Sábado, 04 de abril de 2015
Opinião
De vez em quando, ou melhor dizendo,
com bastante frequência, isto é, entre uma leitura e uma releitura, dou uma
volta atrás no tempo e mergulho na inocência e simplicidade dos meus tempos de
infância e adolescência. Faço-o relendo um livrinho com as folhas já amareladas
e que me fazem espirrar a miúde, com capas repletas de desenhos que me fazem
recordar os desenhos animados japoneses (onde todas as personagens são
lindíssimas, com olhos que nos penetram a alma) e com o meu nome e a minha
morada escritos com uma letra redondinha na primeira página. São releituras
muito saborosas, com aquele travo docinho que se mantém comigo e que me permite
recordar o quanto a minha felicidade depende da leitura e como os livros sempre
foram e serão companheiros perfeitos.
Hoje fechei mais uma releitura de um
desses livrinhos. Por sinal, um livrinho que me é muito especial, talvez porque
é a súmula dessa inocência e simplicidade de que falei atrás. É da autoria de
uma escritora espanhola (da qual nunca li nada mais e que deve ser uma perfeita
desconhecida para a maioria das pessoas) e a sua narrativa localiza-se talvez
nos anos cinquenta ou sessenta (do século passado, obviamente) e em dois
espaços distintos – na cidade de Pamplona e sobretudo numa aldeia chamada
Beirechea, muito provavelmente situada na comunidade autónoma de Navarra. A
protagonista, Muriel, é uma recém-formada professora primária que se vê inesperadamente
colocada na referida aldeia, onde tudo e todos, a princípio, lhe parecem
inóspitos, rudes e nada sociáveis. Para piorar a sua situação, a pobre da
Muriel descobre que terá que ensinar um punhado de meninos numa escola cujo “aspecto
era dos mais tristes” e onde “mesmo no meio da aula havia dois ratos enormes
que comiam qualquer coisa apressadamente” (pág. 20). Perante tal cenário, a
nossa protagonista recusa-se a terminar o ano naquele lugarejo e promete a si
mesma que seguirá o destino das suas antecessoras, que também não haviam
aguentado semelhantes condições. Contudo, os dias vão passando e Muriel vai
adiando a sua partida até que se apega com tanta força aos seus escolares, aos
habitantes da aldeia e a uma paisagem que lhe fala ao coração que decide não
contrariar o que já estava predestinado – o seu lugar era ali, naquela aldeia
perdida, tentando fazer a diferença com os seus alunos. E fá-la-á. Com determinação
e com a ajuda enriquecedora dos livros.
Com os livros, Muriel não só
conquistará os seus escolares como também alguns adultos, para quem a leitura
era uma perda de tempo. Conquistá-los-á devagarinho, tenazmente e sem se
render, mesmo quando todo o esforço parece inglório. Mas não será só Muriel a
trazer mudanças para Beirechea. Será também a aldeia a conseguir suavizar o
temperamento algo vaidoso e teimoso da “escanifrada” professorinha e a mostrar-lhe
que onde ela via rudeza e antipatia, afinal existia timidez e alguma falta de
tato para lidar com quem é “forasteiro”.
Pelo que fui dizendo até este ponto,
não é difícil compreender por que motivo este livrinho ocupa um lugar especial
no meu cantinho das leituras. Para além da profissão que me une a Muriel
(embora os meus escolares sejam um bocadinho mais crescidos), o amor e a plena certeza de que os livros podem mudar a vida de alguém (seja em que idade for)
é outra mais-valia que nos traz Cinco
pães de cevada. O terceiro aspeto (e não menos importante) é a
simplicidade e singeleza da sua escrita, que por essa mesma razão me toca muito
e me leva às lágrimas em algumas das suas passagens.
Cinco
pães de cevada
faz-me viajar para vários espaços e vários tempos – leva-me consigo até a uma
Espanha rural, até uma aldeia, que mesmo sendo fictícia, me faz caminhar pelas suas
montanhas, pelos seus campos cultivados, pelos seus caminhos estreitos, pelos cheiros
e sons das diversas estações e me faz conviver com os seus habitantes simples e
com carácter. Ao mesmo tempo, transporta-me à minha infância, também ela
passada entre montes, campos cultivados, animais e gente simples e honrada. É
assim um livrinho no qual se misturam harmoniosamente elementos nostálgicos,
belos, perfeitos!
Este livrinho é assim um tesouro que
muito estimo J
NOTA – 10/10
Olá Ana Lopes,
ResponderEliminarQue delicia ler o seu comentário sobre este livro, no qual me revejo em absoluto.
Também li este livro há muitos anos, na altura uma menina na idade dos sonhos e das descobertas, e recordo, como se fosse hoje, o prazer que tive ao ler aquela história simples mas profunda. Foi um livro que marcou, em vários aspetos, com ele aprendi o gosto de ler e aprendi que muitas vezes o que desejamos pode não ser o que realmente nos faz feliz e que a felicidade, aquilo que nos realiza como pessoas ou profissionais pode estar em locais que nunca imaginamos.
Boas Leituras..
Grace Teixeira
Olá e seja bem-vinda, Grace!
EliminarÉ realmente incrível o poder deste livrinho! Adorei as suas palavras e identifico-me nelas por completo! Foi por isso que a releitura de "Cinco pães de cevada" me tocou tanto! Por tudo o que referiu e mais! É um pequeno tesouro que merece a nossa estima e merece continuar a ser lido por miúdas e graúdas!
Volte sempre, pois gostei muito desta visitinha!!!
Beijinhos e boas leituras!
Olá Ana,
ResponderEliminarDescobri o seu blog, precisamente, por causa deste livro, quando fazia uma pesquisa na internet, na esperança de o encontrar à venda em algum alfarrabista, pois a edição que li era de uma amiga. Este espaço foi uma descoberta fantástica e já me tornei numa visitante assídua, pois gosto bastante da forma como escreve e expõem as suas opiniões sobre os livros que lê.
Beijinhos
Grace Teixeira
Grace, fico mesmo feliz e até "envaidecida" pelas suas palavras! Significa que estou a chegar às pessoas que amam a leitura como eu e estou a conseguir cumprir um dos propósitos do blogue!
EliminarMuito obrigada e espero que consiga encontrar o livro em algum alfarrabista!
Beijinhos e boas leituras.