Ficha técnica
Título – As
horas distantes
Autora – Kate Morton
Editora – Porto Editora
Páginas – 528
Datas de leitura – de 22 de março a 06 de abril de 2017
Opinião
“Paredes antigas que entoam as horas
distantes.” (pág. 63)
Bastaram
três livros para que Kate Morton se tornasse numa das minhas autoras
preferidas. Melhor dizendo, bastaram dois, pois este que acabei de ler há uns
dias serviu apenas de confirmação.
Já o
afirmei e repito-o – não considero esta autora australiana um “monstro” da
literatura. Não o é, mas também não necessita sê-lo, pois tudo o que escreve,
as histórias que engendra, as personagens que concebe, os inúmeros saltos
temporais que apimentam a narrativa, os cenários onde esta se desenrola, tudo é
sinónimo de prazeres perfeitos e de leituras que nos enchem, que extravasam
para além das páginas das correspondentes obras e se enroscam em nós indefinidamente.
Depois
de ter lido e devorado O Jardim dos
segredos e O segredo da Casa
de Riverton, admito que tinha expectativas elevadíssimas, mas estava
certa de que esta narrativa que me levaria de novo para terras misteriosas da
Inglaterra não as defraudaria. Bem pelo contrário. Iria preencher-me os dias
com minutos de leitura que passariam como se segundos fossem, iria desligar-me de
tudo o que se passasse à minha volta e iria provocar-me a conhecida sensação
agridoce que sempre se me produz quando tenho entre mãos uma história que quero
devorar e ao mesmo tempo saborear pedacinho a pedacinho, para apoderar-me de
todo o seu sabor.
Tal
como acontece com as suas antecessoras, esta narrativa pula constantemente
entre o presente – 1992 – e o passado – década de 1940, sobretudo. O elo de
ligação entre estes dois tempos é uma carta que chega ao seu destinatário
cinquenta anos depois e que desencadeia consequências imediatas em quem a abre
e estranheza, suspeita e uma vontade incontrolável de querer saber mais em quem
presencia o estado de choque do destinatário e obviamente no leitor.
Edie é
uma jovem cuja vida se encontra posicionada numa encruzilhada. Recém-saída de
uma relação, funcionária de uma editora sem perspetivas de futuro e filha única
de um casal de classe média, a nossa protagonista testemunha o quanto a chegada
de uma carta escrita há cinquenta anos perturba a sua mãe e sente-se obrigada a
tentar perceber o que continha essa carta e quem são na verdade as irmãs
Blythe, com quem a mãe passou uma temporada nos anos 40, época na qual muitas
famílias londrinas enviaram as suas crianças para casas de famílias rurais para
assim tentarem salvá-las dos bombardeamentos alemães.
Está
assim lançado o ponto de partida para uma leitura repleta de mistério, de
personagens que nos vão cativando e de toda uma panóplia de motivos suculentos
que fazem o leitor querer ler mais um parágrafo, mais uma página, mais um
capítulo, mais uma das cinco partes que compõem a obra. Para além de saltarmos
no tempo, vamos viajando entre Londres e Milderhurst, onde se encontra o
castelo homónimo e residência das irmãs Blythe, e vamos também alternando de
narrador, pois sempre que voltamos ao presente, Edie assume esse papel enquanto
nos múltiplos recuos ao passado, o narrador é heterodiegético. Vamos ainda
travando conhecimento com um leque de personagens muito interessantes, algumas
das quais habitam as duas épocas. É o caso obviamente das três irmãs Blythe e
da mãe de Edie (apenas para nomear aquelas que têm um papel mais preponderante
na trama).
Quem
está familiarizado com a obra literária de Kate Morton, sabe que a autora preza
o universo feminino e que são as mulheres, tenham a idade que tenham, que movem
a narrativa, que lhe dão, para além de movimento, cor, intensidade, emoção,
vida. Em As horas distantes, temos o privilégio de conviver com cinco mulheres
determinadas, umas mais pragmáticas, outras mais sensíveis, mais emotivas, mas
todas elas dotadas de um poder e de um magnetismo que não nos deixam
indiferentes. Nem poderia ser de outra forma.
Outra
razão que me impele a corroer-me de uma vontade irrefreável em devorar tudo o
que esta autora australiana escreve são os cenários nos quais as personagens
deambulam em busca de respostas a variados mistérios. Se nas obras anteriores
tinha ficado atrapada pelos encantos e segredos de uma casa senhorial e de um
jardim, desta vez não consegui resistir às paredes antigas e conhecedoras de um
castelo, que entoam, se nos detivermos a escutá-las, horas e histórias
distantes. O castelo de Milderhurst, com o seu aspeto imponente, majestoso e
que resiste com a dignidade possível à implacável passagem do tempo provoca, em
quem o visita, emoções e sensações antagónicas. Quando Edie se aproxima das
suas paredes pela primeira vez, entendemos, como se fôssemos nós mesmos a
aproximar-nos, que os calafrios de medo e angústia que a povoam lutam em pé de
igualdade com uma atração irresistível que guia os seus passos e a levam a
querer e a não querer ali estar, a querer e a não querer visitar mais uma
dependência degradada, a querer e não querer percorrer espaços que há cinquenta
anos atrás tanto seduziram a sua mãe.
Como se
tudo isto não bastasse, a autora ainda apimenta a narrativa com múltiplos
segredos que vamos desvendando até às derradeiras páginas e revelando na
altura certa as múltiplas camadas que moldam o carácter e a vida cada uma das
suas fascinantes personagens. Abri os braços e deixei que cada uma das irmãs
Blythe – Percy, Saffy e a deliciosa Juniper – e Edie e a sua mãe se acocorassem
no meu colo, porque todas, sem exceção são arrebatadoras e merecedoras de um
lugar de destaque no leque de personagens inesquecíveis.
As horas distantes proporcionaram, como não é difícil de
adivinhar, uma leitura soberba, da que não vou “desprender” tão cedo e que me
faz repetir aqui aquilo que disse ao maridinho mal a terminei – “Das cinco obras que Kate Morton já publicou,
eu já li três, isto é, já li mais do que as que me faltam… Oxalá ela nos brinde
com uma obra nova muito em breve para equilibrar a balança – três lidas, três
não lidas…”
Para
finalizar, reitero um desejo que já formulei aquando da leitura das outras
obras – quem ainda não leu Kate Morton deve fazê-lo o quanto antes, porque está
a perder experiências de leitura com um sabor único! Recomendo vivamente Kate
Morton, rogo encarecidamente para que leiam todas as suas obras!
NOTA –
10/10
Sinopse
Tudo começa quando uma carta,
perdida há mais de meio século, chega finalmente ao seu destino...
Evacuada de Londres, no início
da II Guerra Mundial, a jovem Meredith Burchill é acolhida pela família Blythe
no majestoso Castelo de Milderhurst. Aí, descobre o prazer dos livros e da
fantasia, mas também os seus perigos.
Cinquenta anos depois, Edie
procura decifrar os enigmas que envolvem a juventude da sua mãe e a sua relação
com as excêntricas irmãs Blythe, que permaneceram no castelo desde então. Há
muito isoladas do mundo, elas sofrem as consequências de terríveis
acontecimentos que modificaram os seus destinos para sempre.
No interior do decadente
castelo, Edie começa a deslindar o passado de Meredith. Mas há outros segredos
escondidos nas paredes do edifício. A verdade do que realmente aconteceu nas
horas distantes do Castelo de Milderhurst irá por fim ser revelada...