A breve e assombrosa vida de Oscar Wao, de Junot Díaz


Ficha técnica
TítuloA breve e assombrosa vida de Oscar Wao
Autor – Junot Díaz
Editora – Porto Editora
Páginas – 296
Datas de leitura – de 13 a 21 de março de 2017


Opinião
Esta coisa dos blogues adoça realmente os meus dias! Não só partilho com gente conhecida e anónima algo que faço com deleite, como vou cuscando blogues de outros leitores compulsivos como eu. Resultado – além da compulsividade elevada a bem mais do que ao quadrado, tenho o privilégio de travar conhecimento (maioritariamente através de comentários e mensagens) com alguns desses leitores e leitoras que não conseguem passar os seus dias sem embrenhar-se num livro.
Não é novidade, acima de tudo para os mais atentos e fieis ao blogue, que sigo com muita assiduidade os blogues da Márcia (Planeta Márcia) e da Isaura (Jardim de Mil Histórias). Há uns meses atrás decidimos arriscar numa leitura conjunta – ler o mesmo livro ao mesmo tempo. Por sugestão da Márcia, que havia acabado de ficar encantada com a leitura de uns contos de Junot Díaz, escolhemos fazê-lo com outra obra do autor dominicano – A breve e assombrosa vida de Oscar Wao.
Parti cheiinha de expectativas para este desafio. Senti-me como me sinto quando viajo e sei que vou alargar os meus horizontes. Senti-me a ganhar asas, pois estava a iniciar um projeto que, tivesse o resultado que tivesse, me encheria, seria o prenúncio de algo que quero muito que se repita. Saber que do lado de lá estariam duas pessoas que entenderiam na perfeição o quanto é “preenchedor” o ato de ler, de viajar dentro das mesmas centenas de páginas – pouquíssimas coisas se lhe podem comparar.
A breve e assombrosa vida de Oscar Wao é uma leitura impactante. Desde o seu início. Ninguém consegue, em primeiro lugar, ficar indiferente à sua linguagem oralizante, repleta de expressões vernáculas (muitas em espanhol, mas que para mim não são nada difíceis de entender) e que nos transportam para a região do Caribe, mesmo que os protagonistas vivam em Nova Iorque. Estamos constantemente a ser “atacados” por descrições cruas e satíricas e nas primeiras 52 páginas mais não fazemos do que sentir uma mistura de sentimentos que vão rapidamente da repulsa à compaixão, da simpatia à vontade de dar vazão às risadas que se acumulam na garganta. Tudo por causa do pobre Oscar, um jovem dominicano, “nerd”, “geek”, balofo, cada vez mais gordo e que não consegue de maneira nenhuma engatar uma miúda, nem sentir o seu corpo juntinho ao de uma menina. Pobrecito… Nunca se verá nem os outros o verão como um verdadeiro macho dominicano pois “O., é contra as leis da Natureza que um dominicano morra sem foder [os mais sensíveis que me perdoem, mas estou a transcrever uma citação] pelo menos uma vez.” (pág. 157)
Em segundo lugar, esta obra abre-nos a porta para uma realidade que assolou muitos dos países latino-americanos – ditaduras sangrentas e paralisantes. Na República Dominicana reinou durante anos sem fim Rafael Leónidas Trujillo Molina, uma besta como o foram outras bestas como Chávez ou ainda o é o seu doido descendente Maduro. Uma besta que aterrorizou o seu povo e que eliminou sem um pingo de remorso todos aqueles que se atreveram a murmurar algo que ele considerava ser contra si. “Era como estar no fundo de um oceano, afirmava. Não havia luz nenhuma e um oceano inteiro esmagava-vos. Mas muitas pessoas tinham-se habituado de tal modo a isso que o achavam normal, esqueciam-se que existia um mundo por cima delas.” (pág. 78) “… difícil seria exagerar o poder que o Trujillo exerceu sobre o povo dominicano e a sombra do medo que lançou sobre toda a região.” (pág. 200)
Os dominicanos, a sua religiosidade em completa simbiose com o lado pagão, carregadinho de superstições, o lado gingão dos seus homens, dos seus machos que cheiram as fêmeas à distância, os ares quentes do Caribe, tudo isto me convence cada vez mais de que a mistura explosiva de sangues europeus, latinos, africanos, indígenas resulta em comportamentos, atitudes e sentimentos levados ao extremo, à exacerbação. Gritos, cenas de pancadaria, violência gratuita, sensualidade à flor da pele e terrores que advêm de uma crença absoluta no sobrenatural – são exemplos que abundam nesta obra e que retratam o que há de mais genuíno num típico latino-americano, na sua forma de amar, estar, na sua forma de viver a vida. “Em Santo Domingo, uma história não é uma história a não ser que liberte uma sombra do sobrenatural.” (pág. 218)
Um bom livro (e este é um muito bom livro) está, além de tudo o que já mencionei, composto por personagens que se mantêm na nossa memória por mais do que o tempo que levamos a ler as suas peripécias. Oscar Wao (como os dominicanos dizem “Oscar Wilde”) provoca, como já disse, reações adversas no leitor e nos que o rodeiam. Não é fácil criar empatia com este jovem gorducho (apelidei-o de quase tudo – probrecito, desgraçado, triste…) mas o seu final, para o qual aponta o título da narrativa, é em grande e apoteótico e deixa-nos com um sorriso de triunfo nos lábios.
Em contraste com Oscar e com o seu futuro cunhado, dois homens fracos, débeis e volúveis, deparámo-nos com a sua irmã Lola (de longe a minha personagem favorita) e a sua mãe. Duas mulheres “con cojones” (perdoem-me de novo os mais sensíveis), fortes, determinadas e que, por muito que as suas vidas tenham sido madrastas, não abandonam a luta, nem que para isso se vejam obrigadas a fechar o coração ao carinho, ao amor, ao seu lado doce e quente. “É assim a vida. Toda a felicidade que juntamos para nós mesmos será varrida como se nada fosse. Se querem saber, não acredito que haja tais coisas como maldições. Acho que o que há é apenas vida. E isso basta.” (pág. 183)
Resumindo, esta experiência foi deliciosa – pela partilha de opiniões, fragmentos e outros apontamentos com a Márcia e a Isaura – e culminou com a cereja no topo do bolo, com a leitura de uma obra que nos conquistou a todas. Não lhe reservo a nota máxima apenas porque demorou um pouquinho a entranhar, ou seja, senti que as páginas iniciais e a coitadice de Oscar se estendeu mais do que devia. Mas, aparte disso, tudo o resto roça a perfeição e é impossível não nos extasiarmos com a linguagem, o ambiente, o presente e o passado da República Dominicana, o carácter dos seus habitantes e a Lola, que por si só merecia o protagonismo de uma obra.
Recomendadíssimo!

Deixo aqui o link para poderem aceder à opinião da Márcia e da Isaura – cliquem no nome de cada uma (para já ainda não está disponível a da Isaura)

NOTA – 09/10

Sinopse
Oscar Wao é enorme. E dominicano.
Gozado pelos colegas e isolado do mundo, sonha com raparigas e aventuras extraordinárias, sente vergonha por não estar à altura da reputação viril dos machos dominicanos, mas não consegue mais do que uma vida de desilusões.
Para Oscar, o drama é um fado demasiado familiar. A sua breve e assombrosa vida está marcada a ferro e fogo por uma maldição ancestral, o fukú, que, nascido em Santo Domingo, é transmitido de geração em geração, como uma semente ruim.
Alimentada pela sorte dos seus antepassados, quebrados pela tortura, pela prisão, pelo exílio e pelo amor impossível, a história de Oscar escreve-se fulgurante e catastrófica, e integra a grande História, a da ditadura de Trujillo, a da diáspora dominicana nos Estados Unidos e a das promessas incumpridas do Sonho Americano.

6 comentários:

  1. Olá querida Ana,
    Que bom que gostaste!! Fico muito contente por a nossa leitura conjunta ter corrido bem. Será a primeira de muitas :)
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Olá, minha querida!
      Sim, gostei muito por tudo - pela história e sobretudo por tê-la lido ao mesmo tempo que vocês! Foi uma experiência que quero mesmo repetir! Venham mais leituras em conjunto :)
      Beijinhos e muitas leituras em conjunto com tanto ou mais sabor do que esta!

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  2. Quando a Márcia falou dos contos do Junot Diaz, eu disse-lhe que tinha começado a ler este, mas não me tinha prendido. Pelo que dizes, se for perseverante, terei uma boa recompensa. Vou pô-lo na prateleira das segundas oportunidades, então.
    Paula

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    1. Paula, compreendo perfeitamente que não te tenha agarrado nas primeiras páginas. Tive a mesma reação, mas acredita que vale muito a pena ser perseverante! Tens mesmo que dar-lhe uma segunda oportunidade e dizer-me se valeu a pena ;)
      Beijinhos e beijinhos com muito sabor!

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  3. Olá Ana,
    Só hoje li a tua opinião, porque (finalmente) publiquei umas linhas sobre esta excelente experiência. Gostei muito do que escreveste e da nossa troca de ideias. Vamos pensar no próximo livro a três?
    Beijinhos.

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    1. Vamos, pois! Estou desejosa de repetir a experiência!
      Deixo aqui o link do que te respondi no Planeta - http://planetamarcia.blogs.sapo.pt/a-breve-e-assombrosa-vida-de-oscar-wao-732140?view=780268#t780268
      Beijinhos e leituras muito saborosas!

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