-vos por fim algumas fotos que comprovam a minha passagem por Antuérpia e que vos podem abrir o apetite não só para visitar a cidade como também para ler o quanto a mesma foi determinante para moldar Clarice enquanto mulher de um carácter doce e determinado.


Interior da Estação de Antuérpia


Exterior da Estação


Grote Markt



Grote Markt


NOTA - 08/10 

Sinopse

Há uma saga que ainda não foi contada sobre a Segunda Guerra Mundial: a história de duas irmãs portuguesas, Olívia e Clarice. Olívia casa-se com um português e vai para o Brasil. Clarice casa-se com um alemão judeu e vai morar em Antuérpia, na Bélgica. Ambas vivem felizes, com maridos e filhos, até que a guerra começa e a Bélgica é invadida.
Para escapar da sombra nazi que vai devorando a Europa, a família de Clarice conta com a ajuda de Aristides de Sousa Mendes, o cônsul que salvou milhares de vidas emitindo vistos para Portugal, em 1940, enquanto atuou em Bordéus, França. A família recebe o visto mas, ao chegar à fronteira de Portugal, um destino trágico a espera... Destino que vai mudar e marcar a vida das irmãs para sempre, por causa de um segredo que só será revelado sessenta anos depois.

Esplendor, de Margaret Mazzantini


Ficha técnica
TítuloEsplendor
Autora – Margareta Mazzantini
Editora – Editorial Planeta
Páginas – 384
Datas de leitura – de 24 de fevereiro a 07 de março de 2017

Opinião
Não é fácil escrever sobre Margaret Mazzantini. Não é fácil escrever sobre o impacto que as suas obras, o seu estilo, as suas histórias, as suas personagens têm em mim desde que a descobri há mais de sete anos, com a obra Não te movas (ver opinião aqui). E não é nada, mas nada fácil transmitir aos outros o quanto esse impacto é abalroador e o quão injusto que esta autora italiana seja desconhecida para tantos e tantos e o quanto esses tantos e tantos perdem por nunca terem lido nada do que ela já escreveu.
Margaret Mazzantini é, como se pode claramente deduzir, uma das autoras da minha vida. Ocupa por mérito próprio, ao lado de José Saramago e de Almudena Grandes, um lugar no selecto grupo de escritores que me definem como leitora, que alicerçaram e refinaram os meus gostos literários e que me fazem continuar a crer que, depois de carradas de anos e devorar livro atrás de livro, há quem possua “engenho e arte” para surpreender-me, para agarrar-me, para descabelar-me e para esmurrar-me as emoções.
Até hoje li cinco obras de Mazzantini. Além da referida Não te movas, está igualmente traduzida para português aquela que considero a sua obra maestra, aquela que felizmente ou não, tenha estabelecido a fasquia demasiado alto e tenha feito com que sinta que sou demasiado exigente quando leio qualquer outra obra sua. Vir ao mundo é, sem dúvida alguma, uma das obras da minha vida e é tão, mas tão perfeita que se torna praticamente impossível nivelá-la com as demais, mesmo as que tenham saído da genialidade da sua criadora. É por isso que sinto que posso ter sido parcial ou ter atribuído apenas nove em dez valores a obras como Nadie se salva solo ou Mar de mañana
Sendo assim, começo a opinião de Esplendor remediando essa “injustiça e parcialidade”. Estive indecisa até agora sobre que nota atribuir à sua leitura. Mas acabou-se neste momento a indecisão. A sua narrativa, as suas personagens e consequente amadurecimento, a explosão visceral de sentimentos e emoções, a banda sonora que os acompanha, tudo é merecedor de nota máxima. Sim, é verdade que não estamos a falar da mesma perfeição que saboreamos em Vir ao mundo, mas na próxima vez que ler esta obra (a releitura terá que ser feita obrigatoriamente este ano – os níveis de ansiedade por mergulhar de novo na sua história assim o exigem) terei que remendá-lo, atribuindo-lhe um onze numa escala cuja nota máxima é, como sabem, um dez!
Esplendor traz-nos algo que já não via desde Não te movas. Um protagonista e narrador masculinos. Mas nada que “manche” aquilo que é apologia desta sublime autora – uma narrativa prenhe de emoções, de sentimentos, de vida, de dores, de tristezas, de sonhos concretizados e desfeitos, de ninharias e de acontecimentos marcantes, de vida, de vidas que poderiam ser perfeitamente as nossas.
Guido e Constantino conhecem-se desde crianças. Um vive no quarto andar do prédio, o outro vive na cave. Um é filho único de um casal de burgueses endinheirados, o outro é filho do porteiro que, além das funções inerentes à sua função, trata da casa dos pais de Guido quando estes se ausentam de férias. Não têm praticamente quase contacto nenhum, mas sabem da existência um do outro. À medida que crescem, vão-se aproximando, sobretudo porque acabam por pertencer à mesma turma e por partilhar uma viagem de estudo que os vai marcar para sempre.
Estamos nos anos setenta. Estamos perante dois mundos distintos. Estamos perante dois produtos desses mundos.
Guido tem uma adoração doentia pela mãe, de quem venera a beleza, mas a quem quase não vê, com quem não partilha carícias, mimos, amor. Mal dirige a palavra ao pai e vai colmatando essa ausência dividindo o tempo livre e os conhecimentos com um excêntrico tio materno. É assim uma criança e futuramente um jovem isolado, sofrido e atormentado com os seus pensamentos e demónios pessoais.
Constantino é uma personagem que, à partida, se nos afigura como mais plana. Vive com os pais e a irmã, vai guardando como relíquias os brinquedos que Guido vai deitando fora e mostra, perante os outros, uma estudada indiferença que apenas se esvai quando pratica polo aquático e sente que a relação entre ele e Guido se vai tornando mais próxima.
Dois rapazes distintos, de mundos distintos, mas que se aproximam, se apaixonam e iniciam uma relação. Homossexualidade, Itália dos anos setenta e anos oitenta, mentalidades não preparadas para lidar com um amor condenado por tudo e por todos, olhares acusadores, desconfiança, busca de privacidade, medos, preconceitos, segredos, comportamentos ditados pelo disfarce. Tudo isto era matéria mais do que suficiente para criar um cativante romance. Mas Esplendor possui isto e muito mais. Porque não posso dizer que seja um romance que aborda apenas a homossexualidade e o preconceito inerente a esse tipo de amor. E é aí que reside a genialidade de Mazzantini.
Esplendor é, como é afirmado na sinopse, um relato hipnotizante que se serve da vida destes dois homens, principalmente da de Guido para não só sentirmos como o mundo e a vida avançaram desde os anos setenta até aos dias de hoje, como para, acima de tudo, compreendermos que qualquer amor transborda de beleza, como qualquer pessoa enamorada quer estar ao lado da pessoa que ama, quer dar-lhe a mão, quer olhá-la nos olhos e ver no olhar do outro o reflexo do profundo sentimento que os une, quer sentir que esse sentimento lhe providencia a audácia e a vertigem para prosseguir e ser feliz.
Sinto-me, após o que escrevi, esvaída. E feliz. Sempre me sinto assim quando leio, falo ou escrevo sobre Mazzantini. Não sei, mais uma vez, se consegui fazer-lhe justiça, se consegui que mais leitores queiram conhecer esta autora italiana. Se tiver que implorar, faço-o, porque a causa é mais do que boa. É sublime!
Recomendadíssima esta obra. Tal como qualquer outra desta autora que infelizmente deixou de ser traduzida em Portugal… Não deixem que a língua seja um entrave. Em português têm publicadas as obras Não te movas e Vir ao mundo. As restantes estão disponíveis em inglês e em espanhol.
Quanto a Esplendor… nota máxima! Merecidíssima!
Termino partilhando outra das marcas da sublimidade desta obra – a sua banda sonora:

Nota – 10/10

Sinopse

Una luminosa historia de amor entre dos hombres se abre paso en una sociedad marcada por el prejuicio. ¿Llegará el día en el que tengamos el coraje de ser nosotros mismos? Ésta es la pregunta que se plantean los dos inolvidables protagonistas de esta novela. Dos niños, dos hombres, dos increíbles destinos. Uno es intrépido e inquieto; el otro, sufrido y atormentado. Una identidad hecha pedazos que es necesario recomponer. Una conexión absoluta que se impone, la hoja de un cuchillo en el filo del precipicio de toda una existencia. Guido y Constantino se alejan, kilómetros de distancia los separan, establecen nuevas relaciones, pero la necesidad del otro se resiste en aquel primitivo abandono que los lleva a ellos mismos al lugar en el que descubrieron el amor. Un lugar frágil y viril, trágico como la negación, ambicioso como el deseo.

Le petit bateau de petit ours / J'ai peur de savoir lire




Ficha técnica
TítuloLe petit bateau de petir ours
Autoras – Eve Bunting e Nancy Carpenter
Editora – Pastel
Páginas – 40
Data de leitura – 20 de fevereiro de 2017





Ficha técnica
TítuloJ’ai peur de savoir lire
Autor – Olivier de Solminihac
Editora – L’école des Loisirs
Páginas – 72
Data de leitura – 04 de março de 2017

Opinião
Sempre que me junto à mesa com alguém que tem conhecimento do meu lado de leitora assumidamente compulsiva, é normal que o tema de conversa recaia em leituras, partilhas de dicas e de experiências.
Há umas semanas atrás, enquanto saboreávamos um almocinho de trabalho e falávamos sobre as leituras que partilhamos com os respetivos filhotes, uma colega contou-me que todas as noites lia para os dois filhos, que eles reclamavam se ela não o fizesse. É óbvio que de imediato lhe respondi com um sorriso e um brilho nos olhos e, perante essa reação, a colega disponibilizou-se em emprestar-me dois desses livrinhos que foi lendo para os filhos e que lhe haviam tocado de forma especial.
Uns dias depois tinha esses livrinhos cá em casa e não deixei que o facto de estarem escritos em francês (uiiiii, onde andava o meu francês, há tanto tempo arrumadinho nas gavetas da memória…) me travasse a vontade de saboreá-los.

Comecei pelo mais pequenino, pelo que tinha menos páginas e menos texto. Senti-me orgulhosa de mim mesma porque entendi tudo o que li – a tarefa também não era muito complicada, já que as ideias repetiam-se, como é habitual num livro infantil, adequado a idades precoces. Mas, para além do orgulho, senti principalmente ternura, carinho e uma vontade enorme de encher de mimos um ursinho (que bem podia ser um menino pequenino) que sofre as “agruras” do crescimento e tem que deixar para trás o brinquedo que mais amava:
"Le destin d'un petit ours est de grandir et de devenir un grand ours. Le destin d'un petit bateau est de rester un petit bateau."

Uns dias mais tarde aventurei-me no segundo livro, aquele que tem como protagonista um rapazinho que está a ter alguns problemas com o seu rendimento escolar. Para tentar remediar a situação, a sua mãe tenta convencê-lo de que ler é saber mais, de que um livro, de que uma história contada num livro pode não só proporcionar uma companhia deliciosa como pode igualmente alargar os nossos conhecimentos de ortografia, de vocabulário e de outras matérias. Ora, como mãe e como mãe leitora e apologista de leituras partilhadas com os filhos identifiquei-me por completo com a progenitora do protagonista, com as estratégias que ela usa para que Stéphane ganhe o gostinho pela leitura e para que posteriormente seja capaz de embarcar na descoberta de qualquer história sozinho.
Senti desta vez mais dificuldades em desbravar o texto em francês, mas o essencial ficou. A história é deveras sublime, contadinha como só o sabem contar autores que escrevem para os mais pequenos e que têm o dom de, em poucas palavras, transmitirem os mais sábios ensinamentos. É por isso que continuarei a saborear com todo o deleite qualquer obra infantil que me caia nas mãos.
Deixo-vos alguns fragmentos que me tocaram:
Elle dit: Comment on fait, maintenant? On li un chapitre chacun? Un paragraphe chacun? Ou une phrase?” (Como isto me soa familiar J)
Maman dit que la lecture c’est une question d’endurance, comme faire de la natation ou du vélo ou du dessin: plus on en fait et plus c’est facile d’en faire.”
Grandir, c’est apprendre a devenir seul.” (Mais uma vez, as agruras do crescimento…)
Le livre a commencé à me captiver. Je suis prisionnier(…)”
Le livre et moi, on a ce secret ensemble.”

Resta-me agradecer (e muito) à Susana e sobretudo aos seus filhotes:
Merci, João! Merci, Rafael!

NOTA – 10/10

Sinopse
(J’ai peur de savoir lire)
Le CE2, c est sérieux. Il y a ceux qui sont forts en calcul, comme Sofia, qui a avalé une calculatrice quand elle était petite. Il y a ceux qui sont forts en tout, comme Georges-Louis, qui va bientôt donner des cours à la maîtresse.
Et il y a Stéphane, qui a envie d avoir de bonnes notes, qui est d’accord pour bien faire ses devoirs, pour devenir fort en calcul, pour apprendre la signification de mots aussi compliqués que cobalt et tungstène, et pour lire tous les livres qui sont sur son étagère. D’accord pour tout cela, oui, mais pas sans sa maman.

Balanço mensal - livros lidos e adquiridos/oferecidos em fevereiro


O tempo corre curto para leituras e acima de tudo para escrever sobre leituras. No mês mais curto do ano li seis obras no total, umas compridinhas e outras bem curtinhas. Voltei a intervalar obras adultas com obras infantis e obras provenientes da minha estante com obras que vêm da biblioteca passar uns dias cá em casa.
Ainda não foi este mês que tive nas mãos uma narrativa que me arrebatasse. Li obras que me deixaram bem quentinha, que me agasalharam e deixaram um travo de saciedade, mas nenhuma delas merecedoras de nota máxima. Consequências de uma exigência cada vez maior e que castra intenções e expectativas…
Abri fevereiro lendo em espanhol e regressando aos ambientes bélicos que tanto me apaixonam. Cartas a Palacio parte da neutralidade de Espanha face ao conflito dos anos de 1914-1918 e de um gabinete de ajuda a combatentes/refugiados e seus familiares que o rei D. Afonso XIII criou após ter recebido uma carta de uma menina francesa a pedir-lhe auxílio para saber o que havia acontecido ao seu irmão, desaparecido em combate. A este contexto histórico, o autor acrescenta um punhado de personagens fictícias que traz cor e vivacidade a uma narrativa interessante e que cativa.
Seguindo as recomendações de familiares e colegas de trabalho, entrei em grande no mundo das letras de mais um belíssimo autor português – J. Rentes de Carvalho. Em Ernestina, a sua obra mais autobiográfica, senti que o autor me pegou pela mão e me guiou numa viagem de volta à infância e à adolescência de gentes do norte, de gentes simples, de gentes com pouca escolaridade, de modos bruscos, de mimos rudes, mas que moldam a vida dos seus descendentes de modo indelével.
A terceira obra (e que viajou da biblioteca municipal cá para casa na companhia de Ernestina) foi mais uma estreia. Já havia lido alguns artigos e citações de Rosa Montero, mas nunca tinha pegado em nenhuma obra sua. Fi-lo então com a coletânea de contos – Amantes e Inimigos – e saboreei com tanto prazer alguns deles que tenho futuramente de ler mais coisas escritas por esta autora.
A última obra “adulta” lida em fevereiro também veio da biblioteca e foi outra estreia. Trouxe-a baseando-me num impulso e não posso dizer que esteja arrependida de ter seguido esse impulso, pois Segredos do Passado possui uma intriga suculenta, com uma teia familiar que nos enreda e que nos faz querer não sair da mesma enquanto não satisfizermos toda a nossa gula. É certo que a história protagonizada por Claire e Roanie não me saciou completamente, não atingiu os patamares alcançados, por exemplo, por obras de Kate Morton ou de Barbara e Stephanie Keating, mas abriu portas do universo de uma autora que ainda não conhecia e que pretendo continuar a conhecer.
Este mês continuei a intercalar ficção adulta com ficção infantil. Prossegui na leitura das peripécias futebolísticas de Rodrigo e Rafael, os heróis da coleção que partilho com o filhote e aventurei-me, lendo em francês uma historiazinha deliciosa de um ursinho e do seu barquito. Foi uma leitura ternurenta e ao mesmo tempo desafiante porque deixei de contactar com a língua francesa há mais de vinte anos e não sabia como a experiência iria correr. Contudo, admito que entendi tudinho talvez porque Le petit bateau de petit ours tem muito pouquinho texto, muitas ideias que se vão repetindo e apenas 40 páginas, nas quais a ilustração é rainha e senhora.
No que diz respeito aos últimos inquilinos da estante e que apenas moram nela há poucos dias, há que referir que são bem menos do que aqueles que a habitam desde janeiro. Também não seria de esperar outra coisa, tendo em conta o número quase astronómico dos livros recebidos e adquiridos no primeiro mês do ano. Sendo assim e aproveitando, por um lado, uma data festiva comum aos dois adultos da casa e por outro, dicas preciosíssimas que tenho encontrado no Goodreads, adquirimos dois livrinhos, pequenos em tamanho, mas que prometem viagens muito apetitosas – O Retorno, de Dulce Maria Cardoso, ao período conturbado do pós-25 de abril e das consequentes independências das colónias portuguesas em África e O rapaz do caixote de madeira, de Leon Leyson ao conflito que mais nos empolga, ou seja, aos tenebrosos anos da Segunda Grande Guerra. Por fim, caiu na estante uma última “vítima”, resquício do aniversário que celebrei em janeiro. O pecado de Porto Negro, de Norberto Morais fazia parte da minha wishlist, foi finalista do prémio Leya e promete uma narrativa fogosa, estimulante, com histórias dentro da história e que de certeza vai exigir de mim, tal como eu tanto gosto.
Balanço feito. Com vários dias de atraso, mas feito. Espero que o vosso mês tenha sido farto, que partilhem comigo essa fartura (farta ou não) e que março, que já caminha determinado em direção a dias mais luminosos e mais quentes, seja abençoado com leituras saborosas, inesquecíveis.
Deixo-vos, como é habitual, os links para acederem à opinião completa das obras lidas este mês:
§  Cartas a Palacio, de Jorge Díaz
§  Ernestina, de J. Rentes de Carvalho
§  Amantes e Inimigos, de Rosa Montero
§  Segredos do Passado, de Deborah Smith
§  Manobra Tática, de Gerard van Gemert
§  Le petit bateau de petit ours, de Eva Bunting

Manobra Tática, de Gerard van Gemert


Ficha técnica
TítuloManobra Tática
Autor – Gerard van Gemert
ColeçãoOs Heróis do futebol – volume III
Editora – Editora Nacional
Páginas – 160
Datas de leitura – de 24 a 27 de fevereiro de 2017 / Filhote – de 26 de dezembro de 2016 a 20 de janeiro de 2017


Opinião
Finalmente consegui (neste mês de fevereiro que tem sido de muito trabalho…) um tempinho para enfiar entre leituras “dos grandes” a leitura do volume III desta coleção que tanto agrada ao filhote.
Como já referi na opinião respeitante aos volumes anteriores, não é possível ler com o D. – ao mesmo tempo, página a página – as aventuras futebolísticas de Rodrigo e Rafael. Mas isso não impede que seja uma leitura partilhada porque, sempre que me vê com “os seus livrinhos” na mão, o D. vai perguntando se estou a gostar, em que parte vou, etc.
Já abordei estas leituras partilhadas com outras mães e todas somos unânimes em afirmar que são momentos preciosos de cumplicidade e amor. São igualmente uma “manobra tática” para que o gosto pela leitura se cimente nos mais novos e consiga marcar pontos na luta “desigual” que diariamente se combate (em todas as casas) contra as tecnologias. Há assim que procurar, na infinita oferta de literatura infantil e juvenil, obras que se debrucem sobre aquilo que despoleta um brilho especial no olhar dos nossos filhotes. No caso do meu é o futebol e, como tal, a estante do D. continuará a engordar com mais números desta coleção e de outras.
Neste terceiro volume de Os heróis do futebol, a estratégia mantém-se: a narrativa retoma os acontecimentos que encerraram o volume dois. Rodrigo e Rafael foram selecionados para participar nos treinos que decidirão quem fará parte dos escolhidos para defenderem as cores nacionais no Campeonato Europeu de Juvenis. O futebol e a linguagem deste desporto-rei são, como é óbvio, o elemento principal que dá cor, entusiasmo e suspense às 160 páginas da obra e, se no volume anterior os dois inseparáveis amigos se haviam visto envolvidos num mediático rapto, neste tão-pouco se concentrarão apenas no que se passa dentro das quatro linhas de um relvado. E mais não digo.
Volto a referir que mesmo para mim, que não deliro tanto com o futebol como o meu pequenote, não é nenhum sacrifício continuar a ler esta coleção e que só me resta, tal como o fiz para os outros volumes, recomendar este vivamente. O D. considerou-o TOP!

NOTA – 10/10

Sinopse
Rafael e Rodrigo participam no campo de treino que visa escolher os melhores jogadores juvenis para a Seleção Nacional que participará no Campeonato Europeu de Futebol, em Barcelona! Será lá que, na mesma altura, O Atlético’69 jogará a final da Liga dos Campeões. Para poderem assistir, os rapazes terão de mostrar o que valem no relvado. Será que vão conseguir?
Durante o campo de treino, Rafael e Rodrigo veem-se envolvidos num escândalo e para denunciar os culpados põem em perigo a sua participação no Campeonato… Será que esta aventura vai ter um final feliz?