Ficha técnica
Título – Contos de cães e maus lobos
Autor – Valter Hugo
Mãe
Editora – Porto
Editora
Páginas – 159
Datas de leitura – de 26
a 28 de junho de 2016
Opinião
Não
sou uma entusiasta leitora de contos – terminam mal começam. E estes de Valter
Hugo ainda mais. Contudo, que terramoto, que tsunami provocaram nas minhas
emoções! É um livrinho perfeito, que nos sucumbe e que causa aquela mossa deleitosa
que sempre busco nas leituras que me passam pelas mãos.
Não
pretendo alongar-me muito neste texto, prefiro que as palavras do autor mostrem
o quanto aquilo que saiu da sua mente romântica (“Sou muito romântico, quero melhorar o mundo.”) é fabuloso, é encantador,
é encantatório, viaja diretamente ao nosso coração e o deixa pequenino,
apertadinho e insuficiente para abraçar tantos sentimentos.
São
doze contos. Abrem com um prefácio de Mia Couto (ele também um génio em forrar
as palavras de encantamento e magia) e cada um deles é introduzido por
ilustrações de doze artistas plásticos diferentes. A encadernação, as suas
cores predominantes (cinzento escuro e vermelho) e o próprio título da obra
iludem-nos, transmitindo-nos a ideia de que o seu conteúdo estará recheado de
episódios tristes, negros, aterradores, com lobos e cães esfaimados de sangue,
de dentes e garras afiadas, prontos para abocanhar vítimas indefesas. No
entanto, são poucos os contos que apresentam canídeos como personagens em
evidência. Apenas o que se intitula “O mau lobo” nos oferece uma versão
deliciosamente enternecedora do conto infantil “Capuchinho vermelho”. Na
generalidade, são textos com protagonistas humanos, desde mães, avós, netos,
filhos, velhos, crianças que não querem crescer e outras que são obrigadas a
fazê-lo demasiado depressa, rapazes e raparigas que compreendem a importância
de afetos por gentes, coisas ou livros.
Para
que compreendam melhor o quanto esta pequena obra é um exemplo daquelas que não
queremos pôr de lado, daquelas que pintam o nosso mundo e o tornam melhor (nem
que seja no curto espaço de tempo que habitamos nela) e um exemplo do quão
genial é a arte de Valter Hugo Mãe de brincar com as palavras, de encaixá-las
em frases, parágrafos, contos, histórias que nos penetram, nos encantam e nos
fazem construir torrões docinhos de felicidade, deixo-vos alguns dos muitos
excertos que sublinhei (e como trabalhou o lápis J):
“Julgava ela que o filho se diluíra como um
cubo de açúcar incapaz de adocicar o mar.”
“Nunca secava o corpo
porque a água era agora o seu menino. Molhava-se, estendia as mãos em redor
como radares aflitos por um abraço e imaginava que a criança fazia as ondas.
Talvez as ondas fossem um modo de falar.” (conto “O menino de água”)
"Para
mim, os poemas eram rendinhas de palavras, umas e outras escolhidas para tudo
ficar bonito ou inusitado, como se fossem palavras de sair à rua para uma
cerimónia. E as suas metáforas juntavam corpos e davam beijos e falavam em
fidelidades eternas ou ansiedades. Falavam de uma vontade quase desnatural de
ver alguém. Os poemas eram bordadinhos que se estendiam sobre os corpos de quem
amava. Podiam ser uma roupa inteira, a única roupa." (conto “Querido
monstro”)
“Percebi que para dentro de nós há um longo
caminho e muita distância. Não somos nada feitos do mais imediato que se vê à
superfície. Somos feitos daquilo que chega à alma e a alma tem um tamanho muito
diferente do corpo.” (conto “O rosto”)
“Os livros não esquecem nada. Eles são para
sempre a mesma memória admirável. Esquecer livros é uma agressão à própria natureza.
Embora, na verdade, eles nem se devam importar, porque podem esperar
eternamente.”
“Gostei de colocar a hipótese de os livros
serem como bichos. Isso faz deles o que sempre suspeitei: os livros são
objectos cardíacos. Pulsam, mudam, têm intenções, prestam atenção. Lidos profundamente,
eles estão incrivelmente vivos. Escolhem leitores e entregam mais a uns do que
a outros. Têm uma preferência. São inteligentes e reconhecem a inteligência.”
“Todos os livros são
conversas que os escritores nos deixam. Podemos conversar com Camões,
Shakespeare ou Machado de Assis, mesmo que tenham morrido há tantos anos.”
“Eu disse que ler é
como caminhar dentro de mim mesmo. E é verdade. Quando lemos estamos a
percorrer o nosso interior.”
(conto “O rapaz que habitava os livros”)
"Eu
entendi que o meu avô era como todas as mais belas coisas do mundo juntas numa
só. E entendi que fazer-lhe justiça era acreditar que, um dia, alguém poderia
reconhecer a sua influência em mim e, talvez, considerar de mim algo
semelhante. Com maior erro ou virtude, eu prometi tentar."
“À noite, deito-me como uma semente na almofada
húmida do coração. Fico aninhado com a esperança de crescer esplendorosamente
por dentro do amor. No verdadeiro amor tudo é sempre vivo.” (conto “As mais
belas coisas do mundo”)
“As pessoas que se tornam leitoras ficam logo
mais espertas, até andam três centímetros mais altas, que é efeito de um
orgulho de estarem a fazer a coisa certa. Ler livros é uma coisa muito certa.”
“Todos os livros são infinitos. Começam no texto
e estendem-se pela imaginação. (…) Mesmo os contos, de pequenos não têm nada.”
(conto “Bibliotecas”)
Sinto-me
mais esperta, mais inteligente, ando alguns centímetros mais alta, cheia de
orgulho porque há mais de trinta anos que estou a fazer a coisa certa, a
caminhar dentro de mim mesma e à conversa com escritores geniais como Valter
Hugo Mãe, de quem sou uma profunda admiradora.
NOTA
– 10/10
Sinopse
A escrita encantatória
de Valter Hugo Mãe chega ao conto como uma delicadíssima forma de inclusão.
Estes contos são para todas as idades e são feitos de uma esperança profunda.
Entre a confiança e o receio, cães e lobos são apenas um símbolo para a
ansiedade perante a vida e a fundamental aprendizagem de valores e da
capacidade de amar. Entre a confiança e o receio estabelecemos as entregas e a
prudência de que precisamos para construir a felicidade.
Eu gosto muito de Contos e este livro é genial! É tudo o que escreveste, adorei esta tua opinião. Escrevi uma crónica sobre este livro que saiu na Revista Gerador #8. É também um livro muito especial para mim!
ResponderEliminarÉ realmente um livrinho muito especial e que me tocou como poucos! É Valter Hugo Mãe no seu melhor!
EliminarFiquei curiosa por ler a tua crónica!...
Deixo-te o link para o site da Gerador, link para comprar a revista #8. Desculpa desde já o abuso.
ResponderEliminarParticipei também na #5, na #6 e na #7. É um projecto fantástico. Vende-se também em alguns quiosques e livrarias.
http://gerador.eu/loja-2/revista-gerador-8/
Não se conheces, é uma revista sobre cultura portuguesa, e vale bem a pena! :)
Depois de ler este post fiquei ainda com mais vontade de ler o livro. Adoro a escrita de Valter Hugo Mãe :D
ResponderEliminarOlá!
EliminarValter Hugo é soberbo e nestes contos a sua genialidade excede-se, se é que posso afirmá-lo dessa forma!
Mergulha neles, pois será amor eterno!
Beijinhos e volta sempre!