Homens imprudentemente poéticos, de Valter Hugo Mãe


Ficha técnica
TítuloHomens imprudentemente poéticos
Autor – Valter Hugo Mãe
Editora – Porto Editora
Páginas – 214
Datas de leitura – de 20 a 25 de agosto de 2017

Opinião
Tenho que ser sincera – Valter Hugo Mãe é um dos meus autores prediletos. Sigo a sua obra com muito fervor e abre-se-me um sorriso de orelha a orelha quando constato que publicou mais um livro. Foi o que aconteceu com Homens imprudentemente poéticos que marchou para a minha wishlist mal chegou às bancas. Não pairou por lá muito tempo, pois no último Natal alguém o pôs debaixo da árvore com o meu nome escrito na etiqueta natalícia. E agora que finalmente o li, sinto um misto de vergonha e defraudação, porque, após o encerro, tive que render-me àquilo que ainda hoje é inquestionável – a história de Itaro, Sabugo, Matsu, da criada Kame e da senhora Fuyu não me deslumbrou, será infelizmente mais uma… Aparte a genialidade da escrita do seu autor, que maneja a nossa língua como poucos e cria jogos linguísticos de uma pureza e beleza quase surreais, não criei empatia com as personagens, não fui capaz de vislumbrar a mensagem da narrativa nem de sentir nada exceto um ligeiro interesse e compaixão por Matsu e a criada Kame e alguma incredulidade e estupefação sobre o porquê de tanto ódio entre Itaro e Saburo.
Questiono-me se esta pouca ligação com a trama e correspondentes personagens poderá ter algo a ver com o pouco interesse que nutro pelas sociedades, costumes e tradições asiáticas. Questiono-me se terei lido a obra na altura certa. Questiono-me se a minha ânsia em ter nas mãos uma obra que me abalroe (até agora 2017 só me ofereceu três e uma delas foi uma releitura) prejudicou esta leitura em particular. Questiono-me e questiono-me, mas no final a dolorosa sensação mantém-se – Homens imprudentemente poéticos não me tocou, não me cativou, não mexeu como desejei que mexesse, como esperei que mexesse.
Por tudo isto, creio que não devo alongar-me mais… Dói...


NOTA – 06/10


Sinopse
Num Japão antigo o artesão Itaro e o oleiro Saburo vivem uma vizinhança inimiga que, em avanços e recuos, lhes muda as prioridades e, sobretudo, a capacidade de se manterem boa gente.
A inimizade, contudo, é coisa pequena diante da miséria comum e do destino.
Conscientes da exuberância da natureza e da falha da sorte, o homem que faz leques e o homem que faz taças medem a sensatez e, sobretudo, os modos incondicionais de amarem suas distintas mulheres.
Valter Hugo Mãe prossegue a sua poética ímpar. Uma humaníssima visão do mundo.

Los pasos que nos separan, de Marian Izaguirre


Ficha técnica
TítuloLos pasos que nos separan
Autora – Marian Izaguirre
Editora – Lumen (e-book)
Páginas – 290
Datas de leitura – de 12 a 20 de agosto de 2017

Opinião
Regressei às leituras em espanhol guiada pela mão de Marian Izaguirre, uma autora que já conhecia de A vida quando era nossa, obra publicada no nosso país pela Bertrand e que me preencheu com uma intensidade quase perfeita alguns dias do verão de 2015.
Dois anos mais tarde, aproveitando mais uma oferta da Cristina Tista, descarreguei a edição digital de Los pasos que nos separan para o tablet e levei-a comigo em mais uma passeata por terras castelhanas. Durante uma semana, enquanto calcorreava espaços impregnados de História e respirava os ares de uma das antigas capitais do país vizinho, fui-me adentrando nas vidas de Salvador, de Edita, de Jana e de Marina e com eles calcorreando respirando outros espaços, outros tempos.
As páginas desta obra guiam os nossos passos por várias cidades europeias – iniciamos a viagem em Barcelona, a estada mais longa faz-se em Trieste e terminamos em terras da antiga Jugoslávia, mais propriamente em Liubliana e Zagreb. Percorremo-las em duas épocas distintas que se intercalam – vários anos da década de 1920 e fins dos anos setenta. O elo de ligação entre estes espaços e estas épocas é a vida de Salvador Frei, escultor idoso que sente a morte acercar-se e quer encerrar algumas portas que necessitam ser encerradas.
Através de uma escrita muito intimista, que nos chega polvilhada de frases curtas, adentramo-nos em duas épocas muito marcantes da vida do nosso protagonista – na primavera de 1920, com 21 anos, quando se apaixona perdidamente por Edita, uma mulher casada e nos finais de 1970, com 80 anos, quando sente a morte morder-lhe os calcanhares e sabe que há mais uma jornada a cumprir.
Para cumprir essa jornada, Salvador publica um anúncio num jornal em busca de alguém jovem que o acompanhe e esteja sempre ao seu dispor. A esse anúncio responde Marina, uma jovem de Bilbao, que estuda em Barcelona e que procura neste emprego a solução para os problemas que a assolam e que são consequência de “ser inconsciente y despreocupada por obligación.” Duas personagens de gerações díspares, mas que se juntarão porque uma necessita da outra e que, no breve tempo que desfrutarão na companhia uma do outra, terão a oportunidade de abrir o livro das suas vidas e compreender que nem tudo as separa, que há vivências e sentimentos que as acercam e as fazem passar de completos desconhecidos a cúmplices, a parceiros de uma jornada que está prestes a acabar para Salvador e a iniciar-se para Marina.
Los pasos que nos separan é assim uma obra sobre vidas, sobre sentimentos, sobre escolhas e sobre as consequências dessas escolhas.
Por um lado, temos a história de amor entre Salvador e Edita, dois estranhos que se esbarram e se apaixonam, caindo rapidamente nos braços um do outro. O desejo, a atração, a vontade de estarem juntos são incomensuráveis e com eles vêm a culpa, a traição, o ciúme. Edita é casada, tem uma filhota pequenina, mas põe tudo em causa a partir do momento em que o seu pensamento e o seu corpo lhe exigem que esteja sempre junto a Salvador. É uma mulher forte, decidida, determinada, mas sente-se dividida em duas – uma que lhe pede que não ceda ao desejo adúltero, outra que a obriga a mentir, a desleixar os seus deveres de mãe e a procurar o amante. É uma personagem imperfeita, mas humana, tão próxima de alguém que se possa sentar ao nosso lado e que apenas quer ser feliz. Por sua vez, Salvador revela-se um jovem imaturo, que se entrega a uma relação proibida, mas que não sabe muito bem lidar com esse lado clandestino. Em mais de que um momento, reconhecerá que não tem a coragem necessária para enfrentamentos – “Pasar de puntillas. Mirar para otro lado. Sabía hacerlo muy bien. Se había entrenado durante toda la vida para no tener que afrontar las cosas cara a cara.” Na reta final da sua existência, fazendo o inevitável balanço, tem a clara consciência de que viveu a vida como pôde, teve o seu quinhão de felicidade, mas que esta foi à custa da infelicidade de outros. Por isso, a culpa pesa, faz mossa e exige perdão, redenção.
Do outro lado da história está Marina, uma jovem que também sente na pele as consequências das suas escolhas, dos seus atos. Quis ser independente, dona do seu destino, mas não está minimamente preparada para o que este lhe reservou – “… recuerda esa sensación que le perseguirá para sempre. El desamparo. Algo parecido al frío de los amaneceres o al miedo de las noches sin luna.” A determinada altura, procurará o conforto da experiência de Salvador, partilhará os seus medos e estará atenta a tudo o que ele lhe conta. Aprenderá, amadurecerá e olhará de frente o que o futuro lhe reserva.
Esta obra de Marian Izaguirre é assim uma obra de personagens, de pessoas comuns que nos falam, que nos tocam. Tem um tom aconchegante que me cativou e que me faz querer continuar a ler esta autora, seja em português, seja em espanhol.
Obrigada, Cristina, por me teres oferecido esta leitura!

NOTA – 08/10

Sinopse
La bora, el viento que azota Trieste en ciertas épocas del año, es un aire apasionado que dura poco pero dobla el cuerpo y muda el ánimo. Salvador y Edita se conocieron en esta ciudad un día de primavera de 1920. Soplaba el viento, y todo cambió. Ella había nacido en Liubliana y él en Barcelona, y los dos rondaban los veinte años, una edad espléndida para permitirse cualquier locura, pero Edita, hermosa y discreta, estaba casada y tenía una hija. Salvador solo tenía su trabajo en el taller de un gran escultor y ganas de ser por fin un hombre y pisar fuerte en la vida.
Luego, en Barcelona, casi a finales de los años setenta...Un hombre ya mayor y viudo que busca ayuda para volver a Trieste y a todos los lugares donde un día creyó ser feliz, y una chica, Marina, que va a ir con él para buscar un futuro. Y entre Salvador y Marina, de repente, casi sin avisar, los recuerdos: un parque a orillas del mar, las sábanas revueltas de un amor a media tarde, un andén, una niña que se aleja, y una espléndida tabla renacentista con una Virgen que mira y duda.

Con esas voces que se cruzan en el tiempo y en el espacio, Marian Izaguirre ha escrito una novela donde la culpa y el perdón juegan el mejor de los partidos y cada paso importa.

As Naus de verde pinho, de Manuel Alegre


Ficha técnica
TítuloAs Naus de verde pinho
Autor – Manuel Alegre
Editora – Publicações Dom Quixote
Páginas – 20
Datas de leitura – 20 de agosto de 2017

Opinião
O D. trouxe trabalhinho para férias – terá que ler até ao início das aulas as quatro obras de leitura obrigatória para a disciplina de Português. Após uns meses de merecido descanso, começámos ontem a maratona literária e arrancámos com a obra mais curtinha, feita de estrofes e ilustrações.
As naus de verde pinho, escritas por Manuel Alegre e ilustradas pelo seu filho, trazem-nos um dos episódios mais marcantes dos nossos Descobrimentos - a dobragem do Cabo das Tormentas.
Tal como n' Os Lusíadas e na Mensagem, acompanhamos a viagem de Bartolomeu Dias e o seu "embate" com um Cabo simbolicamente representando por uma nuvem negra, monstro perneta e ameaçador. Voltamos a encher o peito de orgulho luso ao ouvir o grande Capitão afirmar sem temor algum que está ali em nome do povo português, que nada o fará demover da sua missão e que continuará a avançar por mares nunca até aí navegados para poder mostrar ao mundo a fibra da alma lusitana.
A obra, como se depreende pelo título, evoca igualmente o papel fundamental de D. Dinis, o rei das trovas e das cantigas de amigo, o rei que encheu a costa do centro do país de verdes pinhos que possibilitaram a construção das caravelas, das naus que levaram os bravos lusos "ao outro lado/ ao ali ao longe ao lá/ ao cabo nunca dobrado".
Por fim, esta pequenina narrativa poética relembra-nos que o sonho comandou a vida destes descobridores e comanda a vida de todos nós:
"Sempre que em teu pensamento
o verde pino florir
abre os teus sonhos ao vento
porque é tempo de partir."

Recomendo-a para miúdos, pois é de leitura fácil, as rimas ficam no ouvido, as ilustrações muito boas e recordam assim conhecimentos que vão adquirindo nas aulas de História ou de Estudo do Meio. Recomendo-a também para graúdos porque as rimas de Manuel Alegre têm uma musicalidade notável, abordam momentos da nossa História que nos deixam com o orgulho em alta e porque não é possível ficarmos indiferente ao apelo final da obra, presente na estrofe que transcrevi no parágrafo anterior.

NOTA – 08/10 (a nota reflete a minha opinião)

        
         Sinopse
         Plano Nacional de Leitura
Livro recomendado para o 6º ano de escolaridade, destinado a leitura orientada.

Um belo poema sobre os Descobrimentos, no primeiro livro para a infância de Manuel Alegre, que mereceu o Prémio António Botto 1998. Ilustração de Afonso Alegre Duarte.

A ilha das quatro estações, de Marta Coelho


Ficha técnica
TítuloA ilha das quatro estações
Autora – Marta Coelho
Editora – Clube do Autor
Páginas – 420
Datas de leitura – de 08 a 11 de agosto de 2017

Opinião
Do cais da rotina, das leituras exigentes e que reclamam uma atenção e uma entrega sem reservas embarquei em direção a uma ilha dividida em quatro zonas que correspondem a quatro estações, preparadas para receber os leitores e sobretudo a jovens a braços com problemas, que aí se refugiem e tentem “aceitar os ventos da mudança” para que possam finalmente abraçar a vida e voar.
A ilha das quatro estações é uma obra que encaixa na perfeição no rótulo de literatura juvenil. Chegou à estante como um bónus, uma espécie de “recebes dois quando pediste apenas um”, pois veio na companhia da obra que li antes, as duas gentilmente oferecidas pela editora Clube do Autor. É de autoria de Marta Coelho, até hoje, uma autora que desconhecia por completo, mas que, segundo a informação bibliográfica presente numa das abas laterais, pertenceu à equipa de autores que escreveu algumas séries juvenis e telenovelas. Conta, tal como referi no parágrafo anterior, a viagem e estada de alguns jovens na Ilha das Quatro Estações, um projeto que visa ajudá-los, através de uma terapia ocupacional, a superarem problemas das mais variadas índoles.
Catarina, Santiago, Misha e Rute têm praticamente a mesma idade e estão na ilha com o mesmo objetivo – fechar a porta (quem sabe definitivamente) ao lado escuro, aos demónios pessoais que os atormentam e que não lhes permitem desfrutar de uma vida que mal começou. Ingressados na ilha ou por traumas, perdas ou por serem vítimas de violência, os quatro acolhem-se uns aos outros e, num ápice, transformam-se em amigos inseparáveis. Partilham alojamento, partilham as horas de trabalho e partilham confissões. Todos são belos, todos são altruístas, todos são ótimos companheiros e ótimos confidentes e todos são dignos de compaixão, pois carregam fardos intensamente dolorosos. São personagens que nos falam ao coração, ao nosso lado mais emotivo e puxam pela nossa lágrima fácil (pelo menos puxou pela minha que está sempre prestes a cair!). Aliam-se de forma simbiótica ao discurso da autora, composto por doses certas de lamechice e por frases e expressões embebidas, por um lado, de otimismo, de encorajamento, de sentimentos à flor da pele, de borboletas no estômago e, por outro, de dor, escuridão, luto, angústia, prostração e desistência.
Uma narrativa de jovens e para jovens. Escrita de forma simples, mas muito certeira. Passada numa ilha que parece demasiado irreal, povoada, porém, por protagonistas que padecem de dores e problemas tipicamente juvenis e atuais. Uma narrativa que encerra deixando no ar muitas questões sem respostas e abre a possibilidade de uma sequela. Uma narrativa que se nos aninha no peito, nos abraça, nos embala como uma canção romântica e que apenas exige que mantenhamos a porta dos sentimentos escancarada. Uma narrativa ideal para intervalar com narrativas mais densas e mais tortuosas e para levar no saco de praia.
Gostei e aconselho a quem se quiser recuar no tempo e recordar as dores e as paixões da juventude, a quem estiver ainda a saborear os docemente turbulentos anos da juventude ou a quem estiver a precisar de mergulhar em doses “quase industriais” de lamechice.

Agradeço a gentileza da editora que me enviou esta obra em troca da correspondente leitura e opinião.

NOTA – 07/10

Sinopse
Aqui não são permitidos telemóveis, computadores nem tablets. Só te resta viver.
Onde todos os sonhos são possíveis.
Este é o livro com que todos os jovens se conseguem identificar, uma história atual e relevante sobre os receios, as paixões, as fragilidades e a força de quatro jovens à procura de um novo rumo.
Cat sentia-se sem rumo e não queria ver ninguém. Tiago só desejava poder voltar a viver como antes. Misha isolara-se do mundo à sua volta. Rute precisava de vencer uma batalha muito dolorosa.
Os seus caminhos cruzam-se na ilha e, juntos, preparam-se para enfrentar os seus demónios pessoais. Mas há quem tenha outros planos para eles…

Será que a tua vida pode mudar quando tudo parece correr mal?

Café amargo, de Simonetta Agnello Hornby


Ficha técnica
TítuloCafé amargo
Autora – Simonetta Agnello Hornby
Editora – Clube do Autor
Páginas – 366
Datas de leitura – de 01 a 07 de agosto de 2017

Opinião
Segunda leitura do mês. Segunda obra que me foi oferecida – desta vez pela própria editora 😊
Não me muni de uma chávena de café, porque o café tem efeitos nefastos no meu sistema nervoso e na minha locomoção, mas aconselho a quem aprecie (como eu gostaria de apreciar) esta bebida negra a relaxar debaixo de um toldo, de um guarda-sol, de uma qualquer sombra, sorver devagarinho goles de café e deixar que a imaginação vos arraste até paragens mediterrâneas, mais precisamente até à ilha que se situa mesmo debaixo da “bota” italiana e por lá vagueie durante mais de meio século.
Maria é a filha mais velha de um casal siciliano que se casou por amor. Os seus pais sempre educaram os seus filhos na defesa da igualdade de deveres e direitos e, por isso, quando Pietro, homem bem mais velho, herdeiro de uma família abastada, se apaixona à primeira vista por Maria e pede a sua mão em casamento, esta é quem decide se deve aceitar a sua proposta ou não. Com pouco mais do que quinze anos, entrega-se a um matrimónio que trará mais desafogo à sua família e dar-lhe-á asas para voar, crescer como mulher e como amante. Ao lado de Pietro aprenderá as artes da sensualidade, do sexo, do amor e absorverá, como uma esponja, tudo o que o seu marido lhe transmitir sobre a história do seu país, de cidades como Roma, Nápoles, Modena ou Milão e de artefactos que o mesmo coleciona com avidez.
Assim, primeiro guiada pela mão do seu marido e gradualmente de forma independente, uma menina nascida no final do século dezanove floresce, torna-se uma mulher que brilha por si mesma, pela sua beleza abrasadora, pelo carinho e amor que devota aos seus, pelas obras que põe em marcha e pela justiça com que lida com tudo e com todos. É uma protagonista que nos conquista com uma facilidade tremenda, por quem torcemos do princípio ao fim e que queremos que seja feliz sempre. Junto dos seus filhos e junto daquele que a amou desde que uma pequenina Maria lhe pegou na mão e consolou um rapazinho derrubado pela dor de ter perdido o seu pai.
Café Amargo não é apenas uma obra com uma protagonista muito carismática. É igualmente um compêndio muito sucinto da história da Sicília, dessa ilha infelizmente associada a atividades mafiosas, mas que oferecerá ao viajante muitos, mas muitos mais atrativos para um périplo geográfico, histórico e social inesquecível, inebriante. Em mim, esta obra reforçou a vontade quase sofrida de embrenhar-me em território italiano, em respirar História por todos os seus recantos e em deixar-me embriagar pelas águas de cores quase incandescentes do Mar Mediterrâneo. Conseguimos compreender o carácter fechado e intransponível dos sicilianos e conseguimos desculpá-lo, porque a miséria, a fome, a falta de trabalho, o abuso de poder por parte dos seus conterrâneos insulares ou dos continentais endurecem qualquer um que queira uma vida justa. E finalmente enchemo-nos de vontade de passear por Palermo, pelas aldeias mais remotas e apurarmos as nossas papilas gustativas degustando variadíssimos doces que povoam a narrativa.
Resumindo, Café Amargo reúne um amontoado de aliciantes para uma leitura muito interessante. Agradará aos que buscam um bom romance histórico e agradará aos que se entregam a uma saga familiar, adoçada por uma intensa história de amor. É assim uma boa aposta por tudo o que referi e porque as páginas devoram-se a uma velocidade constante, sem nada tedioso e com um estilo e uma linguagem simples, sem barroquismos e que cumprem o objetivo.
Aconselho!

Agradeço imenso à Berta Lopes, representante da editora Clube do Autor, que muito gentilmente me enviou esta obra. Muito obrigada e espero que continuemos esta “parceria” que deveras me agrada!

NOTA – 08/10


Sinopse

Café amargo acompanha a vida de uma mulher que não se curva perante o poder masculino. O romance nasce na Sicília, mas a autora transporta-nos até muito mais longe. A protagonista é uma mulher de paixões, marcada também por vários sofrimentos que engole com altivez, como se fosse uma chávena de café amargo. A história de Maria e das suas escolhas pouco convencionais retrata uma época decisiva da Europa. Um romance histórico marcado por memórias pessoais e vividas.

As impertinências do Cupido, de Ana Gil Campos


Ficha técnica
TítuloAs impertinências do Cupido (versão e-book)
Autora – Ana Gil Campos
Editora – Coolbooks
Páginas – 112
Datas de leitura – de 29 de julho a 01 de agosto de 2017

Opinião
Para grande alegria minha, no final do mês de junho fui contactada pela autora Ana Gil Campos, informando-me que havia publicado o seu último livro e se eu estaria interessada em lê-lo.
Confesso que até aquele momento nunca havia lido nenhum livro seu nem conhecia o nome da autora. Porém, aqui estava o destino a provar-me que, por um lado, o meu cantinho na blogosfera está a atingir voos mais altos e que, por outro, há muitos autores talentosos em busca de um merecido reconhecimento e que, para o tentarem encontrar, servem-se de estratégias como oferecerem exemplares a leitores que, como eu, não rejeitam nenhuma oportunidade de leituras grátis J
Tal como referi no balanço mensal de julho, esta oferta e outras provenientes de uma editora foram motivo mais do que suficiente para interromper a maníaca ordem cronológica das minhas leituras. Sendo assim, mal terminei a obra de Ondjaki, voltei a atenção para o tablet e em dois dias concluí a narrativa que se divide em capítulos curtinhos e que permite ao leitor percorrer algumas ruas de um bairro paulista, entrar em casa de alguns dos seus habitantes e espreitar as suas vidas amorosas.
As impertinências do Cupido é um livrinho com poucas páginas, mas que está recheado de personagens. São mais de uma dezena de homens e mulheres, alguns mais novos e outros mais velhos, com mais ou menos experiência no que toca às artes do amor e que, de forma caricatural, irónica e divertida, partilham com o leitor o que buscam numa possível alma gémea, como suportam as múltiplas traições do cônjuge, como se questionam se terá valido a pena casar-se logo após a noite de núpcias ou como, estando a poucos metros da pessoa amada, lhe confessam o seu amor enviando “postando” mensagens nas redes sociais.
Depreende-se assim que o objetivo, a mensagem desta obra é retratar com que fios se tecem as relações amorosas de hoje em dia. A autora arma-se de um estilo muito fresco, leve e com travos de ironia e conduz-nos por uma realidade que de ficcionada nada tem, porque frequentemente abanei a cabeça em sinal de concordância, bufei de algum desespero ou dei uma pequena risada perante os muito verídicos exemplos da velocidade com que se parte e se sai de uma relação, com o comodismo de encontrar apenas defeitos na outra pessoa e com o quanto se tem que batalhar todos os dias, sem descanso para que uma relação, por um lado, resulte e, por outro, não caia na estagnação e nem perca a cumplicidade, o fulgor e o brilho que surge no olhar de um enamorado.
Também se depreende, através do que foi dito até aqui, que gostei de entrar pela primeira vez no mundo das letras de Ana Gil Campos. Senti segurança e maturidade na sua escrita, apreciei os seus breves apontamentos satíricos de gente comum, mas considero que os mesmos pecaram nessa brevidade, o que me impediu de me aproximar de qualquer personagem. Não foi possível criar afinidades, porque, mal estava a conhecer uma personagem, deparava-me com o final do capítulo e consequentemente com o encerro da sua história… Queria mais e não mo deram… Espero que, numa próxima obra, a autora se debruce numa narrativa mais extensa, mais complexa, com personagens também elas mais complexas. Aqui estarei para lê-la!
Resumindo, aconselho esta leitura para esta época do ano, para leitores que queiram desfrutar de algo levezinho, divertido e que lhes arranque uma ou outra risada ou um ou outro sorriso travesso.
Resta-me agradecer – e muito – a gentil oferta da autora e desejar-lhe um futuro muito risonho, que lhe possibilite seguir com a sua paixão pela escrita – talento não lhe falta – e alcançar o reconhecimento que seguramente merece.

NOTA – 07/10

Sinopse
No Itaim Bibi, um bairro nobre de São Paulo, tudo parece sereno, entregue às rotinas diárias. Sob esta aparência tranquila, porém, as vidas íntimas dos seus moradores são atravessadas por inúmeras aventuras.
Ao longo deste livro, somos convidados a espreitar à janela de cada personagem, partilhando os seus segredos e confidências, sorrindo com as suas conquistas e suspirando com as suas frustrações.

Num registo divertido, Ana Gil Campos traça um retrato plausível e cru do que são as relações amorosas nos dias de hoje, bem mais complexas e problemáticas do que um olhar menos atento consegue captar.

Balanço mensal - livros lidos e recebidos em julho


Julho recheou-se com cinco leituras, uma das quais foi em conjunto com a Isaura do Jardim de Mil Histórias e a Márcia do Planeta Márcia.
As duas primeiras leituras do mês foram uma desilusão… Tanto O sentido do fim, de Julian Barnes, como Vitória – de amor e de guerra, de Luísa Beltrão não me preencheram, o que me deixou bastante frustrada, porque a qualidade da escrita, particularmente do autor inglês, pedia mais, mas, por esta ou por outra razão, não fui capaz de me ligar a cem por cento com nenhumas das duas narrativas.
Com A música da fome, regressei ao mundo de um autor que me conquistou aquando da leitura de Estrela Errante e às leituras em conjunto com as minhas queridas companheiras destas andanças blogueiras. A experiência voltou a ser muito produtiva, com partilha de comentários e ideias, apesar da segunda obra que li de Le Clézio não ser tão intensa e resultar numa experiência mais morna.
As duas últimas leituras compensaram as desilusões que abriram o mês. Voltei a atenção de novo para a prateleira dos livros que vou adquirindo e que esperam pacientemente pela sua vez na minha maníaca ordem cronológica de leituras e resgatei A mulher-casa, de Tânia Ganho, comprada em princípios de dezembro do ano passado. Foi uma estreia no mundo desta autora portuguesa e só posso afirmar que foi uma estreia suculenta, porque aderi com entusiasmo ao estilo cuidado, sensorial e sereno de Tânia e a história de uma menina-mulher que precisava de ser abanada pela vida para compreender finalmente o seu lugar, o seu papel enquanto mulher, mãe e esposa.
Terminei julho lendo Ondjaki novamente. E novamente rendi-me a tudo que faz deste autor angolano um autor a seguir com devoção. Os transparentes levaram-me mais uma vez a Luanda, mas esta viagem foi mais crua, mais sarcástica, mais real, mais transparente que aquela que me embalou na pequenina, porém magistral narrativa de Uma escuridão bonita.
Julho foi o primeiro mês em que estive à prova, ou seja, foi o mês que se seguiu às compras na Feira do Livro de Lisboa e consequente promessa de refrear impulsos e não ceder à tentação de comprar mais livros. Sendo assim, as obras que durante estes dias caíram na estante foram oferecidas! Coincidência ou não, no mês em que o blogue comemorou mais um aniversário, recebi duas prendas, embrulhadas em e-mails, de uma autora e de uma editora que me enviaram três obras para uma futura leitura e correspondente opinião. É óbvio que fiquei extremamente feliz – tão feliz que quebrei a mania das leituras cronológicas e já li entretanto a obra As impertinências de Cupido, cedida pela sua autora, Ana Gil Campos, e estou neste momento a ler Café Amargo, de Simonetta Agnello Hornby. Esta última e A ilha das quatro Estações, de Marta Coelho foram-me enviadas pela representante da Editora Clube do Autor. A quarta obra que me ofereceram foi um regalito delicioso. El invierno en tu rostro, de Carla Montero, figurava há algum tempo na minha wishlist, é uma obra com características obesas (tem mais de setecentas páginas – tão bom!), possui uma encadernação e uma capa lindíssimas e a sua narrativa gira à volta de dois cenários bélicos terríveis – a Guerra Civil espanhola e a Segunda Grande Guerra. Traz-nos aventura, amor e guerra – que mais poderia querer?
Agradeço à autora Ana Gil Campos, à editora Clube do Autor e à minha querida Nancy (e restantes pitufinas) por terem engordado a minha estante num mês em que supostamente não deveria ter engordado.
Termino deixando-vos os links para acederem à opinião completa das obras lidas este mês:
§  O sentido do fim, de Julian Barnes
§  Vitória – de amor e de guerra, de Luísa Beltrão
§  A música da fome, de J.M.G Le Clézio
§  A mulher-casa, de Tânia Ganho
§  Os transparentes, de Ondjaki


Boas leituras e boas férias!

Os transparentes, de Ondjaki


Ficha técnica
TítuloOs transparentes
Autor – Ondjaki
Editora – Editorial Caminho
Páginas – 432
Datas de leitura – de 22 a 29 de julho de 2017


Opinião
Uma visão límpida, transparente de Angola e dos angolanos. Uma janela sem filtros, com uma localização privilegiada, que permite ao leitor passar uma temporada no centro de Luanda, convivendo com os seus habitantes, e absorver o dia-a-dia da capital mais cara do mundo.
Ondjaki voltou a surpreender-me. Depois de me ter embalado com uma mistura mágica e doce de palavras e imagens em Uma escuridão bonita, o autor angolano amarga o discurso, pincela-o com doses de realidade e traz-nos uma narrativa carregada, sofrida, que descreve, sem panos quentes, como é a sociedade angolana que povoa a capital do país. Desde um simples carteiro que preenche infinitas folhas papel de vinte e cinco linhas para que lhe atribuam uma motorizada que lhe facilite as deslocações e entregas, passando por um jovem originário do Benga, uma província vizinha de Luanda, que vende as conchas que apanha no mar para poder sobreviver, até a Odonato, um pai de família que foi despedido, ou melhor, que foi impedido de fazer o seu trabalho de funcionário público apenas porque não compactuava com esquemas e, como bem se sabe, “… em Luanda, quem não tem jeito para esquemas…” acaba sem dinheiro, passando fome e não tendo o que comer.
Estas são apenas três personagens que convivem diariamente nos corredores, escadas e apartamentos de um prédio de cujas paredes corre ininterruptamente água doce, esse líquido preciosíssimo e que escasseia nas outras casas. Todos os habitantes deste lugar com propriedades encantatórias têm as suas particularidades, as suas características únicas, mas quase funcionam como uma personagem coletiva se pensarmos e as associarmos ao retrato social do angolano típico ou estereotipado – aquele que adora comer bem e beber ainda melhor, que se desenrasca habilmente de todos os “makas” com que se depara na vida, que sente o sangue fervilhar com o belo traseiro de uma mulher e que, acima de tudo, é um ser solidário, que abre as portas de sua casa para acudir quem esteja necessitado de ajuda, nem que para isso tenha de tirar alimento da sua boca.
Esta vasta galeria de personagens não fica completa sem aquelas que retratam o outro lado de Luanda e consequentemente de Angola. Personagens que pertencem ao governo, personagens que dirigem negócios poderosíssimos e personagens que, não tendo uma profissão específica, se dedicam a qualquer “trafulhice” que lhes dê lucro fácil. É ao ler passagens que descrevem a megalomania que tomou de assalto os mais altos representantes do governo após saberem que o subsolo da capital tem jazidas de petróleo, fragmentos que põem a nu a corrupção que assola todos os escalões da vida pública angolana ou partes que se relacionam com negócios como a criação da IgrejaDaOvelhinhaSagrada, cuja saudação não é “amém”, mas sim “amééé” que o leitor assimila a principal mensagem da obra – estamos perante um retrato cru e fiel de uma sociedade, de um país que possui tudo para ser um dos países mais prósperos do mundo, mas que se afundou num círculo vicioso de materialismo, hipocrisia e principalmente corrupção.
Ondjaki traz-nos então um livro protagonizado pela sua Luanda que por sua vez está representada pelos luandenses. Mas este livro não se restringe a esse retrato social. É isso e muito mais. É um louvor à beleza do português de Angola, à riqueza do estilo do autor, um estilo carregado de poesia, de sentimento e muito encantamento. Um estilo que nesta obra me faz fechar os olhos e recordar o magistral José Saramago. Um estilo que nos abre o peito simultaneamente à ironia, ao sarcasmo, à crueza e à doçura de uma primeira paixão, à cumplicidade de um casal que conhece o âmago um do outro e à tristeza e conformismo de um homem que somente “queria comer da mão do meu governo, mas não como os governantes comem, queria comer com o fruto do meu trabalho, da minha profissão”.
Gostei muito. Quero mais de Ondjaki. E como quero mais, brevemente lerei contos seus em Os da minha rua que virá da biblioteca da terrinha passar uns dias cá em casa.

NOTA – 09/10

Sinopse
Ondjaki, o escritor angolano já bem conhecido do público por obras como o assobiador (2002), quantas madrugadas tem a noite (2004), Os da minha rua (2007), AvóDezanove e o segredo do soviético (2008), entre outros títulos, sempre colocou Angola, e em particular Luanda, de onde é natural, no centro da sua escrita. 
Com o presente romance, de novo aparece Luanda - a Luanda atual do pós-guerra, das especificidades do seu regime democrático, do «progresso», dos grandes negócios, do «desenrasca» - como pano de fundo de uma história que é um prodígio da imaginação e um retrato social de uma riqueza surpreendente. 
Combinando com rara mestria os registos lírico, humorístico e sarcástico, os transparentes dá vida a uma vasta galeria de personagens onde encontramos todos os grupos sociais, intercalando magníficos diálogos com sugestivas descrições da cidade degradada e moderna.