Segunda-feira, 12 de janeiro de 2015
Sinopse
Uma
ilha, um amor adolescente, uma fantasia, um mito e uma seca torturante. A visão
mágica da vida de uma comunidade de pescadores nas Ilhas Canárias.
O Ano da Seca decorre na Ilha Menor
- retrato da ilha canária de El Hierro -, onde uma seca desesperante greta quer
a geografia insular, quer as almas dos seus habitantes: enquanto os vulcões
ardem, explodem os sentimentos feridos de personagens debruçadas sobre o abismo
das paixões, sobre o segredo profundo dos seus corações exauridos até ao
limite.
Romance coral onde cruzam os seus destinos dois amantes demasiado jovens, um visionário que escreve nas paredes, um cão apaixonado até ao tutano, e mesmo a presença fantasmagórica de um bebé morto que ameaça todos os habitantes da ilha... Com uma força expressiva verdadeiramente surpreendente, Víctor Álamo de la Rosa afirma-se como um dos narradores mais singulares da recente literatura espanhola. O inusitado desenvolvimento metafórico e a perícia linguística deste romance salpicam o leitor, inundando-o de sensações. Experiência no limite, leitura inesquecível.
Romance coral onde cruzam os seus destinos dois amantes demasiado jovens, um visionário que escreve nas paredes, um cão apaixonado até ao tutano, e mesmo a presença fantasmagórica de um bebé morto que ameaça todos os habitantes da ilha... Com uma força expressiva verdadeiramente surpreendente, Víctor Álamo de la Rosa afirma-se como um dos narradores mais singulares da recente literatura espanhola. O inusitado desenvolvimento metafórico e a perícia linguística deste romance salpicam o leitor, inundando-o de sensações. Experiência no limite, leitura inesquecível.
Opinião
O Ano da Seca
é uma obra estranha. Ou, como é referido num dos comentários que figura na
capa, é uma obra singular.
Tive este romance pela primeira vez nas minhas mãos num local
que dificilmente associaria a livros – uma estação de serviço da autoestrada
A1. Recordo-me que três coisas me prenderam a atenção e me fizeram de
imediato anotar o seu título no meu caderninho (aquele em que aponto os livros que
eu, o maridinho e o filhote queremos ler/comprar) – a sua fabulosa capa (tão antónima do conteúdo da obra), a
sinopse e, não menos importante, o prefácio escrito pelo meu “Saramaguinho” J
Não é novidade que, desde há uns tempos, me dedico com muito
prazer a descobrir a literatura que se faz por terras de “nuestros hermanos”. Considero, no entanto, que a proximidade
geográfica que nos une, como povos ibéricos que somos, não tem sido aproveitada
no que à literatura diz respeito. As nossas editoras “teimam” em publicar nomes
que são e serão, sem dúvida, êxitos de venda e “menosprezam” outros que ocupam
lugares cimeiros nos tops de venda espanhóis e internacionais… Compreendo que o
fator económico é quem governa a vida (muitas vezes penosa) das editoras, mas,
por outro lado, não posso deixar de sentir que nós, os leitores, é que saímos
prejudicados, sobretudo aqueles, como o meu maridinho, que não dominam a língua
espanhola para poder ler obras maravilhosas, inesquecíveis ainda não
traduzidas para português…
Tendo em conta este panorama, Víctor Álamo de la Rosa e o seu
Ano da Seca foram uma exceção.
Uma exceção talvez ajudada pelo prefácio escrito por José Saramago… Traz-nos,
como nos é referido na sinopse, uma narrativa que se desenrola num espaço
insular e que nos possibilita fazer um retrato do seu povo, tanto o pesqueiro
como aquele que se dedica à agricultura ou outros ofícios que se possam levar a
cabo naquele pedaço de rocha vulcânica “perdido” no Oceano Atlântico. Incide
sobretudo num ano em que uma terrível seca assolou a ilha e que teve
consequências nefastas na vida de todos. Obrigou uns a emigrarem
clandestinamente em busca de uma vida melhor, outros a desesperarem por umas
gotas de água potável, eles que ironicamente se viam rodeados desse líquido
precioso, mas impróprio para matar a sede!...
“Além, em direção à
última fronteira que flutua no fundo do horizonte marinho, cresce a esperança.
Mas aí está a grande troça do mundo, o riso solene de um deus sem piedade
chama-se mar, mar oceano. E é água. Não outra coisa. Justamente água, o que
também complica, impede a esperança. Toda essa água estendida sobre azul que
não se apieda desta terra que a muito custo sobrevive morrendo, lenta.
É a ausência de água o
que empurra e é um intransponível, inavegável muro de água o que impede a fuga.
É a grande partida de um pequeno deus perverso.” (pág. 24)
O seu capítulo inicial não nos deixa indiferentes, bem pelo
contrário. De uma forma crua, relata-nos o culminar de uma relação amorosa de
dois adolescentes que iremos conhecer mais aprofundadamente com o evoluir da
obra. Mostra-nos igualmente o que, na minha opinião, é uma mistura da
mentalidade de uma Espanha insular (e não só) em plena ditadura franquista e o
quanto o comportamento humano se transtorna com a influência da natureza, do
que esta nos dá e nos tira.
Aquilino e Efigenia são um exemplo perfeito de quanto o amor
entre dois adolescentes pode ser poderoso, sexual e, ao mesmo tempo, imaturo e
cheio de incertezas e de medos. É com a descrição dos seus encontros (uma
descrição bem explícita, que roça o que vai mais além do erotismo ;)) que
compreendemos o porquê de José Saramago afirmar, no prefácio, que Víctor de la
Rosa “narra com segurança de profissional,
avançando pelos difíceis caminhos da identidade erótica da paixão.” O que
une esses adolescentes é uma busca desenfreada pelo descobrir do corpo do
outro, do seu próprio corpo e dos prazeres que a visão e comunhão de dois
corpos podem desencadear na vida dos dois.
Essa busca é realmente narrada com segurança e
profissionalismo, mas considero que o autor “desleixou” a dita segurança e
profissionalismo em um determinado momento em que cai no exagero e “mancha” o
que até aí era uma narrativa de amores eróticos muito aceitável e fidedigna.
Refiro a um episódio em que o casal deixa de ser constituído apenas por seres
humanos e permite a entrada de um animal. Dispensável, no meu ponto de vista.
Completamente dispensável.
No princípio desta opinião disse que este romance é singular,
estranho. É-o porque se, por um lado, está
pontuadíssimo de passagens muito bonitas, que nos dão a perceber que o autor é
dono de um estilo intenso, lírico, que nos toca e cativa, por outro, possui ou momentos
menos felizes (como o que já mencionei), que fazem com que o fio condutor da
história se estique e se parta ou, contraditoriamente, partes que nos fazem
questionar, que nos fazem sentir que falta algo, que a continuidade se quebra,
que fica algo por explicar… Não sei se entendem o que quero afirmar com esta
última parte, mas… houve momentos de estranheza que me acompanharam ao longo da
leitura, mas que, felizmente, foram contrabalançados por outros de empatia e
dedicação.
Seria impossível terminar esta opinião sem fazer referência
ao delicioso prefácio de autoria de José Saramago e em particular a um
parágrafo com o qual me identifiquei a cem por cento:
“Apesar de tudo, os
escritores ajudam, acompanham, e é até possível que transformem algum leitor
que tenha decidido acolher-se à leitura para fazer dela um ato de amor, um
exercício de comunicação entre duas pessoas reais, autor e leitor unidos no
objeto tangível que é o livro, na vontade criadora que é a prática da leitura.”
(José Saramago)
É de deixar-nos sem palavras…
NOTA
– 6/10
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