História de um cão chamado Leal, de Luis Sepúlveda


Ficha técnica
Título – História de um cão chamado Leal
Autor – Luis Sepúlveda
Editora – Porto Editora
Páginas – 112
Datas de leitura – de 08 a 09 de dezembro de 2016

Opinião
Nutro um carinho muito especial por Luis Sepúlveda e pelos seus escritos. Não li todos os seus romances, não me apaixonei por aqueles que li com a mesma intensidade, mas abro sempre um sorriso quando agarro qualquer um deles. Porque sei que qualquer um deles que saia do engenho deste escritor chileno falará ao meu coração, à minha veia ecologista e ao meu lado que ama incondicionalmente os animais, a exuberância e magia que milagrosamente ainda pintam o nosso degradado planeta e tudo que seja genuíno, autóctone.
Admito que a compra da última obra de Sepúlveda se deveu muito ao cantinho especial que O velho que lia romances de amor ocupa na prateleira dos livros que me marcaram. Quem leu a referida obra sabe que o velho partilha o protagonismo com a ameaçada selva amazónica e com um exemplar da espécie animal que sempre me leva às lágrimas no final da narrativa. Sendo assim, não hesitei quando me vi perante a história de um cão, chamado Leal e que habita as páginas de uma pequenina obra (como é apanágio do seu autor) que está deliciosamente ilustrada. Sabia, com aquela certeza que sentimos cá dentro e que nunca nos engana, que me iria enamorar do cão, que iria querer afagar-lhe o pelo, o lombo e as orelhas e que novamente iria confirmar de que os bichos são mais puros, mais íntegros e mais leais que os humanos.
E assim foi. Sepúlveda criou uma fábula (outra para juntar-se a muitas que já criou) que nos transmite um ensinamento moral muito simples, muito fácil de entender, mas que nós, os supostos seres racionais, continuamos a não decifrar e muito menos a pôr em prática – ninguém é superior a ninguém, precisamos muitíssimo mais da natureza para sobreviver do que ela de nós e os animais, quando tratados com dignidade, fazem pelo seu amigo humano o que parece humana e animalmente impossível. E criou um bicho protagonista que nos deixa com o coração apertadinho, que encarna na perfeição o que é aquele que é considerado o melhor amigo do homem, que é verdadeiramente leal e transmissor de sentimentos e atitudes que continuam a falhar no comportamento de homens e mulheres envenenados pela doença da modernidade – o egoísmo, a avareza e o querer a todo custo ser superior ao seu semelhante.
Foi uma leitura rápida mas muito íntima, muito tocante e dorida. Saboreei intensamente a harmonia entre a beleza do texto e das imagens que o ilustram, entre a linguagem indígena e a língua dita oficial (castelhano e correspondente tradução para português), entre presente e passado e sobretudo entre os fios de amizade e amor que unem um cão e um menino, um cão e um homem.
Sepúlveda é um contador e criador de fábulas modernas que possuem tudo para que saiamos delas mais solidários, mais conscientes e mais amantes do que verdadeiramente deve prevalecer no que nos preenche como seres humanos. Por isso, há que lê-las. E nada melhor do que começar com esta lindíssima história de um cão chamado Leal.

NOTA – 09/10

(Agradeço imenso a Miguel, um dos seguidores do blogue, ter-me alertado para a existência desta entrevista a Luis Sepúlveda, que é preciosa e que todos devem ouvir. Aqui fica o link: entrevista a Luis Sepúlveda)

Sinopse

Afmau, que significa «leal e fiel» na língua mapuche, a língua da Gente da Terra, é o nome ideal para um filhote de pastor-alemão que, sobrevivendo à fome e ao frio da montanha onde nasceu, assim demonstra a sua enorme lealdade à vida. Na companhia de Aukamañ, um rapazinho mapuche, Afmau aprende a conhecer o mundo que o rodeia e a respeitar a diversidade da natureza. Porém, nem todos pensam da mesma forma: um bando de estrangeiros, com costumes estranhos aos da Gente da Terra, chega à aldeia onde Afmau vive, semeando o caos e o medo. Condenado daí em diante a uma vida de servidão e crueldade, obedecendo a uma missão odiosa – perseguir e capturar todos os que se oponham ao bando de estrangeiros –, o destino acaba por proporcionar a Afmau uma derradeira oportunidade de redenção, numa fábula maravilhosa e naturalista onde Luis Sepúlveda reflete sobre o peso do passado e da memória, a força da amizade e da solidariedade e o respeito pela Terra e por todos quantos nela habitam.

6 comentários:

  1. Ando para ler este livro na companhia da minha filha mais nova. Não sei se ouviu a entrevista que o autor deu a propósito desta obra quando nos visitou há alguns meses? Fiquei deveras emocionado, disposto a ler o livro mas sabendo que me teria que preparar para algo emocionalmente duro. Na conversa com a jornalista, o LS revelou como surgiu a inspirarão para este livro. Estava ele inserido na acção humanitária de apoio aos desalojados do sismo que ocorreu há anos no Chile, era a pessoa responsável por apoiar grupos de miúdos perdidos, e claro o que fazia era conversar e contar histórias. Chamou a atenção para a alegria generalizada de todos, pois ao que parece o trabalho (muito na altura) é considerado um bem superior para os povos indígenas do Chile. Mas um miúdo destacava-se por estar muito triste. o LS consegui perceber que o problema tinha sido a polícia ter-lhe apreendido um cão pastor alemão por ser improvável que um miúdo pobre tivesse um cão de raça, e terá suposto que ele o teria pilhado após o terramoto. LS tentou animar o menino, dizendo-lhe que o que ele sentia era uma coisa muito bonita que se chamava lealdade, e o seu cão onde quer que estivesse sentiria o mesmo. Ao que parece o LS terá prometido ao miúdo que tudo faria para lhe devolver o cão, nem que fosse de uma forma diferente, através de uma história.Enfim, isto ouvido pela voz castelhana do autor na rádio foi tocante ...
    Aprecio as suas notas e escolhas de livros, já fui procurar alguns por sua culpa.
    Miguel H.

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    Respostas
    1. Bem-vindo, Miguel!
      Fiquei curiosíssima para ver esta entrevista - pode partilhar o link?
      Cada vez admiro mais Luis Sepúlveda, pelo seu lado de escritor e sobretudo pelo seu lado humano que está bem evidenciado naquilo que me contou.
      Obrigada, Miguel, pelas suas palavras carinhosas e espero que continue a visitar este meu cantinho.
      Beijinhos e leituras saborosas!

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    2. Ouvi a entrevista na rádio quando ia no carro, mas julgo ser esta aqui: http://www.rtp.pt/play/p303/e250123/ultima-edicao
      terá sido no dia 15 de setembro.

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    3. Miguel, obrigada, mesmo muito obrigada - adorei ouvir esta entrevista e ouvir Sepúlveda é mesmo saboroso! Vou partilhá-la e colocá-la abaixo da opinião, porque ninguém pode ficar sem ouvi-la!

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  2. Há muitos anos que não leio Sepúlveda, tendo sido sua ávida leitora na casa dos vinte. Foi bom "ter ouvido" falar dele outra vez!
    Paula

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