Quarta-feira, 03 de setembro de 2014
Sinopse
Retratos de família acompanha as aventuras de Ruby Lennox, nascida pouco
antes da Coroação e filha de Bunty e George Lennox, que vivem por cima de uma
loja de animais, em York. Ruby, simultaneamente narradora e protagonista, narra
a história da sua família desde os
finais do século XIX aos finais do século XX, descrevendo ainda, e com um rigor
extraordinário, não apenas a sua infância, adolescência e idade adulta, mas
também os momentos da sua conceção e nascimento.
Opinião
Li pela primeira vez este livro em 1999 e
inclusive tirei notas que, agora, com a releitura, se revelaram muito úteis. Já
não me recordava de nada da história, mas recordava-me que a sua leitura tinha
sido muito agradável e interessante...
Ora foi essa recordação que me levou a tirar
esta obra da prateleira mais alta da estante do escritório (já lá estava
"esquecido" há uns bons tempos) e arriscar uma releitura. E valeu a
pena.
Estamos perante um romance onde travamos
conhecimento com quatro gerações de uma família que podemos caracterizar como
disfuncional e ao mesmo tempo banal, porque muito do que nos é contado sobre os
seus elementos e as suas vida pode parecer-nos estranho, bizarro e vulgar,
normal.
Ruby Lennox é o membro mais novo da
família e, ao narrar a sua vida, desde, como nos é dito na sinopse, a sua
conceção até à sua fase adulta, conduz-nos ao interior de sua casa e à relação
e aos laços que a une aos seus pais, às suas irmãs e a outros elementos da
família, como as estranhíssimas gémeas Daisy e Rose, suas primas. A relação que
tem com seus pais é distinta daquela que estamos habituados a associar a
relações pais-filhos. Tanto a sua mãe como seu pai a tratam (como o fazem com
as outras filhas) com indiferença, inclusive alguma crueldade, nunca lhe
dirigem uma palavra de carinho, incentivo e estão sempre demasiado cansados,
irritados, alheados para que naquela casa reine, pelo menos, alguma paz e
sossego.
Intercalado com este presente sombrio e cheio
de desamor, Ruby, como narradora, vai-nos "oferecendo" capítulos que
intitula de "notas de rodapé". É neles que viajamos ao passado e conhecemos
as gerações anteriores desta família, sobretudo através dos seus elementos
femininos (este romance está realmente repleto de vozes femininas). E
compreendemos que a angústia, a raiva contida, o desespero, a frustração de
Alice, Nell, Bunty são sobretudo consequência de oportunidades nunca
concretizadas e do quanto essa não-concretização pesa na vida de cada uma delas...
Tudo o que foi referido até agora pode
perfeitamente fazer com que um possível leitor de Retratos de família considere que este romance está povoado
de momentos deprimentes e negativos. Mas não está. E aí é que reside a sua
mais-valia e o engenho da autora, pois a sua prosa é rica, convincente,
surpreendente, divertida, espirituosa e arrancou-me, por várias vezes, umas
boas gargalhadas!
Resumindo, ainda bem que confiei no meu
instinto e nas minhas recordações e reli este romance, porque deu-me muito gozo
fazê-lo!
Aqui ficam alguns excertos:
"No fundo, a guerra mais não fora do que uma
fonte de desilusões para Bunty. Ela perdeu algo na guerra, mas só descobriu o
que era quando já era demasiado tarde: a oportunidade de ser outra
pessoa."
"Talvez o meu conceito de amor - tão vasto como o
firmamento - não seja suficientemente abrangente para conter o comportamento
maternal autista de Bunty."
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