Arquipélago, de Joel Neto


Ficha técnica
Título – Arquipélago
Autor – Joel Neto
Editora – Marcador
Coleção – Os Livros RTP
Páginas – 459
Datas de leitura – de 17 a 25 de junho de 2016

Opinião
É entusiasmante conhecer novos autores e mais entusiasmante é quando os mesmos são portugueses. Eleva-me o orgulho luso que me corre nas veias a patamares ainda mais altos.
Joel Neto e o seu Arquipélago aterraram cá em casa muito por causa da sinopse presente na contracapa da obra e da viagem que prometiam por terras açorianas. Como ainda não tive o privilégio de viajar fisicamente a nenhuma das nove ilhas que compõem um dos últimos paraísos na terra, achei que uma ida até à ilha Terceira através de 459 páginas recheadas de palavras seria uma alternativa bem gostosa. E não me enganei.
Do princípio ao fim, a leitura de Arquipélago envolve-nos, enreda-se em nós e subjuga-nos como o típico nevoeiro açoriano que nos impossibilita ver para além do que está ao alcance das nossas mãos. Nos oito dias em que o romance me fez companhia foi assim que me senti, atrapada num redil de paisagens geográficas, climatéricas, gastronómicas, linguísticas, místicas, míticas, históricas, sociais e pessoais. Ou seja, presenteou-me com uma viagem iniciática ao mundo terceirense, uma descoberta que vai muito para além dos conhecimentos rudimentares que possuía sobre esse “calhau” perdido nas águas profundas do Atlântico.
Fiz essa viagem iniciática acompanhando de muito pertinho os passos do protagonista, o carismático José Artur que regressa à aldeia natal depois de muitos anos afastado das terras vulcânicas que o viram nascer. Na bagagem traz um casamento desfeito, uma relação atribulada com uma aluna, outra caracterizada pelo distanciamento com o seu pai e o seu único filho e muito desencanto e apatia perante o que a vida lhe poderá trazer.
É assim um homem como tanto outros sem nada em particular que o destaque dos restantes. É o perfeito retrato de um anti-herói, mas precisamente por isso não se lhe consegue resistir. Eu pelo menos não consegui. Desde que poisa os pés na Terceira, José Artur começa lentamente a renascer. Olha, aprecia, cheira, ouve, recorda. Interpreta um duplo papel – por um lado, atua como se um turista fosse, mas por outro inicia um processo de deitar raízes, de conquistar o seu lugar numa aldeia que já foi sua e consequentemente voltar a segurar as rédeas da sua existência, uma existência que apenas parece fazer pleno sentido ali, no meio do oceano, num pedaço de terra com características muito próprias.
Aliado a esta criação de raízes está uma demanda que “escavaca” a história do arquipélago, mais propriamente da ilha Terceira, que questiona verdades “inquestionáveis”, que põe em aberto, através de inúmeros indícios físicos, a hipótese de as suas terras terem sido habitadas antes de os portugueses lá terem chegado. Estão igualmente tradições, ritos únicos, que harmonizam homem e natureza, que ditam regras sociais que recordam outros tempos e que aliam a ancestralidade aos finais do século XX e quem sabe princípios do século XXI.
Arquipélago é então isto, mas é ainda muito mais. É uma obra extraordinariamente bem escrita, povoada por personagens moldadas pela paisagem que as rodeia, por uma vida carregada de inconstâncias, de reviravoltas repentinas e de uma melancolia ou acomodação tão semelhantes ao clima açoriano. Nomeio aquelas que mais me tocaram – Luísa, tão inatingível e tão cativante; Elias Mão-de-Ferro, que carrega uma vida de dor e de sofrimento; José Guilherme, avô de José Artur e que nos conquista pela sua retidão e sentido do dever; La Salete, que nos amansa com a sua presença e nos conforta os sentidos e a alma através dos pratos que confeciona; André, filho de José Artur, uma surpresa de responsabilidade e maturidade e finalmente Maria Rosa, filha de Luísa, comparsa de José Artur nas suas aventuras hortícolas e que me derreteu desde o primeiro contacto que tive com ela.
Este romance é ainda um hino ao que de mais genuíno tem a ilha Terceira – as suas iguarias gastronómicas (é humanamente impossível não salivarmos com as descrições magistralmente olfativas e gustativas que o autor faz da redescoberta culinária de José Artur na modesta sala do “tasco” do “Cabrinha”, pai de La-Salete) e a sua língua, um português mais antigo, digamos mais original, e temperado com americanismos e regionalismos.
Por fim, este romance é, na minha opinião, a confirmação de Joel Neto enquanto autor, pois, para além do que já foi referido, Arquipélago está maravilhosamente bem escrito, bem pensado e bem estruturado. A escrita é singela, mistura partes carregadas de mistério, de ações comezinhas, de dia-a-dia de gente simples, arreigada ao seu espaço, às suas tradições e aos seus ideais, com outras mais intimistas, do foro mais privado, que nos falam de culpa, de ódio, de ressentimento, de recordações, de apaziguamentos, de amizades e de amores – de pai e filho, de neto e avô, de homem e mulher, de irmãos. Dei frequentemente comigo a sorrir, a sofrer, a ansiar por respostas, a mostrar estupefação perante mais uma reviravolta que adiava a resolução dos mistérios que apimentam a narrativa e sobretudo a partilhar com José Artur das saudades de uma infância na companhia dos avós, aquela que considero a mais memorável de todas.
Ora tudo isto é mais do que suficiente para afirmar que Joel Neto criou uma das melhores obras que li nos últimos tempos e que me vai obrigar a querer ler o que publicou e que publicará – a começar pela sua última publicação – A vida no campo.
Recomendadíssimo! Sem dúvidas!

NOTA – 10/10

Sinopse

Açores, 1980. Quando um grande terramoto faz estremecer a ilha Terceira, o pequeno José Artur Drumonde dá-se conta de que não consegue sentir a terra tremer debaixo dos pés. Inexplicável, esse mistério há-de acompanhá-lo durante toda a vida. Usando a mestria narrativa e o apuro literário dos clássicos, bem como um dom especial para trazer à vida os lugares, as gentes e a História dos Açores, Joel Neto apresenta um romance de grande fôlego, em que a ilha é também protagonista de uma epopeia corajosa e emocionante como há muito não se via na literatura portuguesa. 

8 comentários:

  1. Olá, Ana.
    Ainda não li nada escrito por este autor, mas depois das tuas palavras fiquei com "água na boca". Espero ficar deliciado como tu e obrigado por me dares a conhecer mais um autor português.

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    1. Olá! Joel Neto é realmente um autor a ler e "Arquipélago" não desilude, pelo contrário, recomendo-o vivamente! Fico à espera que o leias e me dês a tua opinião!
      Boas leituras!

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  2. Dos Açores só conheço São Miguel e adorei, de tão lindo que é. Fiquei com muita vontade de conhecer a Terceira, a vida de José Artur e a escrita de Joel Neto! Parece ser um livro mesmo bom para as tardes de verão :)

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    1. Sim , Sofia, é uma leitura maravilhosa para fazer-nos companhia em tardes de verão e para levar-nos até as paisagens lindíssimas da Terceira e a conhecer um pouco mais da sua gente!
      Terei todo o prazer em emprestar-to!
      Beijinhos!

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  3. Olá Ana,
    Que bom que é ler as tuas opiniões. Ficamos com uma ideia muito clara do livro, sem saber de mais :)
    Também tenho muita curiosidade em ler este livro.
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Olá, Isa!
      Já tinha saudades tuas!
      Obrigada pelas tuas palavras tão carinhosas!
      Quanto ao livro, sim, é mesmo muito bom! Vale a pena matar essa curiosidade:)
      Beijinhos e boas leituras!

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  4. Ana, este teu texto... que delícia! Que vontade me deu de ler este livro! :)

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    1. Obrigada, Márcia! Aconselho-te a não refrear essa vontade ;) A viagem que este "Arquipélago" nos proporciona tem mesmo um toque muitíssimo especial! Desfruta-a quando puderes!

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