Ernestina, de J. Rentes de Carvalho


Ficha técnica
TítuloErnestina
Autor – J. Rentes de Carvalho
Editora – Quetzal Editores
Páginas – 317
Datas de leitura – de 07 a 11 de fevereiro de 2017

Opinião
Entrei no mundo de mais um autor português pela porta grande. Decidi seguir as sugestões do cunhado mais novo e de colegas de trabalho e escolhi Ernestina como “passe de livre-trânsito” para aceder e mergulhar nas histórias e na escrita de um autor que tal, como eu, veio ao mundo na cidade de Vila Nova de Gaia e viveu uma infância saltitando da casa dos pais para a casa dos avós, de cozinhas enevoadas de fumo e povoadas de mesas, bancos e cadeiras desconjuntadas para eiras onde se secava o milho, o feijão e de tanques “fundos como piscinas” para campos recém-lavrados e cuja lisura se assemelhava a colchões fofinhos, perfeitos para um número infindável de cambalhotas!
Nasci quase meio século depois de Rentes de Carvalho. Não tenho, como é óbvio, recordações iguais às suas. Mas junto-me a ele, aceno em concordância e sorrio quando fala com enlevo do impacto que causa a vista que temos da cidade do Porto a partir de Gaia, regresso à infância e relembro a azáfama nos dois tabuleiros da ponte Luís I, os autocarros cor-de-laranja da STCP, a alegria infinita que me percorria todinha quando a minha mãe me levava ao Porto, a percorrer as ruas da Baixa em busca de umas calças ou de um casaco ou a familiaridade que me fazia sentir dona de tudo quando, já universitária, saltitava da Praça da Batalha, da Rua 31 de Janeiro para a Rotunda da Boavista ou para Rua do Campo Alegre ou me aventurava até à Foz.
Tal como J. Rentes de Carvalho, nasci em espaço urbano, mas passei quase toda a minha infância no meio de campos, animais, uvas, milho, batatas, pinhais, terra. Cresci despreocupada, rodopiando entre a cozinha da avó, as casas de tios e o campo. Fui amada no meio de gente que não sabia ler, mas que me parecia ter toda a sabedoria do mundo. Levei tabefes, comi numa cozinha onde reinava o fogão a lenha, o fumo e gatos que nasciam uns atrás dos outros. Em resumo, tal como Rentes de Carvalho, não trocaria a minha infância por nenhuma deste mundo, porque a desfrutei de forma saudável (apesar do pó, da terra e do fumo), pura, tranquila e na companhia de uns avós que ainda hoje me fazem uma falta tremenda.
Sendo assim, por tudo o que mencionei, não se torna difícil adivinhar que esta leitura foi especial. Foi especial não só pelo conteúdo da narrativa, mas igualmente pela forma como o autor nos conta muitas etapas da sua vida e da vida dos seus. Num estilo, numa prosa despreocupada, fluída, humorística e sem qualquer tipo de renitências, em Ernestina entramos, como se hóspedes muito bem-vindos fôssemos, no dia-a-dia da família do seu autor, antes e depois de ter nascido e compreendemos que Rentes de Carvalho é como qualquer um de nós, que a sua família, a sua vida, as suas recordações são iguais a tantas outras.
Não há muito mais a dizer. Foi uma leitura especial, emocional, que despoletou saudades, nostalgias, sorrisos e um grande orgulho por ser de onde sou e por ter tido uma infância mágica!
Recomendo. Leiam Ernestina e conheçam Rentes de Carvalho!

NOTA – 09/10


Sinopse
Ernestina é mais do que um romance autobiográfico ou um volume de memórias de famílias ficcionadas. É um fresco de Trás-os-Montes, dos anos 1930 aos anos 1950, um romance que transcende o relato regionalista e que transpôs fronteiras, transformando-se num fenómeno editorial na Holanda.
Ernestina é também o nome da mãe do autor e da intrépida protagonista deste livro. Sobre ela, J. Rentes de Carvalho disse: «Mãe de um só filho, a sua vida, que foi uma de tristeza, amargura e terrível solidão, dava um livro. Escrevi-lho eu. E a sua morte quebra o último elo carnal que me ligava à terra onde nasci. Felizmente são ainda muitos os laços que a ela me prendem.»

6 comentários:

  1. Olá Ana,
    Falas com tanta ternura e carinho deste livro que qualquer um vai querer ler!! Eu pelo menos vou querer ler :) Acreditas que nunca li nada dele?!? Enfim...sou uma leitora muito incompleta. Mas estou a trabalhar para mudar isso ;)
    Ainda bem que gostaste.
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Isaura, foi uma leitura muito pessoal, o que resultou no texto que escrevi. Não sei se terá o mesmo impacto nas outras pessoas, mas acho que deves arriscar.
      Somos todos leitores muito incompletos... eu também não havia lido nada dele até agora. E há tantos autores que desconheço!
      Beijinhos e leituras muito saborosas.

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  2. ADOREI este teu post. Muito lindo e muito (re)vivido. Ler livros e amá-los é muito isto...beijinhos.

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    1. Obrigada, querida Sofia!
      Sim, é mesmo muito isto e é por causa desse amor que não largo os livros por nada deste mundo!
      Beijinhos!!

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  3. Um texto tão bonito...
    Também é um autor que quero conhecer.
    Paula

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    1. Obrigada, Paula!
      Eu também quero continuar a conhecê-lo!
      Beijinhos!

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