Ficha técnica
Título – A
mulher-casa
Autora – Tânia Ganho
Editora – Porto Editora
Páginas – 376
Datas de leitura – de 14 a 22 de julho de 2017
Opinião
Há
muito tempo que queria ler este livro. Há mesmo muito tempo. Não conhecia a
autora, ou melhor, apenas conhecia o nome de Tânia Ganho associado ao mundo da
tradução de obras literárias. Nada sabia, no entanto, sobre as suas próprias
obras literárias, aquelas que foi escrevendo e que infelizmente foram passando
despercebidas. Livros muito provavelmente com tiragens pequenas e que muito trariam,
se tivermos em conta a qualidade de A
mulher-casa, à literatura e cultura do nosso país.
Numa
das minhas frequentes visitas ao blogue da Márcia, tropecei na opinião
(fabulosa, como sempre) que escreveu sobre esta obra e não resisti a
adicioná-la de imediato à minha wishlist.
Mais tarde, tive a sorte de comprá-la a metade do preço, mas hoje sei que não
seria dinheiro deitado fora se a tivesse adquirido sem qualquer desconto, tal a
competência da autora, a frescura e riqueza da sua escrita e a empatia que
estabeleci com Mara, a protagonista.
Mara
está casada com Thomas e é mãe do pequeno Raphäel. É modista de chapéus e vê a
sua vida alterar substancialmente quando o marido aceita um emprego promissor
como “pluma” de um Ministro em ascendência no governo francês. Os três mudam-se
para Paris e instalam-se num pequeno apartamento na Escola Militar, junto do
Campo de Marte, “paredes meias” com a Torre Eiffel. Esta mudança ganha
contornos preponderantes, já que é mais uma que agita a vida de Mara sem que ela
seja a sua verdadeira protagonista – primeiro veio a maternidade, o filho fora
do seu corpo, que a esgota física e emocionalmente; depois vê-se obrigada a
deixar para trás a sua pequena cidade, a sua aldeia natal para encontrar-se, de
um dia para o outro, na capital, numa cidade que fervilha a um ritmo caótico,
onde não conhece ninguém e onde se sente cada vez mais só, apenas acompanhada
de um ser pequenino, mas que suga todas as suas forças e todos os seus minutos.
“Mara toma consciência de que, desde que se
mudaram para Paris, ela e Thomas estão a viver vidas diferentes: enquanto a
dele descreve uma curva em rápida ascensão, a dela estagnou, e a imagem dessas
duas linhas desencontradas no gráfico da existência deixa-a tristíssima.”
(pág. 53)
“O bebé anula uma parte dela, torna-a
invisível.” (pág. 91)
“Tem saudades de Thomas, Thomas antes de
Paris. Saudades de si mesma, antes de Raphäel, sabendo, porém, que se lhe tirarem
Raphäel, ela deixa de existir.” (pág. 129)
“Aos poucos está a transformar-se num dos
quadros de Louise Bourgeois, uma mulher-casa, metade edifício, metade humana,
um ser que não se percebe se está aconchegado no interior de uma toca ou
aprisionado numa jaula, uma cela de manicómio.” (pág. 142)
Como se
pode depreender pelo que referi e acima de tudo pelos excertos que aqui deixo, A mulher-casa é uma obra que se
centra na figura feminina. Todos os homens que fazem parte da vida de Mara –
marido, filho e, posteriormente, um amante – são personagens que atuam ao seu
redor, que não lhe ofuscam o protagonismo. Contudo, ela tem a perfeita noção (e
o leitor também) que a sua vida nunca será completa, inteira sem “os seus
homens”. Quer desesperadamente ser independente, sem amarras à casa, a um papel
de esposa, de mãe, uma mulher que se pode sustentar, que pode dedicar os seus
minutos apenas a si, ao seu trabalho, aos seus interesses. Mas também quer
desesperadamente ser o centro das atenções do seu marido, quer ser apaparicada,
mimada, tratada como uma princesa, quer que Thomas deixe de render vassalagens ao
Chefe e as renda apenas a ela.
Mara é
assim uma personagem muito contraditória. É o retrato das inúmeras facetas de
uma mulher, com as quais eu ou qualquer ser do sexo feminino se pode
identificar, porque uma ou outra vez já nos sentimos como Mara se sente, já
agimos como Mara age, já pensamos e sonhamos como Mara pensa ou sonha. É uma
personagem que tanto nos irrita com os seus amuos, os seus caprichos como nos
enternece com as suas fragilidades e devaneios. Entendemos as suas frustrações,
as suas revoltas, tendo, porém, consciência de que em determinados momentos nos
irá apetecer agarrá-la, agitá-la e dizer-lhe na cara que está na altura de
crescer. Enfim, é uma protagonista muito imperfeita, muito humana, que poderia,
sem dúvida, ser uma de nós ou alguém muito próximo de nós.
A mulher-casa não é, no entanto, apenas uma obra
protagonizada por uma mulher igual ou semelhante a uma de nós. É igualmente uma
obra que nos faz percorrer as ruas e espaços de Paris, sobretudo aqueles que se
situam junto a um dos seus maiores símbolos. Através de uma escrita riquíssima
em sensações e pormenores, é muito fácil viajarmos pelos espaços que rodeiam a
Torre Eiffel sem sairmos de nossa casa. Acompanhamos Mara e a sua família nas
idas ao Campo de Marte, a lojas e espaços culturais, sentamo-nos ao lado da
protagonista nos telhados do seu apartamento e absorvemos tudo o que Mara absorve
com o olhar, o olfato, a audição, o tato e até o paladar.
A
competência da autora está também presente nos conhecimentos que nos chegam
através do labor de Mara e da confeção dos seus chapéus, dos factos históricos
e políticos, dos mimos gastronómicas que saem das mãos de Mathéo e da irmã de
Mara e das sugestões culturais que assimilamos dos gostos e escapadelas da
protagonista ora sozinha ora acompanhada.
Tudo
isto faz deste livro uma leitura muito saborosa. Senti-me muito bem, muito
confortável neste pequeno nicho do mundo das letras de Tânia Ganho e quero muito
conhecer outros nichos seus, porque é sempre um prazer enorme conhecer autores
novos, principalmente autores que escrevem muito bem, que têm cuidado e respeitam
a nossa língua, que trazem frescura, riqueza e inteligência num estilo recheado
de passagens suculentas, emotivas, sensoriais e com um travo bem sensual. Recomendado!
Obrigada,
Márcia, pela opinião que partilhaste comigo e com os outros. Trouxe-me até
aqui!
NOTA –
09/10
Sinopse
“Ela é
uma modista de chapéus pouco conhecida; ele, um ghostwriter de
políticos menores e personalidades duvidosas. Quando trocam a pacata
Aix-en-Provence pela imponente Paris, levam consigo toda uma bagagem de sonhos
e promessas de glamour. Porém, o crescente sucesso profissional do marido
depressa reduz Mara ao papel de mãe e dona de casa, arrastando-a para um abismo
de solidão e desencanto.
É então
que se envolve com Matthéo, um jovem chef mais novo do que ela, e de
súbito se vê enredada numa espiral de sentimentos contraditórios onde a
lealdade, a luxúria e o dever encerram as agonizantes perguntas: poderá uma
adúltera ser uma boa mãe? Poderá ela esperar que este amor proibido a salve de
si mesma e da sua falta de fé?”
Quando vi que estavas a ler este livro, receei que viesses a ter mais uma desilusão, porque li a estreia da Tânia, "Vida Sem Ti", quando o publicou, e achei-o fraquinho, com uma escrita corriqueira. Pelo que contas, deve tê-la aprimorado bastante. E o facto de ela ter vivido em Paris uns tempos deve ter contribuído para essa atmosfera que referes. Ainda bem!
ResponderEliminarPaula
Sim, foi uma boa leitura levezinha, mas com uma escrita primorosa e uma trama que se segue com bastante interesse. Gostei. Se puderes arrisca, nem que seja para teres um termo de comparação. Depois dizes-me o que achaste!
EliminarBeijinhos!
Olá Ana,
ResponderEliminarJá há muito que queria ler algo da autora. Agora nem se fala. Mais um para a lista :) Ela nunca acaba.
Beijinhos e boas leituras
Eheheheh! Nós gostamos tanto de listas gigantescas ;)
EliminarAconselho, acho que vais gostar muito!
Beijinhos e leituras com muito sabor!