Domingo, 10 de maio de 2015
Opinião
Não consigo afirmar que esta tenha
sido uma leitura empolgante. Não, não foi e, por isso, sinto-me desiludida e
defraudada… Mas reconheço (ainda que me custe fazê-lo) que a culpa dessa
desilusão e dessa defraudação recai em mim mesma.
A primeira vez que li algo sobre esta
obra foi no site da Alfaguara espanhola e o que me saltou à vista foram os
prémios que ganhou (um deles o mais prestigiante galardão da literatura francesa)
e o facto de a sua ação se desenrolar imediatamente após o final da Primeira
Grande Guerra. Ou seja, duas razões mais do que suficientes para que me
despertasse o interesse. Para além do mais, as críticas eram mais do que
favoráveis – “O melhor romance do ano”;
“Este romance consagra um enorme talento. A linguagem, viva, apurada e original,
é dominada na perfeição. Eis uma ficção prodigiosa que não passará despercebida”.
Ora, todos estes enormes predicados
funcionaram como uma peneira que tapa o sol, pois fizeram-me não ter em conta
alguns “pequenos pormenores” que, agora findada a leitura, compreendo terem
muita importância – o autor dedica-se sobretudo aos romances policiais (que
não são, nem de perto nem de longe, os meus favoritos) e a sua escrita prima pelo
uso de um humor negro e irónico, em narrativa algo folhetinescas… Acrescento ainda
que, apesar de se notar que Pierre Lemaitre domina com talento e mestria esse
estilo de narrativa, próxima ao leitor, com quem o narrador parece dialogar e
manter uma relação amigável e de camaradagem, o resultado final
acaba por ser, no meu ponto de vista, uma obra extensa que nos conta uma trama
não muito complexa e que se resumiria em muito menos do que as suas 487
páginas.
Iniciamos leitura com a descrição do
que acontece a três dos protagonistas numa das últimas batalhas que França
combate estando a guerra prestes a terminar. Albert Maillard e Édouard Péricourt
são companheiros de pelotão mas, até àquele momento, conheciam-se muito
superficialmente. Tudo isso muda quando Albert é salvo de uma morte caricata e
rocambolesca (estava prestes a morrer sufocado apenas com uma fina camada de
terra a cobrir-lhe o corpo) por Édouard que, com uma perna parcialmente
desfeita, rasteja para dentro do buraco onde jaz Albert e escava com as mãos a
referida camada de terra, num esforço hercúleo que terminaria da forma mais
heroica possível (pelo menos para Albert) se o seu salvamento não coincidisse
com o súbito aparecimento de um estilhaço de obus que leva consigo metade da
cara do seu salvador.
Este renascer para Albert será assim a
condenação de Édouard a uma vida penosa, de dores lancinantes, constante
reclusão e morte não só interior (de um soldado que antes da guerra era um
artista irreverente e excessivo) mas também para a sociedade e a própria
família. Sendo assim, estes dois homens que nada têm em comum veem-se ligados
por laços que envolvem segredos, experiências de vida e morte e sentimentos de
lealdade, gratidão, amizade e ressentimento, obrigação, compaixão.
A convivência pós-guerra dos dois
ocupará grande parte da narrativa, mas o narrador interlaçá-la-á com
espreitadelas pormenorizadas à vida da família Péricourt (para a qual Édouard se
“matou”) e às andanças maléficas do terceiro protagonista da obra – Henri d’Aulnay-Pradelle,
superior hierárquico de Albert e Édouard e responsável pelas reviravoltas
dramáticas que revolucionaram a vida dos dois desde o momento em que Albert cai
num buraco de obus e se vê enterrado no mesmo.
Perante estes ingredientes suculentos,
poderia dizer que não teria motivos para não embrenhar-me de cabeça na leitura
desta obra e não descansar enquanto não a tivesse “devorado”. Mas infelizmente
isso não aconteceu… Talvez pelo ritmo da narrativa ou talvez porque nenhum dos
protagonistas nos conquista – Albert é simplesmente demasiado cobarde e
indeciso para que simpatizemos com ele, Édouard arrasta-se diariamente numa
existência que para ele já não faz sentido e transforma-se num “farrapo humano”,
perdendo quase por completo a excentricidade e a irreverência que o
caracterizavam e, por fim, o carácter de Henri é tão maquiavélico que apenas
lhe consegui devotar ódio e desprezo. As outras personagens, aquelas que
poderemos considerar secundárias, também não se destacam nem pelo seu carácter,
nem pelas suas ações, a não ser, do meu ponto de vista, M. Péricourt, em quem a
carcaça de “velha raposa”, de astuto e poderoso homem de negócios se descasca
com um luto tardio pela morte de um filho com quem estava de relações cortadas.
Contudo, nem tudo me deixou
desiludida. O final da obra é, citando uma das críticas, particularmente conseguido
e as reviravoltas que acontecem ao longo da obra dão-nos ânimo para prosseguir
e querer saber como “tudo aquilo vai acabar”. Há ainda uma personagem em
particular que é tão burlesca, tão caricatural que não passa despercebida, mas,
com as suas atitudes, tem o pendor de nos fazer esquecer esse lado burlesco,
absurdo e encaixar uma “tremenda” lição de moral.
Concluindo, por um lado, tenho que
advertir que não concordo com o que se lê numa das abas do livro “Até nos vermos lá em cima é uma
singular história de cumplicidade atravessada por inesperadas cenas de amor e
momentos de puro encantamento”. Há realmente uma grande cumplicidade entre
Albert e Édouard, mas não deixa de ser uma cumplicidade pautada por sentimentos
contraditórios (lealdade versus ressentimento, por exemplo). Quanto às
inesperadas de cenas de amor ou de puro encantamento, desengane-se quem está à
espera de grandiosas atitudes de amor, que nos derretem em suspiros e lágrimas
no canto do olho. Por outro lado, não creio que o título se adeque ao conteúdo
da obra, a não ser que esteja carregado de ironia e seja mais um acréscimo, uma
pitada de humor negro a um dos fios narrativos que entrelaça a obra e que não
quero aqui desvendar. Por fim, tal como o disse no início desta opinião, não é
meu propósito dissuadir futuros leitores desta obra, porque a mesma tem
qualidade, sobretudo para quem aprecia histórias bem narradas, com uma trama
bem conseguida, pontuada por trechos humorísticos, irónicos. Não oferece aquilo
que me pareceu, a princípio, que me cativaria, mas isso deve-se ao facto de eu
não me ter informado devidamente, de não ter lido nas entrelinhas da sua sinopse
e das suas críticas… My mistake…
NOTA – 07/10
Sinopse
Sobre as ruínas da Grande Guerra, dois
sobreviventes das trincheiras, consideravelmente maltratados, desforram-se
levando a cabo uma burla tão espetacular como amoral.
Fresco de uma rara crueldade, notável
pela sua arquitetura e pelo poder de evocação, Até nos vermos lá em
cima é um grande romance sobre o pós-guerra de 1914-1918, sobre a
ilusão do armistício, a hipocrisia do Estado que glorifica os seus
desaparecidos e se desembaraça dos cidadãos vivos e incómodos e sobre a
abominação elevada a virtude. Numa atmosfera crepuscular e visionária, Pierre
Lemaitre compõe a grande tragédia dessa geração perdida com um talento e uma
segurança impressionantes.
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