O Leitor, de Bernhard Schlink


Ficha técnica
Título – O Leitor
Autor – Bernhard Schlink
Editora – Edições Asa
Páginas – 144
Datas de leitura – de 18 a 21 de agosto de 2016

Opinião
Com pouco mais de 140 páginas, Bernhard Schlink arrebatou a minha alma e deixou-a desconcertada, atarantada. Ainda habito esse punhado de folhas. Ainda as sinto profundamente. Ainda não fui capaz de lhes dizer adeus, de desligar. Compreendo na pele, no íntimo, o embotamento que toma conta de Michael Berg na segunda parte da obra. Também eu boio num torpor semelhante.
O Leitor é apelidado de obra-prima, de uma pérola negra. Não poderia estar mais de acordo. É de uma mente iluminada que sai um pequeno romance que encerra em si uma história de amor, uma história sobre culpa, vergonha e crimes de guerra e uma história sobre o poder que alberga quem lê, quem possui a arma do alfabetismo. Três histórias numa só. Três histórias numa pequena história. Que mais dizer?... Sublime, magistral.
A obra está (coincidência ou não) dividida em três partes. Na primeira, Michael é um adolescente de 15 anos, convalescente de uma prolongada icterícia. Quis o destino que travasse conhecimento com Hanna Schmitz, de 36 anos, com quem inicia uma relação amorosa. Será esta mulher autoritária, rude e envolta em mistério que lhe abrirá as portas do prazer carnal, dos jogos de amor e sedução. Será por ela que Michael ficará apaixonado, obcecado ao ponto de se rebaixar por um afago, por um banho a dois, por uns minutos mais entre os seus braços e pernas.
Na segunda parte do romance avançamos no tempo. Michael é um estudante universitário de Direito e ao participar num seminário que o leva a assistir a um julgamento de crimes da segunda guerra mundial, vê no banco dos réus a sua amada da adolescência. Vários sentimentos se apoderam do protagonista – repulsa, vergonha e especialmente torpor, embotamento que o obrigavam a deslocar-se todos os dias ao tribunal, a fixar os olhos em Hanna e a nada fazer, exceto estar ali, observando, escutando e esperando.
Apercebi-me de que achava a prisão de Hanna natural e certa. Não por causa da acusação, da gravidade do delito e do peso da suspeita, da qual ainda não sabia nada ao certo, mas sim porque enquanto estivesse presa estaria fora do meu mundo, fora da minha vida.” (pág. 66)
Na parte três, Michael discorre rapidamente sobre vários factos da sua vida enquanto adulto, sempre condicionada pela presença/ausência de Hanna. É nestas páginas que se acentuam todas as emoções/sensações que habilmente o narrador nos entranha com o decorrer da leitura e que encaminha a narrativa para um desfecho que me levou às lágrimas e a uma estupefacta constatação – eu fui capaz de simpatizar, de sentir carinho e compaixão por uma mulher que participou na máquina exterminadora nazi…
É por isto e muito mais que esta “obrazinha” é, no meu ponto de vista, extraordinária. É extraordinária porque nos seduz com uma história de amor entre um adolescente e uma trintona, porque nos entranhamos em Michael e experimentamos, saboreamos com ele o primeiro amor, a dependência submissa que o leva a sentir-se vivo, completo somente colado ao corpo de Hanna, ao seu cheiro, aos seus contornos. É extraordinária porque nos torna espetadores da ânsia, da vontade desenfreada dos alemães em encontrarem bodes expiatórios que paguem pelos crimes horrendos praticados pelos seus durante a segunda guerra mundial. É extraordinária porque o autor soube, de forma magistral, conceber as duas personagens principais, moldar Michael, fazê-lo crescer, tornar-se adulto e ao mesmo tempo continuar um jovem de 15 anos que nunca mais se libertou daquele primeiro amor e que cujas ações sempre estiveram condicionadas pela sombra daquela mulher, daquela criminosa que o aprisiona. É por fim uma obra extraordinária por tudo o que está por detrás do seu título – da arma que carregamos todos nós que sabemos ler e escrever, da arma que nos alforria, que nos possibilita ser donos de nós próprios, da nossa vida e, por que não, do mundo.
Creio que já disse muito. Creio, no entanto, que poderia dizer ainda muito mais. Mas não vou fazê-lo. Cabe agora a todo o leitor, a ti, ler, acariciar esta pérola negra…
A mim resta-me tentar encontrar a adaptação cinematográfica da obra. Já vi o trailer e, apesar de diferenças evidentes, suspeito que vou mergulhar de cabeça no filme e deixar-me absorver por ele… Se for tão impactante como a obra literária, vai ficar comigo. O livro ficou. Tanto ficou que me impediu (até ao momento) de ir à estante e encontrar a próxima leitura…

NOTA – 10/10 (como é óbvio…)

Sinopse
Em 1960, Michael Berg é iniciado no amor por Hanna Schmitz. Ele tem 15 anos, ela 36. Ele é apenas um adolescente. Ela é uma mulher madura, bela, sensual e autoritária. Os seus encontros decorrem como um ritual: primeiro banham-se, depois ele lê, ela escuta e finalmente fazem amor. Mas este período de felicidade incerta tem um fim abrupto quando Hanna desaparece subitamente. Michael só a encontrará muitos anos mais tarde, envolvida num processo de acusação a ex-guardas dos campos de concentração nazis. Inicia-se então uma reflexão metódica e dolorosa sobre a legitimidade de uma geração, a braços com a vergonha, julgar a geração anterior, responsável por vários crimes.

Perturbadora meditação sobre os destinos da Alemanha, O Leitor é, desde O Perfume, o romance alemão mais aplaudido nacional e internacionalmente. Traduzido em 39 línguas, foi galardoado em 1997 com os prémios Grinzane Cavour, Hans Fallada e Laure Bataillon. Em 1999 venceu o Prémio de Literatura do Die Welt.

4 comentários:

  1. Olá Ana,
    Nunca li o livro, mas vi o filme e é excelente :) Tenho a certeza que iria gostar do livro, mas quando vejo o filme antes de ler o livro normalmente já não pego no livro...manias :)
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Isa, estás a falar com outra maníaca - ainda não sofro dessa, mas... de outras bem piores ;)
      Quero muito ver o filme, para fazer a evidente comparação e porque sei que me vai agradar!
      Beijinhos e boas leituras.

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  2. Tenho este livro na minha estante, mas vou dando prioridade a outros, porque a história ainda está muito presente na minha memória, mesmo tendo visto o filme há muitos anos. Impressionou-me muito, e a Kate Winslet faz um papelão, como é costume. Acho que não vais desiludir-te.
    Paula

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    1. Olá, Paula!
      Uma das razões pelas quais quero muito ver o filme prende-se com os seus protagonistas, com os atores - sou fã dos dois e sei que não me vão desiludir!
      Dá tempo ao tempo, mas acredita que o livro é maravilhoso!
      Beijinhos e boas leituras!

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