Domingo, 12 de janeiro de 2014
Sinopse
Durante um almoço de família, Teresa,
acabada de regressar de lua-de-mel, vai à casa de banho, olha-se ao espelho,
desabotoa a blusa e mata-se com um tiro no coração. Muitos anos depois, este
segredo continua a fascinar Juan, cujo pai foi casado com Teresa antes de casar
com a sua mãe. Jovem e recém-casado, e ainda pouco adaptado à mudança de estado
civil, Juan procura descobrir o motivo por trás do suicídio de Teresa. Só uma
pessoa sabe porque Teresa o fez e guardou para si esse segredo obscuro durante
muitos anos. À medida que procura saber mais, Juan sentirá um mal-estar
crescente, uma sensação de «desastre iminente» em relação ao seu próprio
casamento. A chave desse mal-estar, porém, pode estar no passado, uma vez que o
pai haveria de se casar três vezes antes de ele poder nascer… Um romance
hipnótico sobre o segredo, o dito e o não-dito, o casamento, a suspeita e a
tentação. Uma história de corações brancos, que se vão tingindo e acabam por
ser o que nunca quiseram ser.
Este
é o segundo livro de Javier Marías que leio e cada vez estou mais empolgada com
este escritor castelhano!!! Tal como Os
Enamoramentos, Coração tão
Branco é um livro que nos prende a atenção desde o seu início – a
tragédia que ocorre no seio da família do protagonista ainda este não era
nascido possui todos os ingredientes para cativar-nos, para deixar-nos em
polvorosa porque queremos saber o que esteve por detrás do suicídio de alguém
recém-casado e supostamente feliz. Contudo, tenho que confessar que, por muito
intrigante e emocionante que seja o início da obra, o que mais me arrebatou foi
o que caracteriza o estilo deste fantástico autor, a estrutura complexa da
obra, com um desfiar, do princípio ao fim, dos pensamentos do narrador sobre
variadíssimos assuntos – casamento, relações humanas, segredos, suspeitas, o
poder das palavras. Enfim, é um romance (como o é Os Enamoramentos e espero que sejam as outras obras do autor
que ainda tenho que descobrir J)
denso, intricado, onde o pensamento e a divagação se sobrepõem à ação, mas sem
a prejudicar. Um romance que me estimula, que puxa por mim, que me faz crescer
enquanto leitora e enquanto pessoa!
Tal
como referi antes, o capítulo inicial reporta-se a um acontecimento trágico na
família do narrador e que sempre o deixou intrigado, sobretudo porque envolveu
diretamente o seu pai, que era o marido de Teresa, a mulher que se matou com
um tiro no coração. A reconstrução dos factos através de testemunhos fará assim
parte do desenvolvimento da narrativa, bem como a descrição dos primeiros
tempos de outro casamento, do casamento do protagonista que parte com a sua
mulher, Luisa, em viagem de lua-de-mel para La Habana. Será principalmente aí, na
ilha cubana, que penetraremos no íntimo do nosso narrador/protagonista e
desfrutaremos dos seus pensamentos e divagações sobre, por exemplo, o casamento,
sobre o que se segue na vida de alguém casado, de alguém que poderá dessa forma
perder a sua individualidade e/ou começar a ver a vida de outro prisma, do
prisma de quem já não será uno, mas sim a metade de uma parte… Compreenderemos
igualmente o quanto o casamento pode ser uma prisão, um grilhão que nos torna escravos,
com tal uma falta de liberdade que poderá motivar alguém a cometer um crime…
O
matrimónio do narrador servirá ainda como o exemplo perfeito do comportamento
que cada um dos seus componentes toma. Amando profundamente o outro, temos
consciência da plena importância do que partilhamos, do que dizemos, do que
fazemos, mas também do que calamos, do que escondemos, do que esquecemos, do
que fazemos por ignorar e para manipular, consciente ou inconscientemente, quem
está ao nosso lado e prometemos amor, fidelidade e sinceridade.
Sendo
assim, quando, no final da leitura, descobri o que na verdade provocou o
suicídio de Teresa, senti que o propósito desta obra magistral de Marías não
foi essa descoberta, que a mesma foi apenas algo mais que se adicionou ao que
considero a essência de Coração tão Branco
– entrar na nossa alma, perturbar (de forma positiva) a nossa forma de pensar,
de ver as coisas, fazer-nos refletir e compreender o quão complexo é o
comportamento do ser humano.
Concluo
afirmando que, sem dúvida, as obras de Javier Marías me conquistaram por
completo e que anseio, que QUERO ler os seus outros romances, os já publicados
e os que sei que irá publicar!
Não
resisto a deixar aqui algumas passagens que ilustram na perfeição a densidade e
riqueza da prosa de Marías:
“(…)
pensar no futuro, que é um dos maiores
prazeres concebíveis para qualquer pessoa, se não mesmo a salvação diária de
todos nós: pensar vagamente, errar com o pensamento direcionado para o que há
de vir ou poderá vir, perguntarmo-nos sem excessiva precisão ou interesse o que
será de nós já amanhã ou daqui a cinco anos, por aquilo que não prevemos.”
(pág. 22)
“Assim dorme (…) a maioria dos casais e
namorados, os dois voltam-se para o mesmo lado quando se dão as boas-noites, de
modo que um passa a noite inteira de costas voltadas para o outro e sabe que
está amparado por ele ou por ela, por esse outro, e, a meio da noite, ao
acordar sobressaltado por um pesadelo ou sentindo-se incapaz de conciliar o
sono (…) basta-lhe dar meia-volta e ver então, à sua frente, o rosto daquele
que o resguarda, que se deixará beijar em tudo o que no rosto for beijável (…)”
(pág. 88)
“A língua ao ouvido é também o beijo que
melhor convence a quem se mostra avesso a ser beijado, às vezes não são os
olhos, nem os dedos, nem os lábios a vencer a resistência, mas apenas a língua
que indaga e desarma, a que sussurra e beija, a que quase obriga.” (pág.
90)
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