Ficha técnica
Título – Assim começa o mal
Autor – Javier Marías
Editora – Alfaguara
Páginas – 530
Datas de leitura – de 19
a 29 de maio de 2016
Opinião
A
“maníaca” ordem cronológica que dita as minhas leituras impôs que retirasse da
estante e consequentemente lesse a última obra de Javier Marías na última
quinzena de maio, ou seja, ditou que numa época carregadinha de trabalho e de
outras circunstâncias preocupantes carregasse um “calhamaço” de 530 páginas
para onde quer que fosse (como o faço sempre com qualquer livro). Resultado –
sinto que planei sobre as referidas 530 páginas, sinto que não me debrucei
sobre as mesmas, que não lhes dediquei a atenção que merece tudo o que sai das
mãos deste autor que é considerado (e justamente) um dos melhores romancistas
espanhóis da atualidade.
Nunca
é fácil nem ligeiro ler o que quer que seja de Javier Marías. Este é o quarto
romance seu que leio e, como tal, sabia perfeitamente naquilo em que me ia
embrenhar desde que desfolhei as suas páginas iniciais –
um romance denso, onde imperam de forma absolutista a reflexão, a divagação, os
questionamentos e a busca, não de respostas, mas de possíveis elucidações que
nos ajudem a compreender melhor o ser humano e o porquê de muitas das suas
ações. Tal como em Coração tão Branco,
Os enamoramentos e Amanhã
na batalha pensa em mim, em Assim
começa o mal deparámo-nos com personagens que escondem algo pouco claro
do seu passado, que cometeram alguma imoralidade. Contudo, enquanto nos
referidos três romances somos confrontados, mal iniciamos a leitura, com uma
morte abrupta, inexplicável, obscura e que nos impele a virar página atrás de
página e a seguir o protagonista na sua demanda, na sua procura de respostas,
na obra que acabei de ler tal não acontece. O mote é mais suave, podemos assim
dizer. Há realmente partes do passado de três personagens que sabemos de
antemão que ou são consideradas imorais, indecentes ou mudaram drasticamente a
vida de um casal, mas não posso afirmar que o mistério, o suspense e
correspondente desassossego de querer conhecer a verdade, a causa de tais
comportamentos e ações sejam equiparáveis aos que vivi e senti aquando da
leitura das três obras prévias a esta.
Por outro lado, tal como mencionei no início
desta opinião, o conflito entre trabalho e lazer, entre leitura e obrigações
teve consequências que me desgostam e me custam admitir, já que sei que em
algumas passagens mais filosóficas ou introspetivas (em que narrador ou a
emblemática personagem de Muriel deambulam sobre questões múltiplas) a minha
concentração “desconcentrou-se”, isto é, lia e não lia, avançava e tinha que
recuar… Resumindo, sinto que me defraudei e que defraudei o autor…
Javier
Marías é, para além de um autor magnífico, um amante da língua. E isso nota-se
apesar de estarmos a ler uma tradução. O seu estilo é erudito, percebe-se
perfeitamente que devota paixão pela linguagem, pelas palavras, pelos jogos que
podemos fazer com as mesmas. É igualmente um conhecedor nato da literatura e não
é nada difícil compreender que é um admirador profundo de Shakespeare – aliás tanto
o título desta obra como o de Amanhã
na batalha pensa em mim advêm de citações de obras shakespearianas. É
ainda um “questionador” incessante da alma humana, dos seus comportamentos, do
que a impele, das suas fraquezas, dos seus enigmas, enfim, é impossível não nos
identificarmos, não sentirmos empatia ou asco ou pena, ou estranheza ou desprezo
por aquilo que nos vai sendo contado.
Por
tudo isto, sinto que falhei um pouco com Javier Marías. Não apreciei nem
saboreei a sua última obra como devia e como a mesma merecia. Contudo, o “mal”
está feito, encerrei a leitura com a referida concentração algo “desconcentrada”
e nada mais me resta que não seja admiti-lo aqui e virar a página. Não há-de
ser a última vez que algo semelhante me acontece, porque por muito que a
leitura seja evasão ainda me é impossível fechar completamente a porta à
realidade, sobretudo quando esta assenta em cansaço acumulado e num desejo
irracional (mas compreensível) de liberdade condicional!...
Termino
com uma citação que se encontra na contracapa da obra e que é uma ótima janela
para o que podemos descobrir no interior das 530 páginas de Assim começa o mal:
“Não é um romance autobiográfico, mas contém
vivências da juventude do autor. Não é um romance político, mas as referências
estão lá. Não é um romance sobre a década de 80, mas é nela que a ação decorre.
Não é um romance histórico, mas os estilhaços do pós-guerra civil, nos anos 40
e 50, atingem as personagens. Não é um romance de amor, mas da desdita do
casamento do protagonista. Não é um romance sobre vinganças, antes sobre a
impunidade e arbitrariedade do perdão.” (El País)
A
esta certíssima citação atrevo-me a acrescentar que não é um romance para quem
anseia por uma ação rápida, linear e pouco descritiva. Também não é um romance
para quem espera apaixonar-se ou render-se ante uma ou mais personagens.
Nenhuma tem estofo de herói ou heroína, todas expõem o seu lado mais frágil,
indecente ou desprezível. Por fim, reitero que também não é um romance de fácil absorção,
por tudo o já referido.
Mas
é um grande romance, disso não há dúvidas.
NOTA
– 08/10
Sinopse
Na fervilhante Madrid
pós-ditadura franquista do início dos anos 1980, Juan de Vere começa a
trabalhar como secretário particular do cineasta Eduardo Muriel. Graças à sua
função, de Vere se insere na privacidade da família, convertendo-se num
espectador da união misteriosa e infeliz entre Muriel e sua esposa Beatriz
Noguera.
O cineasta encarrega seu secretário de investigar um amigo, Dr. Jorge Van Vechten, cujo comportamento indecente no passado foi motivo de rumores. Mas de Vere passa a tomar iniciativas questionáveis, com profundas repercussões na vida de todos. A sua atitude vai mostrar-lhe que não há justiça desinteressada e que tudo — o perdão ou castigo — são decisões arbitrárias.
O cineasta encarrega seu secretário de investigar um amigo, Dr. Jorge Van Vechten, cujo comportamento indecente no passado foi motivo de rumores. Mas de Vere passa a tomar iniciativas questionáveis, com profundas repercussões na vida de todos. A sua atitude vai mostrar-lhe que não há justiça desinteressada e que tudo — o perdão ou castigo — são decisões arbitrárias.