Ficha técnica
Título – A
ridícula ideia de voltar a ver-te
Autora – Rosa Montero
Editora – Porto Editora
Páginas – 176
Datas de leitura – de 09 a 13 de maio de 2017
Opinião
Em
fevereiro deste ano li pela primeira vez Rosa Montero e apaixonei-me por esta
escritora espanhola. Ao encerrar a leitura de Amantes e Inimigos (podem consultar a correspondente opinião
aqui), disse para mim mesmo que finalmente havia encontrado a perfeita
companhia feminina para a outra “deusa” das letras espanholas que me abalroa
sempre que leio algo que sai das suas mãos – tive assim a certeza de que Rosa
Montero iria sentar-se lado a lado da “minha” Almudena Grandes e percebi também
que teria que ter acesso a outras obras suas.
Tenho o
hábito, como o tem qualquer livrólico que se preze, de carregar para todo o
lado o livro que estou a ler no momento. E é óbvio que também o carrego para o
trabalho, pois há que aproveitar cada momento livre para “devorar” mais umas
páginas. Este meu hábito não passa despercebido e faz com que muitas das
conversas que entabulo com colegas sejam sobre livros e correspondentes
leituras. Nos dias em que carreguei para a escola Amantes e Inimigos tive a sorte de, num momento de pausa,
estar sentada ao lado de uma colega que partilhou comigo o quanto gosta de Rosa
Montero e que não se importaria nada de emprestar-me duas das suas obras que a
haviam deixado maravilhada – A
ridícula ideia de não voltar a ver-te e A louca da casa.
Em
consequência do referido entusiasmo demonstrado pela colega, tive que abdicar
da mania das leituras por ordem cronológica. Bom, abdicar não abdiquei
totalmente (how could I?...), mas determinei
que acabaria de ler os livros que comprara em setembro do ano passado, o livrinho
que me ofereceram em outubro e antes de embarcar nas de novembro pegaria num
dos empréstimos.
Peguei
em A ridícula ideia de não voltar a
ver-te como poderia ter pegado em A
louca da casa. Quis o acaso que optasse pela obra que junta aspetos
biográficos de duas enormes mulheres que partilharam uma das maiores dores – a
de perder cedo demais (é sempre cedo demais…) o homem, o companheiro, o amigo,
o amante, aquele que estava destinado a dividir a vida connosco.
Esta
dor, uma dor verdadeira, é indizível e parece-se muito com a loucura. “O cérebro não consegue compreender que tenha
desaparecido para sempre. (…) Mas como, “não o verei mais?” Nem hoje, nem
amanhã, nem depois de amanhã, nem dentro de um ano? É uma realidade
inconcebível, que a mente rejeita: não o ver nunca mais é uma piada de mau
gosto, uma ideia ridícula.” Uma dor que embota os sentidos, que fez com que
Marie Curie desabafasse no seu diário dizendo que, um quarto de hora após
ter-se levantado relativamente tranquila, tinha outra vez vontade de “uivar como um animal selvagem”. Isto
quase um mês depois do seu marido, Pierre, ter morrido atropelado por uma
carruagem. Isto escrito por uma mulher inteligentíssima, cujo semblante
transparece (em todas as fotos que se lhe conhecem) frieza, distância e
autoritarismo, uma mulher que dedicou toda a sua vida às ciências, às
experiências, ao que se vê como exato, racional.
O
referido diário da mulher que ganhou por duas vezes o Prémio Nobel é o ponto de
partida para uma obra que reúne apontamentos de biografia, de autobiografia, de
ensaio, de memórias e de muito mais. Rosa Montero parte realmente da descoberta
desse diário e das consequentes leituras que fez de biografias de Marie Curie
para partilhar connosco a vida desta extraordinária mulher, a dor surda e
indizível pela morte repentina do marido, a extrema importância dos seus
achados para o mundo da ciência e a luta que travou ao longo da sua vida com
uma sociedade e uma mentalidade que olhavam para a mulher como um ser inferior
e destinado a afazeres domésticos e familiares. Contudo, A ridícula ideia de não voltar a ver-te não é apenas uma
obra sobre Marie Curie. É isso e muito mais. Caramba, é muito mais!
Enchi
páginas e páginas do meu caderninho de apontamentos com fragmentos, passagens e
expressões que me tocaram e agarraram. Rosa Montero, tal como já referi, sabe
como ninguém o que é perder o companheiro de uma vida. Por isso traça um
paralelismo entre a sua dor e a de Marie Curie e fá-lo de uma forma tão vívida,
tão sentida, que é impossível não sentirmos como nossa um pouco dessa dor – “… sinto falta de conhecer também o passado, a
vida de Pablo que eu não vivi. Quero saber tudo acerca dele. Se o conseguisse,
e em absoluto, seria como se ele não tivesse morrido.” “ Aqueles dias que passei com Pablo em Nova
Iorque, um mês antes de lhe terem diagnosticado o cancro, são agora uma memória
incandescente: ele estava mal e eu não sabia; o desconhecimento abrasa, o
pensamento é persecutório; a inocência de ambos antes da dor, insuportável.”
“Pablo, que pena ter esquecido que podias
morrer, que podia perder-te. Se tivesse essa consciência, ter-te-ia amado não
mais, mas melhor. Ter-te-ia dito muito mais vezes que te amava. Teria discutido
menos por tontices. Ter-me-ia rido mais. E até me teria esforçado por aprender
o nome de todas as árvores e por reconhecer todas as folhinhas. Já está. Já o
fiz. Já o disse. De facto, consola.”
Acho
que pelos fragmentos que aqui deixo dá para ter noção do quanto tenho razão ao
elevar Rosa Montero a um patamar até agora reservado apenas a uma espanhola. O
que ela põe de si, da sua visão das pessoas e do mundo, das suas convicções transborda
para uma obra que põe a nu e em completa evidência uma escrita pejada de
emoção, de sinceridade, de comunhão e de vidas vividas por gente famosa, mas
que ao fim do dia são como qualquer um de nós e que quebram e uivam de dor, que
lutam num mundo desigual e que almejam, mais do que tudo, usufruir de uma vida
feita de pequenas banalidades, de uma intimidade que é sinónima de conhecer
alguém, de possui-lo, de aceitá-lo, de amar as manias de um companheiro e
sorrir perante a imagem não muito clara que não deixa adivinhar onde começa um
e acaba o outro. Deliciosamente sublime!
Voltei
a ler o que escrevi até aqui e continuo com a sensação de que não estou a ser
capaz de fazer justiça a esta obra. Quero mesmo que quem leia esta opinião
tenha uma vontade irresistível de ler Rosa Montero, de saborear como eu a
sensação de que ela parece estar mesmo a confidenciar-nos o lado mais íntimo da
sua vida e da sua escrita, de sentir o coração a encolher e suster a respiração
perante trechos dolorosamente reais e próximos de nós. Quero mesmo que sinta o
orgulho que senti quando a autora cita Fernando Pessoa ou admite a predileção
que tem por Paula Rego. Quero mesmo que se lhe ilumine o sorriso e acene de concordância
como eu o fiz ante a inegável verdade do quanto a arte, a literatura consegue
transformar um sofrimento que nos parte a espinha numa coisa bela – “Esmagamos carvões com as mãos nuas e às
vezes conseguimos que pareçam diamantes.” Enfim, quero mesmo que leiam Rosa
Montero, que conheçam as suas letras e se apaixonam pelas mesmas. Como eu!
NOTA –
09/10
Sinopse
Quando Rosa Montero leu o
diário que Marie Curie começou a escrever depois da morte do marido, sentiu que
a história dessa mulher fascinante era também, de certo modo, a sua. Assim
nasceu A ridícula ideia de não
voltar a ver-te: uma narrativa a meio caminho entre a memória
pessoal da autora e as memórias coletivas, ao mesmo tempo análise da nossa
época e evocação de um percurso íntimo doloroso.
São páginas que falam da
superação da dor, das relações entre homens e mulheres, do esplendor do sexo,
da morte e da vida, da ciência e da ignorância, da força salvadora da
literatura e da sabedoria dos que aprendem a gozar a existência em plenitude.
Um livro libérrimo e original,
que nos devolve, inteira, a Rosa Montero de A Louca da Casa - talvez o mais famoso dos seus livros.
Querida Ana,
ResponderEliminarIsto assim não pode continuar! Cada vez que venho aqui aumento a minha wishist ;)))
Lá vou ter que ler ;)
É tão bom quando lemos um livro assim!!
Beijinhos e boas leituras
Somos mesmo tão mazinhas umas com as outras... por que será? ;)
EliminarFaz uma excursão pela tua biblioteca, pois quase de certeza encontras esta maravilha por lá!
Depois diz-me o que achaste!
Beijinhos e leituras muito saborosas!
Nunca fui de ler a última página de um livro antes do fim, mas com as tuas opiniões, não resisto à tentação e, primeiro que tudo, vou ver a pontuação. Fico logo em pulgas quando é 8 ou mais! Percebi perfeitamente por que gostaste tanto e confirmaste a ideia que eu tinha, de que a Rosa Montero é para continuar a seguir.
ResponderEliminarPaula
Não me importo nada que faças essa batotice com as minhas opiniões!...
EliminarE ainda bem que me dizes que compreendeste por que gostei tanto desta obra e por que quero seguir lendo Rosa Montero! Tive algumas dúvidas de que o tivesse conseguido, mas assim já fico mais descansada!
Obrigada e venham mais leituras deste calibre!
Hi there.
ResponderEliminarJust finished reading it. Loved it so much that I already miss it. I have to say that reading it was beautifully painful at times, though. ��
Hi!
EliminarIt's a delicious book, indeed, in spite of the painful parts, mainly the ones related to both husbands' deaths and how Mary's and Rosa's lives were torn apart after they're gone.
You have to continue reading Rosa's work. She has other beautiful books!