Esplendor, de Margaret Mazzantini


Ficha técnica
TítuloEsplendor
Autora – Margareta Mazzantini
Editora – Editorial Planeta
Páginas – 384
Datas de leitura – de 24 de fevereiro a 07 de março de 2017

Opinião
Não é fácil escrever sobre Margaret Mazzantini. Não é fácil escrever sobre o impacto que as suas obras, o seu estilo, as suas histórias, as suas personagens têm em mim desde que a descobri há mais de sete anos, com a obra Não te movas (ver opinião aqui). E não é nada, mas nada fácil transmitir aos outros o quanto esse impacto é abalroador e o quão injusto que esta autora italiana seja desconhecida para tantos e tantos e o quanto esses tantos e tantos perdem por nunca terem lido nada do que ela já escreveu.
Margaret Mazzantini é, como se pode claramente deduzir, uma das autoras da minha vida. Ocupa por mérito próprio, ao lado de José Saramago e de Almudena Grandes, um lugar no selecto grupo de escritores que me definem como leitora, que alicerçaram e refinaram os meus gostos literários e que me fazem continuar a crer que, depois de carradas de anos e devorar livro atrás de livro, há quem possua “engenho e arte” para surpreender-me, para agarrar-me, para descabelar-me e para esmurrar-me as emoções.
Até hoje li cinco obras de Mazzantini. Além da referida Não te movas, está igualmente traduzida para português aquela que considero a sua obra maestra, aquela que felizmente ou não, tenha estabelecido a fasquia demasiado alto e tenha feito com que sinta que sou demasiado exigente quando leio qualquer outra obra sua. Vir ao mundo é, sem dúvida alguma, uma das obras da minha vida e é tão, mas tão perfeita que se torna praticamente impossível nivelá-la com as demais, mesmo as que tenham saído da genialidade da sua criadora. É por isso que sinto que posso ter sido parcial ou ter atribuído apenas nove em dez valores a obras como Nadie se salva solo ou Mar de mañana
Sendo assim, começo a opinião de Esplendor remediando essa “injustiça e parcialidade”. Estive indecisa até agora sobre que nota atribuir à sua leitura. Mas acabou-se neste momento a indecisão. A sua narrativa, as suas personagens e consequente amadurecimento, a explosão visceral de sentimentos e emoções, a banda sonora que os acompanha, tudo é merecedor de nota máxima. Sim, é verdade que não estamos a falar da mesma perfeição que saboreamos em Vir ao mundo, mas na próxima vez que ler esta obra (a releitura terá que ser feita obrigatoriamente este ano – os níveis de ansiedade por mergulhar de novo na sua história assim o exigem) terei que remendá-lo, atribuindo-lhe um onze numa escala cuja nota máxima é, como sabem, um dez!
Esplendor traz-nos algo que já não via desde Não te movas. Um protagonista e narrador masculinos. Mas nada que “manche” aquilo que é apologia desta sublime autora – uma narrativa prenhe de emoções, de sentimentos, de vida, de dores, de tristezas, de sonhos concretizados e desfeitos, de ninharias e de acontecimentos marcantes, de vida, de vidas que poderiam ser perfeitamente as nossas.
Guido e Constantino conhecem-se desde crianças. Um vive no quarto andar do prédio, o outro vive na cave. Um é filho único de um casal de burgueses endinheirados, o outro é filho do porteiro que, além das funções inerentes à sua função, trata da casa dos pais de Guido quando estes se ausentam de férias. Não têm praticamente quase contacto nenhum, mas sabem da existência um do outro. À medida que crescem, vão-se aproximando, sobretudo porque acabam por pertencer à mesma turma e por partilhar uma viagem de estudo que os vai marcar para sempre.
Estamos nos anos setenta. Estamos perante dois mundos distintos. Estamos perante dois produtos desses mundos.
Guido tem uma adoração doentia pela mãe, de quem venera a beleza, mas a quem quase não vê, com quem não partilha carícias, mimos, amor. Mal dirige a palavra ao pai e vai colmatando essa ausência dividindo o tempo livre e os conhecimentos com um excêntrico tio materno. É assim uma criança e futuramente um jovem isolado, sofrido e atormentado com os seus pensamentos e demónios pessoais.
Constantino é uma personagem que, à partida, se nos afigura como mais plana. Vive com os pais e a irmã, vai guardando como relíquias os brinquedos que Guido vai deitando fora e mostra, perante os outros, uma estudada indiferença que apenas se esvai quando pratica polo aquático e sente que a relação entre ele e Guido se vai tornando mais próxima.
Dois rapazes distintos, de mundos distintos, mas que se aproximam, se apaixonam e iniciam uma relação. Homossexualidade, Itália dos anos setenta e anos oitenta, mentalidades não preparadas para lidar com um amor condenado por tudo e por todos, olhares acusadores, desconfiança, busca de privacidade, medos, preconceitos, segredos, comportamentos ditados pelo disfarce. Tudo isto era matéria mais do que suficiente para criar um cativante romance. Mas Esplendor possui isto e muito mais. Porque não posso dizer que seja um romance que aborda apenas a homossexualidade e o preconceito inerente a esse tipo de amor. E é aí que reside a genialidade de Mazzantini.
Esplendor é, como é afirmado na sinopse, um relato hipnotizante que se serve da vida destes dois homens, principalmente da de Guido para não só sentirmos como o mundo e a vida avançaram desde os anos setenta até aos dias de hoje, como para, acima de tudo, compreendermos que qualquer amor transborda de beleza, como qualquer pessoa enamorada quer estar ao lado da pessoa que ama, quer dar-lhe a mão, quer olhá-la nos olhos e ver no olhar do outro o reflexo do profundo sentimento que os une, quer sentir que esse sentimento lhe providencia a audácia e a vertigem para prosseguir e ser feliz.
Sinto-me, após o que escrevi, esvaída. E feliz. Sempre me sinto assim quando leio, falo ou escrevo sobre Mazzantini. Não sei, mais uma vez, se consegui fazer-lhe justiça, se consegui que mais leitores queiram conhecer esta autora italiana. Se tiver que implorar, faço-o, porque a causa é mais do que boa. É sublime!
Recomendadíssima esta obra. Tal como qualquer outra desta autora que infelizmente deixou de ser traduzida em Portugal… Não deixem que a língua seja um entrave. Em português têm publicadas as obras Não te movas e Vir ao mundo. As restantes estão disponíveis em inglês e em espanhol.
Quanto a Esplendor… nota máxima! Merecidíssima!
Termino partilhando outra das marcas da sublimidade desta obra – a sua banda sonora:

Nota – 10/10

Sinopse

Una luminosa historia de amor entre dos hombres se abre paso en una sociedad marcada por el prejuicio. ¿Llegará el día en el que tengamos el coraje de ser nosotros mismos? Ésta es la pregunta que se plantean los dos inolvidables protagonistas de esta novela. Dos niños, dos hombres, dos increíbles destinos. Uno es intrépido e inquieto; el otro, sufrido y atormentado. Una identidad hecha pedazos que es necesario recomponer. Una conexión absoluta que se impone, la hoja de un cuchillo en el filo del precipicio de toda una existencia. Guido y Constantino se alejan, kilómetros de distancia los separan, establecen nuevas relaciones, pero la necesidad del otro se resiste en aquel primitivo abandono que los lleva a ellos mismos al lugar en el que descubrieron el amor. Un lugar frágil y viril, trágico como la negación, ambicioso como el deseo.

10 comentários:

  1. Que texto lindo, Ana! Fiquei com uma vontade imensa de ler este livro da tua Margaret...A ver se o trago de Itália na minha próxima vez ;) Enquanto não, tive de reler as primeiras páginas do "Non ti muovere" :) beijinhos

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    1. Obrigada, querida Sofia, parece que consegui levar a cabo a tarefa de partilhar o quanto é maravilhoso o que sai do "engenho" da "nossa" Margaret!
      Acho que é uma ótima desculpa para gastares dinheiro em Itália!
      Ai o "Não te movas", que vontade de relê-lo pela segunda vez!...
      Muitos beijinhos!

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  2. Depois deste belo e cativante comentário só me resta uma solução. Começar a estudar castelhano para poder sentir metade do que sentiste. Obrigado por tão belas palavras.

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    1. Ehehehe, a literatura pode ser realmente uma bela "porta" para o estudo de línguas estrangeiras! Muito se perde neste mundo dos livros por não ser capaz de ler em outra língua que não a nossa...
      Obrigada pelo comentário docinho e volta sempre!
      Beijinhos e leituras muito saborosas! Como esta!

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  3. Não achas que é crueldade leres livros que não posso ler e ainda por cima dar-lhes nota 10?!
    Vou frequentemente à Amazon ver se já editaram mais algum dela em inglês, mas nada... Ainda dizem que o inglês é a língua franca!
    Paula

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    1. Sorry, Paula, foi crueldade bem intencionada, se é que se pode falar ao mesmo tempo de ser cruel e de ter boas intenções!
      Não tinha noção de que não estariam a publicá-la em inglês... Muito perdem os leitores... Compreendo a tua frustração e só espero que rapidamente solucionem isso, porque Mazzantini voltou em força - este livro é fenomenal!
      Beijinhos e desculpa mais uma vez!

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    2. Estava a brincar, claro. Só fico aqui a roer-me toda por não poder partilhar o teu entusiasmo. Pois, não há este nem Nessuno si Salva da Solo nem em português nem inglês, uma tristeza...
      Fico ansiosa pelo teu destaque na rubrica da Isaura.
      Bom fim de semana, Paula

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    3. Eu sei que estavas, mas ao mesmo tempo sei o quanto é triste querermos ler tanto uma obra e não podermos por causa da barreira linguística. É uma bosta...
      A ver se escrevo esse destaque o mais breve possível.
      Beijinhos e boa semana!

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  4. Olá Ana,
    Novamente mais uma novidade para os meus lados. Não conheço, mas quero muito conhecer e ler.
    Venham mais livros assim.
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Isa, será sobre esta autora que escreverei para a tua rubrica, porque pode ser que assim mais gente conheça as suas maravilhosas obras e a resgatem de um desconhecimento que me entristece muito.
      Tem só mais um bocadinho de paciência, OK?
      Beijinhos e leituras muito saborosas.

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