O Homem duplicado, de José Saramago



Ficha técnica
TítuloO Homem duplicado
Autor – José Saramago
Editora – Editorial Caminho
Páginas – 318
Datas de leitura – de 22 a 27 de outubro de 2018

Opinião
Há vinte anos, em outubro de 1998, o mundo prestou a merecida homenagem ao génio das letras que era o meu Saramaguinho. Quis o destino que eu me juntasse a essa homenagem duas décadas depois.
Aos mais distraídos, relembro que, em setembro, dei início a um projeto que tinha guardado na manga há bastante tempo e que me está preencher e a aconchegar muitíssimo – falo-vos do projeto – Uma releitura por mês durante um ano (pelo menos). Ora, essa releitura é sempre uma surpresa que sai de uma caixinha onde moram (ou moravam) doze papéis com doze títulos e quis o destino que em outubro saísse o título O homem duplicado, do meu Saramago!
Recebi esta obra em 2002 e li-a muito provavelmente nesse ano (esqueci-me de anotar a data de leitura). Pouco ou nada me recordava dela, uns fragmentos que se vieram a revelar certeiros e pouco mais. Penetramos na narrativa pela mão de um narrador tipicamente saramaguiano, que intervém muito frequentemente, que tece comentários, que fala com o leitor e que é dono de um estilo que pode não agradar e não ser destrinçado com facilidade. Se observarmos as páginas, comprovamos que as mesmas são compostas de uma mancha densa e uniforme, sem qualquer tipo de quebra a não ser quando mudamos de capítulo. Só isso pode assustar e desmotivar o leitor que não conheça Saramago. Por outro lado, o comentário que se ouve inúmeras vezes, de que o autor não usa pontuação é, à partida, mais um entrave àqueles que estejam com receio de aventurar-se nos livros do nosso Nobel. Não me vou alongar sobre isso, vou apenas dizer que a pontuação existe, há pontos finais e vírgulas, só que estas têm uma função adicional àquela que é a sua principal, de fazer uma quebra curtinha no discurso.
Narrador e estilo apartes, que são dois dos motivos que mais me fazem amar e venerar Saramago, adentrámo-nos na narrativa e conhecemos de imediato o seu protagonista, Tertuliano Máximo Afonso, professor de história do ensino secundário, divorciado, solitário e que se encontra abatido, deprimido, num marasmo que parece não ter fim. Num breve diálogo que entabula com um colega de matemática, recebe deste um conselho que acaba por levar a cabo – distrair-se, alugando um filme de comédia, que não surtirá o efeito pretendido, pois deixará a sua vida enfadonha, rotineira completamente de pernas para o ar. Após ter visionado o filme, já no quentinho da caminha e nos braços do sono, Tertuliano acorda banhado em suor e com a nítida impressão de que há mais alguém em sua casa. Faz vistoria necessária, não encontra ninguém, mas algo no seu inconsciente o faz voltar a ver o filme. E é que se dará conta de algo que lhe passou despercebido no primeiro visionamento. Uma das personagens secundárias, quase figurante, é a sua cara chapada, é igualzinho a ele, sem tirar nem pôr.
Esta descoberta aterradora é o mote para o desenvolvimento da narrativa, para os próximos passos de Tertualiano que o levarão a querer descobrir quem é aquele ator que é um duplicado de si mesmo. Não quero desvendar mais da trama, apenas quero chamar à atenção para o facto de, tal como diz o Hugo (O aprendiz de leitor), a primeira parte da obra ser pausada, mais lenta e os últimos capítulos serem entusiasmantes, com um avanço significativo na ação e que culminam num final soberbo, magistral, de cortar-nos a respiração.
Foi uma releitura muitíssimo saborosa e saciante. Contudo, e porque sou uma admiradora confessa e ferrenha do "meu" Saramaguinho, consigo ter discernimento suficiente para comparar as suas obras, "classificá-las" segundo os meus gostos e exigências e compreender que a O homem duplicado lhe falta alguma coisa para ser dona do brilhantismo e da magistralidade de Memorial do Convento ou Ensaio sobre a cegueira. Termino fazendo uma brevíssima referência ao quanto gostei das personagens femininas (secundárias, é certo, mas donas de uma luz que as faz sobressair e mostrar, uma vez mais, o carinho e amor que o autor sempre pôs nas suas personagens femininas) e ao alerta que sai aos gritos da obra sobre o quão estamos a copiar comportamentos, atitudes, crenças e a perder lentamente aquilo que nos torna únicos, diferentes.

NOTA – 09/10

Sinopse
Tertuliano Máximo Afonso, professor de História no ensino secundário, «vive só e aborrece-se», «esteve casado e não se lembra do que o levou ao matrimónio, divorciou-se e agora não quer nem lembrar-se dos motivos por que se separou», à cadeira de História «vê-a ele desde há muito tempo como uma fadiga sem sentido e um começo sem fim».
Uma noite, em casa, ao rever um filme na televisão, «levantou-se da cadeira, ajoelhou-se diante do televisor, a cara tão perto do ecrã quanto lhe permitia a visão, Sou eu, disse, e outra vez sentiu que se lhe eriçavam os pêlos do corpo»...
Depois desta inesperada descoberta, de um homem exactamente igual a si, Tertuliano Máximo Afonso, o que vive só e se aborrece, parte à descoberta desse outro homem. A empolgante história dessa busca, as surpreendentes circunstâncias do encontro, o seu dramático desfecho, constituem o corpo deste romance de José Saramago.

4 comentários:

  1. Li vários livros de Saramago até terminar a faculdade e, depois, não sei porquê, deixei de o acompanhar à medida que ia publicando. Há uns 10 anos, tentei ler o Ensaio da Lucidez, mas achei-o aborrecido e também este foi lido lentamente porque não me estava a dar-me gozo nenhum. Para mim, o narrador era um estorvo, sempre com apartes que não deixavam avançar o enredo, e o Tertuliano era o verdadeiro anti-herói, um banana de todo o tamanho. Salvavam-se as personagens femininas, muito interessantes, mas demasiado secundárias. Para o ano, vou ler outro dos que ainda tenho para conhecer, a ver se se reacende a paixão, ou se sou uma flausina que amava Saramago em miúda e o trocou por Lobo Antunes em cota! ;-)
    Paula

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    1. Minha querida "flausina", não sei aqueles que já leste dele, mas, na minha modesta opinião, as tuas últimas escolhas não foram exactamente as melhores. Também não gostei muito de O ensaio sobre a lucidez e deste já sabes a minha opinião. Concordo que as personagens femininas são muito interessantes, como sempre são nas obras de Saramago. O pobre Tertuliano não tem muito a seu favor, mas adoro o narrador - adoro-os em todas as obras saramaguianas!
      Beijos!!!

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  2. Se viu o filme, gostaria de lhe perguntar que significado atribui à tarântula gigante que aparece no início, pois vejo que possui uma especial capacidade de observar as árvores sem nunca perder de vista a floresta, interrogando permanentemente texto e autor sobre seus objetivos últimos.

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    1. Infelizmente nunca vi o filme, Joaquim, por isso não posso ajudá-lo muito... Mas se o vir, vou estar atenta ao esse pormenor.
      Beijinhos e bom fim de semana!

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