A mulher-casa, de Tânia Ganho


Ficha técnica
TítuloA mulher-casa
Autora – Tânia Ganho
Editora – Porto Editora
Páginas – 376
Datas de leitura – de 14 a 22 de julho de 2017


Opinião
Há muito tempo que queria ler este livro. Há mesmo muito tempo. Não conhecia a autora, ou melhor, apenas conhecia o nome de Tânia Ganho associado ao mundo da tradução de obras literárias. Nada sabia, no entanto, sobre as suas próprias obras literárias, aquelas que foi escrevendo e que infelizmente foram passando despercebidas. Livros muito provavelmente com tiragens pequenas e que muito trariam, se tivermos em conta a qualidade de A mulher-casa, à literatura e cultura do nosso país.
Numa das minhas frequentes visitas ao blogue da Márcia, tropecei na opinião (fabulosa, como sempre) que escreveu sobre esta obra e não resisti a adicioná-la de imediato à minha wishlist. Mais tarde, tive a sorte de comprá-la a metade do preço, mas hoje sei que não seria dinheiro deitado fora se a tivesse adquirido sem qualquer desconto, tal a competência da autora, a frescura e riqueza da sua escrita e a empatia que estabeleci com Mara, a protagonista.
Mara está casada com Thomas e é mãe do pequeno Raphäel. É modista de chapéus e vê a sua vida alterar substancialmente quando o marido aceita um emprego promissor como “pluma” de um Ministro em ascendência no governo francês. Os três mudam-se para Paris e instalam-se num pequeno apartamento na Escola Militar, junto do Campo de Marte, “paredes meias” com a Torre Eiffel. Esta mudança ganha contornos preponderantes, já que é mais uma que agita a vida de Mara sem que ela seja a sua verdadeira protagonista – primeiro veio a maternidade, o filho fora do seu corpo, que a esgota física e emocionalmente; depois vê-se obrigada a deixar para trás a sua pequena cidade, a sua aldeia natal para encontrar-se, de um dia para o outro, na capital, numa cidade que fervilha a um ritmo caótico, onde não conhece ninguém e onde se sente cada vez mais só, apenas acompanhada de um ser pequenino, mas que suga todas as suas forças e todos os seus minutos.
Mara toma consciência de que, desde que se mudaram para Paris, ela e Thomas estão a viver vidas diferentes: enquanto a dele descreve uma curva em rápida ascensão, a dela estagnou, e a imagem dessas duas linhas desencontradas no gráfico da existência deixa-a tristíssima.” (pág. 53)

O bebé anula uma parte dela, torna-a invisível.” (pág. 91)

Tem saudades de Thomas, Thomas antes de Paris. Saudades de si mesma, antes de Raphäel, sabendo, porém, que se lhe tirarem Raphäel, ela deixa de existir.” (pág. 129)

Aos poucos está a transformar-se num dos quadros de Louise Bourgeois, uma mulher-casa, metade edifício, metade humana, um ser que não se percebe se está aconchegado no interior de uma toca ou aprisionado numa jaula, uma cela de manicómio.” (pág. 142)

Como se pode depreender pelo que referi e acima de tudo pelos excertos que aqui deixo, A mulher-casa é uma obra que se centra na figura feminina. Todos os homens que fazem parte da vida de Mara – marido, filho e, posteriormente, um amante – são personagens que atuam ao seu redor, que não lhe ofuscam o protagonismo. Contudo, ela tem a perfeita noção (e o leitor também) que a sua vida nunca será completa, inteira sem “os seus homens”. Quer desesperadamente ser independente, sem amarras à casa, a um papel de esposa, de mãe, uma mulher que se pode sustentar, que pode dedicar os seus minutos apenas a si, ao seu trabalho, aos seus interesses. Mas também quer desesperadamente ser o centro das atenções do seu marido, quer ser apaparicada, mimada, tratada como uma princesa, quer que Thomas deixe de render vassalagens ao Chefe e as renda apenas a ela.
Mara é assim uma personagem muito contraditória. É o retrato das inúmeras facetas de uma mulher, com as quais eu ou qualquer ser do sexo feminino se pode identificar, porque uma ou outra vez já nos sentimos como Mara se sente, já agimos como Mara age, já pensamos e sonhamos como Mara pensa ou sonha. É uma personagem que tanto nos irrita com os seus amuos, os seus caprichos como nos enternece com as suas fragilidades e devaneios. Entendemos as suas frustrações, as suas revoltas, tendo, porém, consciência de que em determinados momentos nos irá apetecer agarrá-la, agitá-la e dizer-lhe na cara que está na altura de crescer. Enfim, é uma protagonista muito imperfeita, muito humana, que poderia, sem dúvida, ser uma de nós ou alguém muito próximo de nós.
A mulher-casa não é, no entanto, apenas uma obra protagonizada por uma mulher igual ou semelhante a uma de nós. É igualmente uma obra que nos faz percorrer as ruas e espaços de Paris, sobretudo aqueles que se situam junto a um dos seus maiores símbolos. Através de uma escrita riquíssima em sensações e pormenores, é muito fácil viajarmos pelos espaços que rodeiam a Torre Eiffel sem sairmos de nossa casa. Acompanhamos Mara e a sua família nas idas ao Campo de Marte, a lojas e espaços culturais, sentamo-nos ao lado da protagonista nos telhados do seu apartamento e absorvemos tudo o que Mara absorve com o olhar, o olfato, a audição, o tato e até o paladar.
A competência da autora está também presente nos conhecimentos que nos chegam através do labor de Mara e da confeção dos seus chapéus, dos factos históricos e políticos, dos mimos gastronómicas que saem das mãos de Mathéo e da irmã de Mara e das sugestões culturais que assimilamos dos gostos e escapadelas da protagonista ora sozinha ora acompanhada.
Tudo isto faz deste livro uma leitura muito saborosa. Senti-me muito bem, muito confortável neste pequeno nicho do mundo das letras de Tânia Ganho e quero muito conhecer outros nichos seus, porque é sempre um prazer enorme conhecer autores novos, principalmente autores que escrevem muito bem, que têm cuidado e respeitam a nossa língua, que trazem frescura, riqueza e inteligência num estilo recheado de passagens suculentas, emotivas, sensoriais e com um travo bem sensual. Recomendado!
Obrigada, Márcia, pela opinião que partilhaste comigo e com os outros. Trouxe-me até aqui!

NOTA – 09/10

Sinopse
“Ela é uma modista de chapéus pouco conhecida; ele, um ghostwriter de políticos menores e personalidades duvidosas. Quando trocam a pacata Aix-en-Provence pela imponente Paris, levam consigo toda uma bagagem de sonhos e promessas de glamour. Porém, o crescente sucesso profissional do marido depressa reduz Mara ao papel de mãe e dona de casa, arrastando-a para um abismo de solidão e desencanto.

É então que se envolve com Matthéo, um jovem chef mais novo do que ela, e de súbito se vê enredada numa espiral de sentimentos contraditórios onde a lealdade, a luxúria e o dever encerram as agonizantes perguntas: poderá uma adúltera ser uma boa mãe? Poderá ela esperar que este amor proibido a salve de si mesma e da sua falta de fé?”

Uma leitura para muito em breve!


Ficha técnica
TítuloCafé amargo
Autora – Simonetta Agnello Hornby
Editora – Clube do Autor
Páginas – 368

Deixo-vos a sinopse e o booktrailer de uma das minhas próximas leituras. As expetativas são elevadas, porque uma história que narra uma saga familiar ao estilo de Elena Ferrante promete ser muito suculenta!
Boas leituras!

Sinopse
O universo feminino, o estilo pormenorizado e o ambiente local que conquistaram os leitores de Elena Ferrante.
Café amargo acompanha a vida de uma mulher que não se curva perante o poder masculino.
O romance nasce na Sicília, mas a autora transporta-nos até muito mais longe.
A protagonista é uma mulher de paixões, marcada também por vários sofrimentos que engole com altivez, como se fosse uma chávena de café amargo. A história de Maria e das suas escolhas pouco convencionais retrata uma época decisiva da Europa.

Um romance histórico marcado por memórias pessoais e vividas.


3º aniversário deste cantinho saboroso!


Há exatamente três anos atrás iniciei esta viagem de partilha digital das leituras que vão preenchendo os meus dias. Há exatamente três anos atrás iniciei a medo um projeto que começou por ser só meu. Há exatamente três anos atrás iniciei um sonho que extravasou os limites do mundo onírico e se transformou numa realidade concreta, numa realidade que neste último ano cresceu, ou melhor, engordou obscenamente, atingindo números que nunca pensaria que atingiria em tão pouco tempo.
Sim, 2017 foi o ano de consagração deste cantinho. Atingimos e ultrapassámos as 100.000 visualizações, participámos em leituras conjuntas com duas queridas companheiras “blogueiras” que muito admiramos, criámos parcerias com autoras e uma editora e sobretudo continuamos a sentir e a “beber com sofreguidão” o imenso carinho e afeto de todos que nos vão acompanhando e seguindo todos os dias. Por isso, este texto de aniversário é essencialmente para todos vocês que estão desse lado, que leem as opiniões que se vão publicando aqui, que deixam os tão apreciados comentários, que anotam as sugestões e que, por sua vez, “contra-atacam” com outras. Enfim, para todos vocês que permitem que este projeto que começou pequenino, pequenino, continue a vingar, a crescer e a sonhar com viagens que já não parecem tão impossíveis, tão quiméricas como pareciam há uns meses atrás.
Muito, muito, muito obrigada por estarem desse lado, por continuarem desse lado. É indescritível o prazer que me inunda enquanto escrevo este pequeno texto que tenta, de uma forma que será sempre imperfeita, agradecer-vos o empurrão que vão dando no crescimento de um cantinho que nada mais é do que um espelho do quanto a minha vida é muito mais feliz e preenchida com os livros, as leituras, as histórias, as partilhas… Muito obrigada mesmo!

E se não é pedir muito, peço que continuem por aí, para que a partilha possa prosseguir. Obrigada!

A música da fome, de J. M. G. Le Clézio


Ficha técnica
TítuloA música da fome
Autor – J. M. G. Le Clézio
Editora – Publicações Dom Quixote
Páginas – 188
Datas de leitura – de 09 a 14 de julho de 2017


Opinião
Quase quatro meses depois, as leituras em conjunto com a Isa e a Márcia regressaram aqui ao blogue, desta vez com uma sugestão minha. Descobri Le Clézio o ano passado, com Estrela Errante (ver opinião aqui) e nunca mais consegui esquecer o turbilhão de emoções que senti ao ler a história de Esther e Nejma e o quanto me deixei embalar pelo lirismo e a magistralidade do estilo de Le Clézio. Por isso, não hesitei em sugerir que a segunda leitura que faço com as minhas queridas colegas destas andanças blogueiras fosse de uma obra deste autor francês galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 2008.
A escolha recaiu em A música da fome, também ela protagonizada por uma menina que vai crescendo ao longo da narrativa. Ethel é a única filha de Alexandre e Justine, mas é com o seu tio-avô – Monsieur Soliman – que dá longos passeios e é dele que ouve histórias que a fazem conhecer o mundo. “Ethel sente-se orgulhosa junto de Monsieur Soliman. Tem a impressão de estar na companhia de um gigante, de um homem capaz de abrir caminho em qualquer desordem do mundo.” Contudo, o seu tio-avô é um senhor idoso que adoece e morre antes de Ethel completar treze anos. Só no mundo, apesar de frequentemente ter a sua casa “atolada” de convidados dos pais, a jovem protagonista busca companhia e afetos em Xénia, companheira de escola, filha de uma refugiada russa – uma “mancha loura, um clarão” em “todo aquele cinzento”. “Finalmente encontrei uma amiga”. Será na sua companhia que Ethel desabrochará. Tudo fará para agradar à sua nova amiga e simultaneamente perderá qualquer resquício de inocência que ainda pudesse habitar em si. Compreenderá que na vida não há nada linear, que é apenas mais um peão no correspondente jogo manipulado por quem deveria ser a sua melhor amiga e por quem deveria amá-la e protegê-la incondicionalmente.
Nas páginas iniciais travamos conhecimento com uma Ethel de apenas dez anos, que segue de mão dada com Monsieur Soliman e se maravilha com tudo o que descobre ao seu lado. É uma criança que se sente acarinhada, apoiada e amparada. Porém, a morte deste tio, deste avô, deste gigante que vence tudo e todos, deixa-a só, carente, privada de afeto, de cumplicidade. Passará a ser um alvo fácil daqueles que sentem prazer em dominar, daqueles que não olham a meios para atingir os seus fins. Crescerá como pode. Verá a sua família ser despojada de praticamente todos os seus bens materiais e a ter que sobreviver à falência económica e a uma guerra que os obrigará a ser refugiados dentro do seu próprio país. Passará fome. Aceitará o amor que um jovem lhe oferecerá. Mas nunca mais recuperará a inocência, a confiança. Nunca se abrirá totalmente a ninguém, porque ninguém lhe saciará a fome, nunca ninguém lhe restituirá esses momentos mágicos e completos que experienciou nos longos passeios que dava com o seu tio-avô, nos momentos em que descobria o mundo através das histórias de Monsieur Soliman.
Quando se lê um autor pela segunda vez (ou pela terceira, quarta…), é impossível não estabelecer comparações. Como é óbvio, estabeleci-as entre Estrela Errante e A música da fome e as conclusões são evidentes – a escrita continua sublime, introspetiva, contida e digna de ser conhecida e admirada por todos. Tanto uma narrativa como a outra estão muito bem construídas, com pinceladas de História que nos tornam mais instruídos, mais conhecedores. Mas se comparo as protagonistas, afirmo sem nenhuma dúvida que o meu coração, as minhas emoções pendem para Esther e Nejma de Estrela Errante, porque não perderam totalmente a candura, a esperança, a vontade de viver, porque sofreram horrores indescritíveis e ainda mostram vida no olhar. O mesmo não se pode dizer de Ethel. É muito mais difícil criar laços com a protagonista de A música da fome. Talvez porque está seca, porque se deixa levar pela vida quase sem reagir, sem esbracejar. Talvez porque deixou há muito de sentir que pertence verdadeiramente a alguém.
Poderia assim, após o que referi até ao momento, afirmar que esta leitura fora a terceira do mês a ficar aquém das expetativas. Mas não estaria a ser completamente sincera, pois, por um lado, há algo que me prende a Ethel – compaixão, vontade de a abanar – e, por outro, o final da narrativa, o desenlace da história de Ethel que coincide com os primeiros dias do pós Segunda Guerra Mundial deixaram-me com lágrimas nos olhos, sobretudo aqueles fragmentos que remetem para a rusga e aprisionamento de judeus no Velódromo de Inverno em 1942 e consequente deportação para os campos de extermínio. Recordei outras leituras (sobretudo a da obra Chamava-se Sara) e constatei a ironia que está por detrás da proximidade entre as datas da Tomada da Bastilha – 14 de julho – e a desse episódio negro na História francesa – 16 de julho. Resumindo, uma leitura não tão poderosa como a de Estrela Errante, mas uma leitura que ainda se mantém comigo e que me levará a ler de novo Le Clézio.
Para terminar, tenho que referir que esta leitura a três foi tão saborosa como a sua antecessora, pois conduziu a uma nova partilha de ideias, apontamentos e opiniões. Todas somos unânimes em afirmar que há que repetir a experiência muito em breve, pois ler com companhia tem um gostinho bem melhor!

Deixo aqui o link para poderem aceder à opinião da Márcia e da Isaura – cliquem no nome de cada uma (para já ainda não estão disponíveis).

NOTA – 07/10

Sinopse

Ethel Brun é filha de um casal de exilados, formado por Justine e Alexandre, um homem afável e irrequieto que muito jovem deixou a ilha Maurícia e que, na alegre Paris dos anos 20 e 30, se dedica a delapidar a herança em negócios pouco recomendáveis. Na infância, o único prazer de Ethel é passear pela cidade com o seu tio-avô, o excêntrico Samuel Soliman, que sonha ir viver para o pavilhão da Índia Francesa construído para a Exposição Colonial. E, na adolescência, Ethel conhecerá algo parecido com a amizade pela mão de Xenia, uma colega de escola, vítima da Revolução Russa e que vive quase na miséria. O bem-estar de Ethel começa a resvalar quando, nas refeições que o seu pai oferece a parentes e conhecidos, se repete cada vez mais o nome de Hitler. Serão os primeiros sinais do que ameaça a família Brun: a ruína, a guerra, mas, sobretudo, a fome. Ela marcará o despertar da jovem Ethel para a dor e o vazio, mas também para o amor, num romance em torno das origens perdidas, durante uma época que culminou com um apocalipse anunciado. 

Vitória - de amor e de guerra, de Luísa Beltrão


Ficha técnica
TítuloVitória – de amor e de guerra
Autora – Luísa Beltrão
Editora – Manuscrito
Páginas – 294
Datas de leitura – de 03 a 07 de julho de 2017


Opinião
Segunda leitura do mês. Segunda leitura que não me preencheu…
Este livro veio da estante do maridinho. É um romance histórico, ambientado principalmente nos últimos anos da Primeira Grande Guerra e que, de acordo com a sinopse, prometia uma viagem entusiasmante pelos meandros da guerra e do amor. Protagonizado por Vitória, uma jovem portuguesa que decide acompanhar o marido, soldado do CEP, Corpo Expedicionário Português, na sua ida para a frente de combate, este romance que me fez estrear no mundo literário de Luísa Beltrão, permite-nos, por um lado, acompanhar o horror das trincheiras, de combates que chacinam milhares e milhares de vidas inocentes e completamente despreparadas para o combate bélico e, por outro, através de vários membros da família de Vitória, conhecer com mais detalhe o contexto político-social de Portugal desde meados e finais do século XIX até aos primeiros anos do século seguinte.
Se tivermos apenas em conta esta contextualização histórica de cores nacionais e a que abarca a Primeira Guerra Mundial, posso afirmar, sem dúvida alguma, de que gostei muito desta leitura. Recordei factos, aprendi outros e fiquei ainda com mais vontade de conhecer a zona norte de França, compreendida entre Lille, Arras, Amien, tão presente na narrativa e onde o CEP e soldados de muitos cantos do mundo se entrincheiraram como toupeiras em busca de um desenlace de uma contenda mortífera.
Contudo, se tivermos em conta a parte ficcionada e acima de tudo as personagens, então tenho que fazer um esforço enorme para encontrar algo, um pormenor que me tenha cativado. Infelizmente, excetuando o avô de Vitória, um homem de carácter forte, íntegro e cuja personalidade e consistência não deixam ninguém indiferente, não fui capaz de sentir nada mais do que indiferença e frieza por todas as outras personagens. Vitória deveria ter sido mais “apaparicada” pela autora, é uma personagem quase sem alma, a forma como nos é apresentada e como evolui ao longo da narrativa não nos aquece, não nos faz sentir compaixão dela quando sente falta dos filhos que deixou para trás para acompanhar o marido, não há chama nem calor nas relações que mantém com os mais próximos e sinceramente não entendi o porquê da autora a ter cruzado com Andrew, um soldado que dá entrada no hospital onde Vitória trabalha. Se o propósito era que essa relação entre enfermeira e paciente se transformasse num dos pontos altos da história, então creio que esse propósito falhou, porque não me fez sentir mais empatia por Vitória, não a fez crescer como personagem, como mulher, como uma jovem que poderia sentir pela primeira vez emoções vivas e não mornas.
Outro dos aspetos que contribuíram para que esta leitura não me preenchesse foi o estilo de escrita da autora. Não me senti confortável com a ligação entre ideias, entre orações, entre frases. Senti frequentemente falta de conectores, de organizadores de discurso para que este se tornasse mais fluído. Pressuponho que a autora queira aproximar a escrita à oralidade, ao discorrer do pensamento, mas, para mim, essa tentativa resulta forçada, artificial.
Somando tudo o que referi até ao momento, talvez esteja a ser um pouco intransigente, mas que a autora, a quem continuarei a respeitar, me perdoe, porque apenas gostei (e muito) da apurada investigação histórica que fez e que se reflete na contextualização epocal da narrativa. A outra parte, a ficcionada, aquela que terá que mexer comigo num romance qualquer que leia, não produziu o efeito desejado, não me aqueceu. Com muita pena minha…

NOTA – 05/10

Sinopse
Na madrugada de 4 de novembro de 1917, quando faziam exatamente cento e três dias sobre a saída de Vitória de Lisboa, Andrew dava entrada no hospital de Arras. E a vida de Vitória altera-se para sempre. Desde que entrara no cenário de guerra, um cenário onde numa questão de segundos se podia viver ou morrer, ficar louco, cego ou sem braços, Vitória aprendera que a vida nos conduz, de forma sinuosa, para constantes acasos. Chegara a França para acompanhar o marido, soldado do contingente português na Primeira Guerra Mundial, deixando para trás os filhos e a família tradicional que a moldara. Ela era apenas um elo de uma longa cadeia que vem de trás e se continua. Um acaso fá-la ingressar no corpo de enfermagem como voluntária num hospital inglês e, por outro acaso, estava de serviço naquela madrugada em que ficou incumbida de cuidar do soldado da cama sete. Um herói de guerra, médico, celebrizado nas trincheiras por salvar vidas.

Luísa Beltrão regressa à escrita com um romance poderoso de amor e de guerra. Pelos olhos de Vitória vemos passar a calamidade do conflito que assolou a Europa, conhecemos a história de uma família dividida pela guerra, através dos diálogos com Andrew questionamos o sentido da vida e das nossas expectativas. E sentimos a solidão, aquele vazio assustador que antecede a esperança. 

O sentido do fim, de Julian Barnes


Ficha técnica
TítuloO sentido do fim
Autor – Julian Barnes
Editora – Quetzal
Páginas – 152
Datas de leitura – de 29 de junho a 03 de julho de 2017


Opinião
A primeira leitura do mês não me preencheu… A escrita do autor é irrepreensível, o final é surpreendente, mas simplesmente não consegui criar laços com nenhuma personagem, muito menos com o protagonista, Tony Webster.
O sentido do fim está dividido em duas partes.
A primeira retrata a juventude do narrador e da sua pandilha. São quatro rapazes “à espera que nos soltassem para a vida”, com “fome de livros, fome de sexo”. Tony, Colin, Alex e Adrian, o último a juntar-se à pandilha, são jovens dos subúrbios, que olham com gula para o que o futuro lhes pode reservar e que vivem teorizando, discutindo, partilhando ideias e leituras, mas cuja visão da realidade pouco ou nada tem de concreto, de realizado.
Apesar de ser o mais recente elemento do grupo, Adrian apresenta-se para os restantes como sendo o mais inteligente dos quatro, como sendo aquele que provém de uma família desestruturada e, como tal, mais interessante e como sendo o que seguramente será brindado com um futuro mais promissor. Os restantes em nada se destacam uns dos outros, apenas vamos seguindo com mais detalhe o dia-a-dia de Tony porque é ele o narrador desta história.
Na segunda parte da obra saltamos para o presente – “Agora estou reformado” – e compreendemos que a vida de Tony se mantém estagnada, ou, como o próprio afirma não se desenvolvera, só se acrescentara. “Tinha havido soma – e substração – na minha vida, mas quanta multiplicação? Isso deu-me um sentimento de mal-estar, agitação.” Divorciado, mantém uma relação amigável com a ex-mulher e uma relação cordial com a filha. O resto é composto por ninharias. Uma existência cinzenta que vai ser agitada pela chegada de uma carta que o vai fazer pôr em causa muitas das certezas absolutas em cima das quais construíra os alicerces da sua vida adulta.
Como se depreende de tudo o que referi, a premissa desta obra é deveras apelativa e encaixa perfeitamente no que busco nas minhas leituras. Contudo, volto a dizer que não fui capaz de me ligar ao seu conteúdo e sobretudo às suas personagens. Tony é fraco, muito pouco ambicioso, volúvel e parece estar sempre à procura da aprovação dos outros. Adrian prometia uma lufada de ar fresco, envolvia-o uma aura de mistério e aparente desinteresse por o que os outros pensavam dele, mas sai da narrativa demasiado cedo. Veronica, a personagem feminina de mais relevo, é contraditória, provocante, bule com os nervos dos outros e dos leitores, mas chega-nos de forma insuficiente e nunca ficamos a conhecê-la verdadeiramente. Três personagens imperfeitas, humanas, mas que, pelos motivos que explanei, foram soçobrando ou, no caso de Tony, mantendo-se muito planas praticamente durante toda a narrativa, sofrendo apenas umas ligeiras mudanças no final. Um final que é surpreendente, mas que não compensa o restante. Pelo menos para mim não compensou.
Não sei se voltarei a ler Julian Barnes. A sua escrita é muito boa, há passagens de uma simplicidade e clareza memoráveis, mas se a isso não estiverem associadas personagens que cheguem até mim e com as quais estabeleça alguma ligação, será perda de tempo pegar numa outra obra sua. A ver vamos. Pode ser que alguém me sugira algum título seu que me convença a dar-lhe outra oportunidade. Fico à espera.

NOTA – 05/10

Sinopse
Tony Webster e a sua clique só conheceram Adrian Finn no fim do liceu. Famintos de livros e de sexo, e sem namoradas, viviam esses dias em conjunto, trocando afetações, piadas privativas, rumores, e mordacidades de todo o género. Talvez Adrian fosse mais sério do que os outros, e seria certamente mais inteligente. Mesmo assim juraram que ficariam amigos para o resto da vida.
Tony está agora reformado. Teve uma carreira, um casamento e um divórcio amigável. E nunca fez nada para magoar ninguém - ou pelo menos acredita nisso. Mas a chegada da carta de uma advogada desencadeia uma série de surpresas e acontecimentos inesperados que lhe vão mostrar que a memória é afinal uma coisa altamente imperfeita.
O Sentido do Fim, o mais recente romance de Julian Barnes e livro recém-galardoado com o Man Booker Prize 2011 - é a história de um homem que se confronta com o seu passado mutável.
Com marcas da literatura inglesa clássica - na apreciação do júri que o distinguiu - O Sentido do Fim constrói, com grande delicadeza e precisão, uma trama tensa, forte, e revela a mestria de um dos maiores escritores dos nossos tempos.

Balanço mensal - livros lidos e adquiridos/recebidos em junho


O balanço deste mês vai ser mais parco em palavras do que habitualmente porque os números dizem tudo o que haveria para dizer.
Li apenas quatro obras – uma releitura, uma obra infanto-juvenil, uma emprestada e outra que me possibilitou entrar pela primeira vez no mundo de uma autora portuguesa que quero continuar a conhecer.
Que dizer da releitura que já não disse na correspondente opinião? Como abordar em poucas palavras a releitura de uma das obras da minha vida, de uma narrativa que continua impregnada em mim e que sei que lerei de novo uma e outra vez? Vir ao mundo tem esse efeito. Um romance devastadoramente belo, escrito de forma magistral por Margaret Mazzantini, uma das minhas autoras.
Voltei com Tempo de descontos às leituras partilhadas com o filhote. Voltei aos relvados de futebol, às aventuras de Rafael e Rodrigo, dois jovens que amam o desporto-rei e que à custa dele vivem peripécias que fazem com que a coleção Heróis de futebol atraia miúdos e até graúdos.
Parti de uma belíssima opinião e consequente sugestão da Isa de Jardim de Mil Histórias e descobri mais um talento na nova literatura portuguesa. Li Demência, o romance de estreia de Célia Correia Loureiro e fiquei agradavelmente surpreendida com a maturidade de uma menina escritora que não tinha muito mais de vinte anos quando o escreveu. Agradou-me a sua escrita simples, mas envolvente, agradou-me a construção das personagens e agradou-me o desenrolar da narrativa. É assim uma autora em quem vale a pena continuar a apostar.
Terminei o mês de junho com mais um regresso. Desta vez regressei às letras de Rosa Montero, que tanto me haviam entusiasmado com as obras Amantes e Inimigos e A ridícula ideia de não voltar a ver-te. Usufruindo de mais um empréstimo, conheci A louca da casa, outra obra híbrida, sem um género específico (tal como a que aborda a vida de Marie Curie e da própria autora) e que nos faz penetrar no mundo dos escritores, no que os move a escrever, nas suas inseguranças, paranoias, nos seus mundos reais e imaginários e naquilo que os caracteriza como seres humanos e profissionais da escrita. Não posso dizer que tenha apreciado esta terceira obra de Rosa Montero como apreciei as suas antecessoras, mas isso não impede que queira ler mais daquilo que esta escritora espanhola já escreveu ou venha a escrever. De preferência ficção.
Retomo o que referi na introdução deste balanço porque junho foi um mês de proporções muito obesas no que diz respeito a novos habitantes da estante. Como sabem, no início do mês todos os que vivem cá em casa rumámos pela primeira vez à Feira do livro de Lisboa e de lá viemos com o coração e as sacas cheias de alegria e um prazer saboroso como poucos. A minha prateleira da estante engordou ainda mais com estes novos “pecados” que figuravam há algum tempo na wishlist:


Afirmar que todos viemos de sacas cheias não corresponde inteiramente à verdade porque, como o tempo foi escasso para perambular por todos os stands da Feira, o maridinho deu primazia aos nossos desejos (meus e do filhote) e não comprou nada para ele. Como tal, senti-me de consciência pesada praticamente o mês todo, mas consegui compensá-lo e mesmo antes de junho findar-se, presenteei-o com estas duas obras que vão direitinhas para a prateleira do N. e que não ficarão por lá muito tempo a apanhar pó:


Junho foi ainda um mês muito especial porque provou (como se eu ainda tivesse dúvidas) que estou rodeada de pessoas que me querem muito bem, que, através de um gesto de carinho e altruísmo, me fazem sentir ainda mais feliz, ainda mais sortudo. Obrigada, querida Ana Sofia, muito obrigada mesmo por me teres mimado com obras que até há poucos dias estavam na tua estante e agora estão na minha. Prometo que vou tratá-las com o apreço e cuidado que elas merecem e que, sim, que vou lê-las! Vou lê-las e vou escrever a correspondente opinião de cada uma, com a sinceridade e a emoção que ponho em cada leitura que faço!


Os números dizem tudo – junho foi preenchido com 4 leituras e preencheu a estante com nada mais, nada menos do que 12 novos habitantes!

Resta-me terminar deixando-vos os links para acederem à opinião completa das obras lidas este mês:
§  Vir ao mundo, de Margaret Mazzantini
§  Tempo de descontos, de Gerard van Gemert
§  Demência, de Célia Correia Loureiro
§  A louca da casa, de Rosa Montero

A louca da casa, de Rosa Montero


Ficha técnica
TítuloA louca da casa
Autora – Rosa Montero
Editora – Edições Asa
Páginas – 176
Datas de leitura – de 25 a 28 de junho de 2017



Opinião
Não sei bem como começar este texto… Tenho que descrever a minha experiência com este livro de Rosa Montero, com o terceiro livro que leio dela, e sinto-me bloqueada. Talvez porque é um livro que a própria sinopse aponta como sendo um livro híbrido, sem um género específico. Contudo, pensando melhor, essa não poderá ser a razão principal para o meu bloqueio, já que nada disso me aconteceu quando li e escrevi sobre a Ridícula ideia de não voltar a ver-te.
Refletindo um pouco mais, confesso que uma das razões estará relacionada com o facto de que não gostei tanto de A louca da casa como gostei do seu antecessor. Identifiquei-me mais com a Rosa Montero de A ridícula ideia de não voltar a ver-te do que com esta que parafraseia Santa Teresa de Jesus ao apelidar a imaginação de cada um de nós como a louca da casa. Não me interpretem mal, essa maior identificação com uma obra em detrimento da outra nada tem a ver com a qualidade da escrita da autora ou com o seu estilo muito próprio. Ambos se mantêm, continuei a saborear as opiniões muito assertivas da autora, o seu modo muito direto de abordar os mais variados assuntos, de expor os seus sentimentos ou a sua perspetiva face ao trabalho ou ao carácter de um escritor famoso, a constante “interferência” de apontamentos autobiográficos que corroboram as suas dissertações, enfim, tudo se manteve, como já disse, de uma obra para a outra. Mas na minha opinião não se manteve uma sinceridade que tomei como inquestionável, não se mantiveram os pontos de comunhão entre momentos pessoais da autora e o resto da narrativa, da dissertação, do ensaio. E essa sinceridade “amputada” mexeu com o meu lado crédulo, desconfiado, e acabei por pôr em causa alguns momentos da obra e não me refiro apenas à repetida narração do encontro com um ator famoso quando Rosa Montero era uma jovem cujo objetivo primordial era absorver a vida com todo o fulgor possível.
Acabo de ler o que escrevi até aqui e sinto que tenho que reiterar que não me identifiquei tanto com esta obra como com a que li em maio, mas tal não significa que A louca da casa não me tenha cativado. Pelo contrário. Senti-me uma privilegiada por poder espreitar, nem que seja pelo buraco da fechadura, o mundo dos escritores e compreender mais aprofundadamente que, antes de serem o que são profissionalmente, Rosa Montero, García Márquez, Truman Capote, Herman Melville ou Goethe foram e são seres humanos, de essência imperfeita, iguais a um mero homem ou mulher em praticamente tudo, exceto na genialidade de juntar palavras, formar frases, criar parágrafos, capítulos e por fim obras que continuam a encantar e maravilhar leitores como eu, que não concebem uma existência sem a companhia de um livro, de um romance, esses “organismos vivos”, resultantes de “uma atividade incrivelmente íntima, que nos [escritores] faz mergulhar no fundo de nós próprios e traz à superfície os nossos fantasmas mais escondidos” e que sempre foram vistos como uma arma envenenada por todos aqueles que pretendem “assassinar” a liberdade individual e coletiva.
A leitura desta obra também me permitiu ficar a saber um pouco mais sobre como foram aceites ou não pelo público as primeiras publicações de obras como Moby Dick ou A sangue-frio, conhecer o carácter de monstros da literatura intemporal como Tolstoi e decifrar os gostos literários da própria Rosa Montero. Preenchi o meu caderninho com imensas citações, ideias ou pensamentos da autora e creio que aquele que vou registar aqui pode ser a forma mais perfeita e mais saborosa de terminar este texto que junta escritores, imaginação, vida, livros e leitores:
“Porque como é possível governar-se para viver sem a leitura? Deixar de escrever pode ser a loucura, o caos, o sofrimento; mas deixar de ler é a morte instantânea.”
Resta-me agradecer à minha colega Madalena por me ter emprestado esta obra. Já está a fazer companhia à sua “irmã mais nova” (A ridícula ideia de não voltar a ver-te) no saco onde vieram as duas há uns meses atrás. Os empréstimos são assim, agridoces, são obviamente temporários e deixam um vazio, mas são também uma eficaz maneira de poupar dinheiro… e espaço na estante física.
Espero em breve voltar a Rosa Montero, de preferência com uma obra ficcionada!

NOTA – 08/10


Sinopse
Um romance? Um ensaio? Uma autobiografia? A Louca da Casa é, em qualquer dos casos, a obra mais pessoal de Rosa Montero: uma viagem através do misterioso universo da fantasia, da criação artística e das recordações mais secretas da própria autora.
Rosa Montero empreende uma viagem ao mais profundo do seu ser através de um jogo narrativo pleno de surpresas, onde literatura e vida se misturam num cocktail afrodisíaco de biografias alheias e de autobiografia romanceada. E assim descobrimos, por exemplo, que Goethe adulava os poderosos, que Tolstoi era um energúmeno, que Rosa, ela própria, em criança, se julgava anã, e que, com vinte e três anos, manteve um extravagante e arrebatador romance com um actor famoso. Todavia, não devemos fiar-nos por completo em tudo o que a autora conta sobre si mesma: as recordações não são sempre o que parecem. Um livro sobre a fantasia e os sonhos, a loucura e a paixão, os medos e as dúvidas dos escritores – mas, também, de cada um de nós –, A Louca da Casa é, sobretudo, a tórrida história de amor que existe entre Rosa Montero e a sua própria imaginação.