Ficha técnica
Título – O
pianista de hotel
Autor – Rodrigo Guedes de Carvalho
Editora – Dom Quixote
Páginas – 486
Datas de leitura – 05 a 10 de julho de 2018
Opinião
Moram
cá em casa todos os romances que Rodrigo Guedes de Carvalho publicou e foi com
enorme alegria que o ano passado eu e o maridinho recebemos a notícia de que o
autor tinha posto fim a um interregno demasiado extenso (de mais de dez anos!)
publicando O pianista de hotel.
Não sabemos o que esteve por detrás desse interregno, mas já lho perdoamos – e sem
qualquer espécie de rancor – pois a espera valeu bem a pena.
Não me
sinto especialmente à vontade para estabelecer paralelismos entre O pianista de hotel e as suas “irmãs
mais velhas”, porque já as li há muitos anos (existe vontade de relê-las, é
verdade, mas são sempre suplantadas pelas leituras mais “frescas” na estante) e
aquilo que ainda retenho são as influências antunianas em Daqui a nada, por exemplo, a presença marcante de conflitos
emocionais e geracionais entre personagens que arrebatam o protagonismo na
trama e um estilo que tem o descaramento de nos sugar a atenção e deixar-nos um
nadinha furibundos com desfechos pouco conclusivos. Muitas destas
características estão presentes em O
pianista de hotel, porém aquilo que se destaca e talvez reflita um
refinamento e amadurecimento na escrita do RGC seja o papel do narrador e a
consequente importância que aquele lhe confere na estrutura e desenrolar da
narrativa.
Não é
necessário avançar muito na leitura para compreender e sentir que, apesar de
estarmos com um livro nas mãos, a escrita parece dar lugar à oralidade e que
facilmente nos imaginamos sentados ao lado de alguém que nos conta uma história
e que, como sempre ou quase acontece, se dispersa, divaga e vai entrelaçando e
intrometendo detalhes, factos, sentimentos e outros aspetos de outras
personagens, lugares e tempos. É, assim, envolvidos nesse estilo oralizante e
muitíssimo bem trabalhado, que vamos penetrando nas vidas de diversas
personagens e criando laços imediatos com todas elas, ou melhor, com quase todas,
pois creio que uma ou outra (Ana Paula, por exemplo) são desnecessárias e nada
acrescentam à narrativa.
Luís
Gustavo, Maria Luísa e Pedro Gouveia foram, sem dúvida, as minhas personagens
preferidas. As três são “órfãs” e sentem-se incompletas. Tentam remediar essas
lacunas que a vida não lhes quis preencher ou que lhes deixou em determinado
momento evitando o mundo à luz do dia, singrando com muito êxito na profissão escolhida
ou acobardando-se nos momentos decisivos. Foi-me impossível não me condoer das
suas situações, da falta física, emocional e prática que sentem de alguém que
partiu das suas vidas, foi-me impossível não acarinhá-los em variadíssimos
momentos e foi-me impossível não gostar deles. Amei a relação que Luís Gustavo
tem com o seu avô Sérgio (outra personagem deliciosa), a amizade genuína que
liga Maria Luísa a Saúl Samuel (mais uma personagem bem construída) e a ligação
profissional e paternal que une Luís Gustavo e Pedro Gouveia. São
inquestionavelmente – personagens e laços que as juntam – pontos fortes desta
obra e que me fizeram devorar quase quinhentas páginas em pouco tempo.
Aliada
a estas personagens, aos seus laços, a um narrador com um toque preponderante
de contador de histórias e a temas como a homossexualidade, a violência
doméstica, a solidão, o divórcio ou o alcoolismo, está a música, que remete
para o título da obra e para muito mais. A música preenche os espaços, a música
acalma, aconchega, alimenta e aquece a alma e mexe com os cantinhos mais recônditos
e escondidinhos que todos nós possuímos. Um piano, uma guitarra, um violoncelo
e uma harmónica bastam para que esta obra, já tão rica por tudo aquilo atrás
mencionado, atinja outros níveis e me tenha feito chorar sobretudo com Luís
Gustavo que vê a sua vida clarear e brilhar por causa de uma harmónica de
brincar e com Pedro Gouveia que desata os nós que lhe prendem o coração ao
ouvir um pianista tocar num bar de um hotel.
Muito
mais poderia dizer desta leitura que se assemelhou a um regresso a casa – a uma
casa de que já sentia saudades. Mas pretendo apenas dizer mais duas coisas – a primeira
(e que me impede de lhe dar pontuação máxima) tem a ver com o facto de ter
achado que o autor mastigou algumas partes e ter, como referi antes, posto na
ação algumas personagens que não eram necessárias; a segunda (e que me faz
perdoar-te, Rodrigo Guedes de Carvalho, me teres presenteado, de novo, com o
final aberto e que me deixou abananada! “Porra, e agora? Por que é que ele não
a chamou???) é sobre a parte que o autor intitulou “Depois do fim” e que me
deixou ainda mais “apaixonada” por este jornalista que sempre considerei
íntegro e um bom homem. É com lágrimas nos olhos e um nó do tamanho do mundo na
garganta que te digo que os meus também estão sempre aqui comigo. Sim, eu,
mulher sem nenhuma outra fé, também acredito.
Esta leitura foi a quarta que fiz para a maratona literária - Bookbingo - Leituras ao sol 2 - e foi para a categoria - Livro escrito por uma celebridade.
NOTA –
09/10
Sinopse
O
Pianista de Hotel transporta-nos numa
melodia.
É uma entrada para um mundo
regido pela linguagem da música, pela sua força e beleza, presentes no ritmo de
cada frase, de cada parágrafo rigorosamente medido.
Livro em camadas, nele se
cruzam diversos planos, diversas histórias perpassadas pelo poder redentor da
música que entra e rasga,
a solidão, a dor e o vazio das pessoas que habitam nestas páginas. Com um vasto
subtexto, a densidade das personagens está carregada de mistérios que nos
prendem a sucessivas interrogações.
Há um pouco de nós em todas
elas.
Há muito de nós neste mergulho
ao mais fundo da alma humana.
É um romance que se lê e ouve,
que mantém todos os sentidos alerta. Uma pauta musical, com andamentos
diversos, que acabam por se cruzar numa vertigem imprevisível de autêntico
thriller psicológico.
E, depois, há o pianista…
Minha querida,
ResponderEliminarTenho mesmo pena de não ter continuado com esta leitura, mas realmente a escrita do autor não me estava a prender. Mas fico feliz por teres gostado.
Um beijinho e boas leituras
Um dia destes dás-lhe uma nova oportunidade, isto é, se te apetecer, pois só valerá a pena se te apetecer! Eu sou apaixonada pelo autor desde sempre e ele nunca me desiludiu, mas entendo-te perfeitamente! Haverá outras leituras em conjunto e com um sabor mais docinho para as duas, sem dúvida!
EliminarBeijinhos, querida Isa!
Ainda só li A Casa Quieta de que gostei mesmo muito e depois, estranhamente, nunca mais me cruzei com nenhuma obra dele. Falha a remediar o quanto antes, e ainda mais porque admiro Lobo Antunes.
ResponderEliminarSó não percebo é como é que uma Ana Paula é desnecessária à narrativa. Toda a gente devia ter uma Ana Paula a abrilhantar as suas vidas e as suas obras! ;-)
Beijinhos
Paula, Ana Paula
Aahahaha, com que então temos mais uma coisa em comum! Sabes que muitas vezes me chamam Ana Paula ou Ana Clara? Ninguém deve subestimar uma Ana, ai isso é que não!
EliminarAconselho-te Mulher em branco! É brutal e tenho mesmo que relê-lo! Podemos colocá-lo na lista das leituras em conjunto ;)
Beijinhos, Ana Paula!
Todas as combinações desde que tenham Ana são bonitas, mas eu gosto mesmo é só de Ana (sortuda!) e sempre disse que quando tivesse uma filha, iria ser só Ana. Tive dois rapazes... No comments.
ResponderEliminarTenho de deitar a mão à Mulher em Branco, então!
Paula
Sim, são deliciosas, mas até eu não sou só Ana - sou Ana Carla ;)
Eliminar:) :) Deixa lá, eu não tive dois, só um, mas sou a rainha da casa :)
Sim, deita! Se quiseres, fazemos mais uma leitura em conjunto!