Quarta-feira, 13 de maio de 2015
Opinião
As 89 páginas da novela O que nos separa dos outros por causa de
um copo de whisky (título tão extenso para um livrinho tão curto…) presenteiam-nos
com um monólogo intimista, mas cru de um professor universitário de escrita
criativa que, aos 50 anos, reflete sobre o seu presente amargurado, recorda
momentos fulcrais da sua existência passada e tem a lúcida consciência de que
essa amargura, essa neblina que envolve a sua vida não irá desvanecer-se…
Todas estas reflexões entremeadas com
recordações são feitas no balcão de um bar em Macau (onde o protagonista
decidiu refugiar-se), com um copo de whisky, que vai sendo bebido e “reabastecido”,
à medida que o professor, do qual não sabemos o nome, vai debitando o que lhe
vai na alma, como se estivesse a dialogar com a empregada de bar que o vai
servindo.
É notório que o ambiente onde se desenrola
a ação, o ritmo “acumulativo” das confissões do protagonista e o tom amargo e
ao mesmo tempo derrotado das mesmas, faz com que nos imaginemos sentados ao
lado deste professor de 50 anos, que vai emborcando copo atrás de copo e lhe
demos alguma atenção, nem que seja para tentar adivinhar o que estará por
detrás dessa desistência que as suas atitudes (mesmo sem conhecer o teor dos
seus desabafos) evidenciam. A postura do corpo, o copo que se esvazia e que
pede para encher, o olhar vago que se poisa com alguma insistência na empregada
que o serve, tudo isto, mesmo sem palavras, é mais do que suficiente para
adivinharmos que quem está ao nosso lado, neste bar igual a tantos outros, é
alguém a quem a vida não sorriu…
Patrícia Reis não é uma desconhecida cá
em casa. Temos todas as suas obras, exceto Beija-me,
pelo simples facto de que o seu estilo, de uma simplicidade enganadora, envolve-nos,
cativa-nos, por um lado, com passagens que sublinho sem parar e que me
transmitem algo, que me permitem visualizar o que me é dito pelas palavras e não
só, e por outro lado, com personagens humanas, tão próximas do que nós somos.
Este livrinho é mais uma amostra do
quanto esta escritora merece ser lida e divulgada. As suas obras estão
recheadas de talento literário, de amarguras, de dores, de recordações, de
desabafos, de fragmentos que testemunham o quanto há de mestria no lidar e “brincar”
com as palavras da nossa língua. Deixo-vos aqui alguns exemplos, não sem voltar
a recomendar a todos que é “obrigatório” embrenhar-se na obra literária desta
escritora.
“… posso
acreditar que nos amaremos ao final da noite. Não de uma forma selvagem ou
ansiosa. Não. Com calma, olhos nos olhos e o meu calor no teu calor…” (pág.
8)
“Sim,
existe a Literatura e depois o resto.” (pág. 12)
“Ler
nos lábios é uma expressão perfeita. Ler nos lábios.” (pág. 19)
“Ter
cinquenta anos deve ser isto. Perceber que já se viveu mais de metade da vida,
que as miúdas não nos apreciam do mesmo modo, que o casamento é um logro e que
até as Mães se apagam por desgosto ou egoísmo, nunca se sabe.” (pág. 22)
“… ficar
abraçado só pelo prazer de lhe cheirar a pele.” (pág. 26)
“Nós,
os homens, já fomos à Lua, retemos os cancros com tratamentos invasivos,
construímos peças de destruição maciça, voamos e mergulhamos até certo ponto e,
apesar destas conquistas, podemos ficar perplexos perante o total desconhecido
que é o outro.” (pág. 41)
“Tu
acreditas ser capaz de te despir só por palavras?” (pág. 53); “Escrever despe
as pessoas, sabias?” (pág. 63)
NOTA – 09/10 (Queria mais, 89 páginas
são pouquinhas…)
Sinopse
Trata-se
de um monólogo de um homem que está num bar em Macau. As memórias vão
derretendo como o gelo no fundo do copo. A sua interlocutora imaginária é a
mulher estranha que está do outro lado do balcão. Alguém que é apenas, como o
personagem principal, um acumular de histórias ou de banalidades. Como tudo na
vida.
Esta
novela, vencedora do Prémio Nacional de Literatura 2013-2014 da Fundação Lions
Portugal, é uma nova forma de trabalhar o discurso interno, as memórias, sempre
com a indicação de uma certa polifonia, já habitual nos livros da autora.
Também já li esta obra e comungo da tua opinião. As obras da Patrícia Reis merecem realmente serem lidas. Continuação de boas leituras e continua a dar-nos boas dicas.
ResponderEliminarMerecem mesmo! É uma das boas surpresas do nosso atual panorama literário!
EliminarObrigada pelo comentário!
Boas leituras!