Quarta-feira, 07 de janeiro de 2015
RELEITURA
Sinopse
Framboise regressa à
pequena cidade onde nasceu, na província francesa, e abre aí um restaurante que
rapidamente se torna famoso, graças às receitas de um velho caderno que
pertencera à sua mãe. Essa espécie de diário contém igualmente uns estranhos
apontamentos cuja decifração lançará uma nova luz sobre os dramáticos
acontecimentos que marcaram a infância da protagonista nos dias já longínquos
da ocupação nazi. Framboise recorda os sabores e os sentimentos da sua
infância, numa França marcada pela dor e pela penúria da guerra, e muito
especialmente um episódio que marcou a vida da família e constitui, para ela, a
perda definitiva da inocência. Agora, já no Outono da vida, chegou a hora de
enfrentar a difícil verdade.
Opinião
Primeira leitura do novo ano. Ou melhor, primeira releitura
do novo ano. E de uma autora que me é muito querida – Joanne Harris.
Cinco quartos de
laranja é talvez a minha obra preferida desta
autora. Não consigo explicar muito bem porquê, já que possui os mesmos
ingredientes de tantas outras, como o famosíssimo Chocolate e correspondentes volumes da trilogia homónima ou
mesmo A Praia Roubada – uma protagonista
que foge de um passado conturbado, que se “refugia” na cozinha, na magia,
conforto e prazer que retira da confeção de receitas passadas de geração em
geração e que demonstra em tudo o que faz que está disposta a lutar contra o
mundo, se tal for necessário. Framboise Dartigen é realmente o reflexo de tudo
isto e, na minha opinião, de muito mais. É uma personagem complexa, sofredora,
dorida, enraivecida, torturada por um passado carregado de lembranças pungentes
e que condicionaram a sua vida até ao momento presente. E é uma personagem a quem,
de imediato, estendi a mão. Para, mesmo perante a sua esquivez e olhar
desconfiado, mostrar compreensão, solidariedade. Empatia.
Cinco quartos de
laranja está dividido em cinco partes e os seus
capítulos fazem-nos viajar do passado para o presente e vice-versa.
Apresentam-nos, através de Framboise (protagonista e narradora), a família
Dartigen, composta pela mãe Mirabelle e pelos seus três filhos – Cassis, o mais
velho, Reine-Claude e Framboise, a mais nova. Nos dias da ocupação nazi, vivem
numa quinta situada junto às margens do rio Loire e perto da aldeia de Les
Laveuses. O pai Yannick havia sido morto pelos alemães na frente da guerra e a
sua morte ditou uma transformação na vida da sua família, pois fez desaparecer
o elemento pacificador, aquele que ainda ia conseguindo aplacar os ataques de
fúria e desespero de Mirabelle.
Desde o início da obra somos confrontados com uma imagem que
não deixa dúvidas – o ambiente vivido na quinta Dartigen é tenso, carregado de
fúrias acumuladas, de medos, de silêncios cortados por ordens, ameaças e de
sentimentos de desprezo, ódio, insegurança, … Contudo, tudo isto é
contrabalançado pelos aromas e sabores deliciosos da comida que, com tanto
amor, a seca, distante, fria e rígida Mirabelle confeciona para os seus e para
vender no mercado das aldeias próximas. A sua cozinha está assim povoada de
duas realidades opostas – por um lado, o aconchego que emana do fogão sempre
aceso e da comida aí feita e, por outro, uma mesa onde se sentam uma adulta e
três crianças que se agridem com palavras, com olhares, com gestos, que só
sabem lidar dessa forma entre eles…
Perante o ambiente sufocante que vivem dentro das quatros
paredes, as crianças procuram refúgio fora delas. E é o rio Loire que lhes
providencia esse refúgio. É nas suas margens que Cassis, Reine e sobretudo
Framboise passam o seu tempo livre, mergulhando, saltando dos ramos mais altos,
pescando e criando jogos em que se desafiam e desafiam constantemente a força e
os elementos mais traiçoeiros do rio. Será igualmente junto do Loire que a
nossa protagonista viverá os melhores e os piores momentos da sua infância,
aqueles que moldarão o seu carácter e marcarão definitivamente a perda da sua
inocência… Aqueles que talvez tenham feito com que Framboise nunca mais se
tenha dirigido ao rio desde que regressou, já com mais de sessenta anos, à sua
aldeia natal, à sua casa, à sua quinta…
Voltando ao que referi no início desta
opinião, o que determinou a minha vontade de reler Cinco quartos de laranja foi
a certeza de que uma sua segunda leitura não me defraudaria. E realmente não me
defraudou. Tornei a estender a mão a Framboise; a estar a seu lado; a saborear
a liberdade proporcionada pelo rio Loire; a maquinar com ela todos os
estratagemas para que essa liberdade não lhe fosse tirada; a dar-lhe força e determinação
para confrontar os irmãos e principalmente a mãe; a comungar com a sua
desesperada busca por migalhas de amor, de atenção, de confiança, de afeto; a
ampará-la nas descobertas que o presente e a herança da mãe lhe ofereceram para
encerrar, de uma vez por todas, as portas do passado e, mais do que tudo,
estendi-lhe a mão e sorri de contentamento por compreender que Framboise deixou
de resistir (“Resistir é como nadar contra a corrente, é cansativo e inútil”) e
deixou-se abrir os braços à esperança, aos dias vindouros, ao que aquele que penso que
simboliza o quinto quarto de laranja lhe poderá trazer de sabor e deleite à sua
vida J
Por tudo isto, só posso concluir
dizendo que vale a pena embrenharem-se na leitura deste saboroso livro, que,
tal como as laranjas, nos mostra que a vida pode ter momentos ácidos, mas que
estes sempre se misturarão e serão suplantados pela doçura do que nos faz
feliz!
NOTA - 9/10
NOTA - 9/10
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