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O Homem duplicado, de José Saramago



Ficha técnica
TítuloO Homem duplicado
Autor – José Saramago
Editora – Editorial Caminho
Páginas – 318
Datas de leitura – de 22 a 27 de outubro de 2018

Opinião
Há vinte anos, em outubro de 1998, o mundo prestou a merecida homenagem ao génio das letras que era o meu Saramaguinho. Quis o destino que eu me juntasse a essa homenagem duas décadas depois.
Aos mais distraídos, relembro que, em setembro, dei início a um projeto que tinha guardado na manga há bastante tempo e que me está preencher e a aconchegar muitíssimo – falo-vos do projeto – Uma releitura por mês durante um ano (pelo menos). Ora, essa releitura é sempre uma surpresa que sai de uma caixinha onde moram (ou moravam) doze papéis com doze títulos e quis o destino que em outubro saísse o título O homem duplicado, do meu Saramago!
Recebi esta obra em 2002 e li-a muito provavelmente nesse ano (esqueci-me de anotar a data de leitura). Pouco ou nada me recordava dela, uns fragmentos que se vieram a revelar certeiros e pouco mais. Penetramos na narrativa pela mão de um narrador tipicamente saramaguiano, que intervém muito frequentemente, que tece comentários, que fala com o leitor e que é dono de um estilo que pode não agradar e não ser destrinçado com facilidade. Se observarmos as páginas, comprovamos que as mesmas são compostas de uma mancha densa e uniforme, sem qualquer tipo de quebra a não ser quando mudamos de capítulo. Só isso pode assustar e desmotivar o leitor que não conheça Saramago. Por outro lado, o comentário que se ouve inúmeras vezes, de que o autor não usa pontuação é, à partida, mais um entrave àqueles que estejam com receio de aventurar-se nos livros do nosso Nobel. Não me vou alongar sobre isso, vou apenas dizer que a pontuação existe, há pontos finais e vírgulas, só que estas têm uma função adicional àquela que é a sua principal, de fazer uma quebra curtinha no discurso.
Narrador e estilo apartes, que são dois dos motivos que mais me fazem amar e venerar Saramago, adentrámo-nos na narrativa e conhecemos de imediato o seu protagonista, Tertuliano Máximo Afonso, professor de história do ensino secundário, divorciado, solitário e que se encontra abatido, deprimido, num marasmo que parece não ter fim. Num breve diálogo que entabula com um colega de matemática, recebe deste um conselho que acaba por levar a cabo – distrair-se, alugando um filme de comédia, que não surtirá o efeito pretendido, pois deixará a sua vida enfadonha, rotineira completamente de pernas para o ar. Após ter visionado o filme, já no quentinho da caminha e nos braços do sono, Tertuliano acorda banhado em suor e com a nítida impressão de que há mais alguém em sua casa. Faz vistoria necessária, não encontra ninguém, mas algo no seu inconsciente o faz voltar a ver o filme. E é que se dará conta de algo que lhe passou despercebido no primeiro visionamento. Uma das personagens secundárias, quase figurante, é a sua cara chapada, é igualzinho a ele, sem tirar nem pôr.
Esta descoberta aterradora é o mote para o desenvolvimento da narrativa, para os próximos passos de Tertualiano que o levarão a querer descobrir quem é aquele ator que é um duplicado de si mesmo. Não quero desvendar mais da trama, apenas quero chamar à atenção para o facto de, tal como diz o Hugo (O aprendiz de leitor), a primeira parte da obra ser pausada, mais lenta e os últimos capítulos serem entusiasmantes, com um avanço significativo na ação e que culminam num final soberbo, magistral, de cortar-nos a respiração.
Foi uma releitura muitíssimo saborosa e saciante. Contudo, e porque sou uma admiradora confessa e ferrenha do "meu" Saramaguinho, consigo ter discernimento suficiente para comparar as suas obras, "classificá-las" segundo os meus gostos e exigências e compreender que a O homem duplicado lhe falta alguma coisa para ser dona do brilhantismo e da magistralidade de Memorial do Convento ou Ensaio sobre a cegueira. Termino fazendo uma brevíssima referência ao quanto gostei das personagens femininas (secundárias, é certo, mas donas de uma luz que as faz sobressair e mostrar, uma vez mais, o carinho e amor que o autor sempre pôs nas suas personagens femininas) e ao alerta que sai aos gritos da obra sobre o quão estamos a copiar comportamentos, atitudes, crenças e a perder lentamente aquilo que nos torna únicos, diferentes.

NOTA – 09/10

Sinopse
Tertuliano Máximo Afonso, professor de História no ensino secundário, «vive só e aborrece-se», «esteve casado e não se lembra do que o levou ao matrimónio, divorciou-se e agora não quer nem lembrar-se dos motivos por que se separou», à cadeira de História «vê-a ele desde há muito tempo como uma fadiga sem sentido e um começo sem fim».
Uma noite, em casa, ao rever um filme na televisão, «levantou-se da cadeira, ajoelhou-se diante do televisor, a cara tão perto do ecrã quanto lhe permitia a visão, Sou eu, disse, e outra vez sentiu que se lhe eriçavam os pêlos do corpo»...
Depois desta inesperada descoberta, de um homem exactamente igual a si, Tertuliano Máximo Afonso, o que vive só e se aborrece, parte à descoberta desse outro homem. A empolgante história dessa busca, as surpreendentes circunstâncias do encontro, o seu dramático desfecho, constituem o corpo deste romance de José Saramago.

A maior flor do mundo, de José Saramago



Ficha técnica
TítuloA maior flor do mundo
Autor – José Saramago
Editora – Editorial Caminho
Páginas – 36
Data de leitura – 02 de setembro de 2018

Opinião
Vou fazer-vos uma confissão. Uma confissão escabrosa de quem se diz “a maior fã de Saramago” – mais de vinte anos depois de ter lido A Jangada de Pedra, peguei pela primeira vez e finalmente li de fio a pavio A maior flor do mundo. Digam lá – não é um pecado horrendo tê-lo feito apenas agora?! Que raio de fã sou eu??
Contudo, na última visita à biblioteca da terrinha, ia determinada a redimir-me desse pecado terrível e trouxe a edição com capa dura e com belíssimas ilustrações da Editorial Caminho. Li-a em poucos minutos e bastou esse punhado de minutos para embrenhar-me de novo no mundo do meu Saramaguinho e sentir-me em casa.
Quem olha para uma fotografia ou imagem de José Saramago dificilmente o imagina como contador e criador de histórias infantis. As suas feições austeras e algo carrancudas impedem que os leitores (e não só) o vejam como tal. Eu incluo-me (ou incluía-me) nesse rol de gente e constatei que o próprio também, já que a curta narrativa de A maior flor do mundo arranca com o autor a confessar que se não se sente capacitado para montar uma história infantil, simples, com poucas e descomplicadas palavras. Foi, como podem compreender, desconcertante e ternurento ser testemunha da sinceridade deste monstro das letras mundiais, que admite, sem nenhum pejo, essa falha e, chega, inclusive, a pedir ajuda aos leitores mais pequenos, àqueles que venham a ler a história desta flor, que a moldem aos seus gostos, que a desenvolvam e encerrem como mais lhes aprouver.
A história é, como não poderia deixar de ser, muito curtinha e deliciosa. Toca-nos, como devem tocar todas as histórias infantis, vai direitinha ao coração e está maravilhosamente ilustrada nesta edição, com imagens alusivas à narrativa e ao próprio autor, que nos aparece sentado a uma secretária, com feições mais suaves e sorridentes, a tentar moldar o melhor possível uma história bonita e simples. Entrei em estado de completo derretimento nos poucos minutos em que estive com a obra na mão, não só pelo que já referi, pela viagem de uma menino que termina aos pés de uma flor murchinha, pela humildade de Saramago ao confessar a sua incapacidade em criar histórias infantis, como também pelo quanto ainda me apertam as saudades que tenho deste homem que teve um papel imprescindível no meu percurso enquanto leitora.

     

Por tudo isto, não vos será difícil de adivinhar o quanto esta leitura foi especial, memorável e agridoce. Pude conhecer uma nova faceta do meu Saramago, pude matar as saudades que tenho das suas letras e voltei a sentir-me “amputada”, revoltadíssima, porque nem os génios escapam às leis da mortalidade.
Reparei o meu erro, redimi-me e adorei fazê-lo!

NOTA – 10/10

Sinopse
«E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar? 
Uma magnífica obra do escritor José Saramago, com bonitas ilustrações de João Caetano.»
Prémio Nacional de Ilustração – 2001
Livro recomendado pelo Plano Nacional de Leitura, 4.º ano de escolaridade - Leitura autónoma e leitura com apoio dos professores ou dos pais.

O conto da ilha desconhecida, de José Saramago


Ficha técnica
TítuloO conto da ilha desconhecida
Autor – José Saramago
Editora – Porto Editora
Páginas – 64
Data de leitura – 09 de dezembro de 2017

Opinião
As saudades que sinto de Saramago não desaparecem. Nunca desaparecerão, apenas se vão apaziguando. Agudizam-se uma vez por outra. Agudizaram-se no dia 16 de novembro quando se recordou o dia em que este autor genial nasceu em terras ribatejanas.
Sempre que as saudades apertam mais um bocadinho, não sei fazer outra coisa que não seja ir ao encontro de uma obra sua, relendo-a e saboreando-a de novo, como se a estivesse a descobrir pela primeira vez. Assim, no fim do mês de novembro, no fim do mês do seu aniversário, trouxe da biblioteca municipal um dos seus contos mais conhecidos, o de uma ilha desconhecida num mundo onde tudo já foi descoberto.
Confesso que quase não lembrava nada deste conto. Recordava a sua situação inicial, a de um palácio real com portas com diversos fins e de um rei que pouco ou nada ficaria a dever aos seus pares absolutistas. Recordava um homem que não desistia dos seus intentos apenas porque Sua Majestade não mostrava interesse algum na sua petição. Mas não recordava aquilo que acaba por ser a parte mais saborosa e mais saramaguiana do conto – não recordava o que sucede ao homem após ter conseguido que o rei acedesse a responder à sua petição.
Li assim este conto travando a gula, contendo-a para que o prazer tardasse em esfumar-se, para que o sabor deste conto deliciosamente perfeito ficasse comigo. Acho que fui bem sucedida nesse intento, porque ainda agora sinto que esse prazer está aqui, coladinho a mim e que palavras, passagens e acima de tudo o final do conto (um final sublime, extasiante) nunca me abandonarão.
Amei, adorei voltar a perder-me nas tuas letras, querido Saramago! As saudades suavizaram-se, a nostalgia deu lugar ao prazer e por enquanto não preciso de mais nada. Por enquanto não. Mas apenas por enquanto.

NOTA – 10/10

Sinopse

“Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco.”
Situada num tempo e num espaço indeterminados, a história do homem que queria um barco para ir à procura da ilha desconhecida promete ser a história de todos os homens que lutam contra as convenções em busca dos seus sonhos e de si próprios. 

Saramago...

Quinta-feira, 18 de junho de 2015





Continuo a sentir tanto a tua falta...
Continuo a tentar minimizar essa falta, lendo-te uma vez e outra vez e outra vez... Surpreendo-me sempre com a tua forma única de interpretar o mundo, de ver e reparar nas coisas, e não paro de deliciar-me com as histórias mirabolantes mas tão certeiramente agudas que só a tua genialidade conseguia construir... 
Infelizmente a morte impediu que continuasses a brindar-nos com mais exemplos dessa genialidade, mas não te calou, porque todas as vezes que os teus leitores peguem numa das tuas obras e mergulhem nas suas histórias irão (re)descobrir-te, irão homenagear-te e sobretudo irão fazer-te fazer falar de novo, irão fazer-te viver. 
Como diz Valter Hugo Mãe:
"passam hoje cinco anos desde o dia em que saramago virou monumento eterno de portugal. nenhum tempo será suficiente para menorizar o tamanho da sua importância. continuar a ler o que escreveu é uma graça que concedeu à vida. a morte não sabe destruir isso."



Alabardas, de José Saramago

Domingo, 17 de maio de 2015
 



Opinião

Sairá ao público no ano que vem se a vida não me falta.”
24 de outubro de 2009

Infelizmente a vida faltou-te, querido Saramago. E deixaste-nos órfãos. Órfãos e esfaimados de livros, de histórias, daquelas histórias que só a tua genialidade conseguia conceber. E por isso o luto ainda dói, por isso as 77 páginas de Alabardas são tão agridoces. Porque são as últimas que escreveste, as últimas, não haverá mais… E só desfolhando-as é que verdadeiramente me dei conta disso. A ficha caiu, faz-se aquele clique, aquele clique que me despertou de vez para essa crua realidade – Saramago já cá não está.
É óbvio que tenho noção de que já não está cá há quase 5 anos, mas foi ao ler Alabardas, ao ler a sua última e inacabada obra, que alcancei verdadeiramente a dimensão do seu desaparecimento físico e o quanto a sua morte nos ceifou das suas ideias, do que o levava a escrever e a mim a comprazer-me com o resultado de essa escrita. E Alabardas, ou pelo menos os três capítulos que a vida lhe deixou escrever, tem tudo aquilo que tanto aprecio e amo em Saramago – “Um mundo reconhecível, saramaguiano, que, nos primeiros traços, evoca o ambiente específico de Todos os Nomes e estabelece laços com o período de escrita iniciado por Ensaio sobre a Cegueira” (pág. 94 – Fernando Gómez Aguilera). Evoca Todos os Nomes através do mote da sua narrativa - a busca como uma demanda, os arquivos que evocam esses mundos subterrâneos que não parecem ter fim e o seu protagonista, um homem comum, solitário, respeitável, obediente. Evoca ainda o tipo de mulher saramaguiana e que tanto me faz ter orgulho no meu sexo – uma mulher corajosa, determinada, portadora de “uma chama de esperança e de grandeza” (pág. 102 – Fernando Gómez Aguilera). Evoca por fim todas as obras que li e devorei de Saramago, pois em apenas três capítulos estão reunidos todos os ingredientes para uma daquelas narrativas, uma daquelas leituras únicas, de tão absorventes e especiais que são. Como são as do meu Saramago.
Por tudo isto, acho que nem preciso dizer que tentei com todas as minhas forças saborear pausadamente esta “prenda” de valor inestimável, que afaguei as suas páginas, que maldisse vezes sem conta a malfadada morte que no dia 18 de junho de 2010 não deixou “de trabalhar” e que sofri com a crua constatação de que Alabardas ficará para sempre incompleta, que nunca saberei como se desenrolaria nem terminaria a sua ação. E que, pior ainda, ela fecha definitivamente a genial mão criadora de um dos mais talentosos escritores do universo.
Saramago já cá não está. Mas perduram os leitores e incondicionais admiradores do mundo das suas ideias. Como eu, leitora anónima, ou Günter Grass, um Prémio Nobel como ele, que ilustrou de uma forma belíssima a publicação póstuma de Alabardas. Ou ainda Fernando Gómez Aguilera e Roberto Saviano que em dois textos fazem comentários brilhantes e acertadíssimos às últimas palavras escritas pelo nosso Nobel, tanto em Alabardas como no seu Caderno.
Todos lhe rendemos assim a devida e merecida homenagem, porque aos génios imortais como ele o devemos. E eu continuarei a fazê-lo, relendo as suas obras e partilhando as suas histórias, as suas ideias. Sempre.

NOTA - 10/10

Sinopse

Aquando do seu falecimento, em 2010, José Saramago deixou escritas trinta páginas daquele que seria o seu próximo romance; trinta páginas onde estava já esboçado o fio argumental, perfilados os dois protagonistas e, sobretudo, colocadas as perguntas que interessavam à sua permanente e comprometida vocação de agitar consciências.

Saramago escreve a história de Artur Paz Semedo, um homem fascinado por peças de artilharia, empregado numa fábrica de armamento, que leva a cabo uma investigação na sua própria empresa, incitado pela ex-mulher, uma mulher com carácter, pacifista e inteligente. A evolução do pensamento do protagonista permite-nos refletir sobre o lado mais sujo da política internacional, um mundo de interesses ocultos que subjaz à maior parte dos conflitos bélicos do século XX.

As Intermitências da Morte, de José Saramago

Sábado, 21 de fevereiro de 2015





Opinião
Mais uma releitura. Mais uma releitura do “meu” Saramago.
Num reino fictício, que faz fronteira com três países e não é banhado pelo mar, o início de um novo ano é marcado por um facto extraordinário – a partir da meia-noite ninguém morre e não morrerá durante os próximos sete ou oito meses. É realmente assim que começamos a leitura de um dos, a meu ver, melhores romances saídos da mão do genial Saramaguinho J
Como em qualquer um dos seus romances o acontecimento que arranca a narrativa é demasiado apelativo para não nos arrebatar a atenção. Aliado a esse pormenor, está, como é também habitual, a figura incontornável do narrador saramaguiano. Ora, estes ingredientes são os suficientes para que o sabor que retiramos da leitura de As intermitências da Morte seja ímpar, excecional e se mantenha connosco por tanto tempo que, faz, no meu caso, estar sempre com vontade de reler tudo o que Saramago escreveu!
Podemos dividir a obra em duas grandes partes – a primeira que nos relata como foi a vida da população do reino desde que, de um dia para o outro, se tornou imortal e a segunda, na qual a morte voltou a “desempenhar as suas funções”, mas de uma forma ligeiramente diferente do que era até aí, até à pausa que permitiu, por iniciativa sua, que todos aqueles habitantes, sem exceção, lidassem com uma imortalidade inusitada.
No período em que a morte deixou de matar, somos confrontados com tudo aquilo que infelizmente define um ser humano. Um ser humano que, perante a perspetiva de fazer ou perder negócios com a inesperada imortalidade de jovens, adultos, anciões ou pessoas moribundas, cria artimanhas para que a sua existência egoísta ou materialista não sofra arranhões. Um ser humano que não olha a meios para atingir os seus fins. Um ser humano que tem memória deveras seletiva e que se esquece muito facilmente que “filho és, pai serás”, ou seja, que se és jovem agora, caminharás para velho e dependerás dos teus filhos como os teus progenitores dependem de ti hoje.
A partir do momento em que a morte reassume as suas funções, as “luzes do palco” da narrativa redirecionam as suas atenções para as atividades rotineiras de duas personagens – a morte e um violoncelista. Deixamos assim de acompanhar um quotidiano das altas esferas políticas e religiosas e, ao som de trechos famosíssimos de compositores clássicos, chegaremos a um desfecho que me voltou a encantar, a seduzir e a fazer-me suspirar de satisfação e saciedade J  
Não posso concluir esta opinião sem fazer a associação que, para mim, existe entre As Intermitências da Morte e o filme Meet Joe Black (Dios mío, que “morte tão boa” J). Deixo-vos aqui o seu trailer para que tirem as vossas próprias conclusões:



Por fim, aqui ficam algumas das passagens que sublinhei:
“… o respeito pelos velhos e pelos enfermos em geral representava um dos deveres essenciais de qualquer sociedade civilizada…” (pág. 85)
“… as altas estantes de livros onde a literatura tem todo o ar de conviver com a música na mais perfeita harmonia…” (pág. 155)
“… brevíssimo estudo de chopin, opus vinte e cinco, número nove, em sol bemol maior (…) naqueles cinquenta e oito segundos de música uma transposição rítmica e melódica de toda e qualquer vida humana, corrente ou extraordinária, pela sua trágica brevidade, pela sua intensidade desesperada, e também por causa daquele acorde final que era como que um ponto de suspensão deixado no ar, no vago, em qualquer parte, como se, irremediavelmente, alguma cousa ainda tivesse ficado por dizer.” (págs. 176, 177)

Conforme se pode ver na imagem que vem no livro, a caveira é uma borboleta, e o seu nome latino é acherontia atropos. É noturna, ostenta na parte dorsal do tórax um desenho semelhante a uma caveira humana, alcança doze centímetros de envergadura e é de coloração escura, com as asas posteriores amarelas e negras. E chamam-lhe atropos, isto é, morte. (pág. 180)

NOTA – 9/10


Sinopse
«No dia seguinte ninguém morreu.»

Assim começa este romance de José Saramago. Colocada a hipótese, o autor desenvolve-a em todas as suas consequências, e o leitor é conduzido com mão de mestre numa ampla divagação sobre a vida, a morte, o amor, e o sentido, ou a falta dele, da nossa existência. 

A Jangada de Pedra, de José Saramago

Sábado, 18 de outubro de 2014



RELEITURA

Sinopse
         «Em A Jangada de Pedra (...) o escritor recorre a um estratagema típico. Uma série de acontecimentos sobrenaturais culmina na separação da Península Ibérica que começa a vogar no Atlântico, inicialmente em direção aos Açores. A situação criada por Saramago dá-lhe um sem-número de oportunidades para, no seu estilo muito pessoal, tecer comentários sobre as grandezas e pequenezas da vida, ironizar sobre as autoridades e os políticos e, talvez muito especialmente, com os atores dos jogos de poder na alta política. O engenho de Saramago está ao serviço da sabedoria.» (Real Academia Sueca, 8 de Outubro de 1998)



Opinião
         Não é novidade para ninguém, sobretudo para quem me conhece, que Saramago é um dos meus deuses literários, talvez aquele que ocupa o lugar mais destacado na hierarquia dos autores de que mais gosto e mais admiro. O que talvez poucos saibam é que me estreei com Saramago ainda não tinha 20 anos, frequentava o 12º ano e fi-lo com esta obra que terminei de reler pela segunda vez.
         Recordo-me perfeitamente que foi uma estreia bastante custosa, que o estilo tão peculiar de Saramago me estranhou muito a princípio, que "empanquei" logo nas primeiras linhas que descrevem o risco que Joana Carda fez no chão com uma vara de negrilho e as consequências que daí advieram... Mas se há algo que me caracteriza como leitora é a persistência e, por essa razão, e por haver algo que me dizia que a leitura da obra ia ser especial, não desisti com esse primeiro obstáculo... E ainda bem que não fiz, porque, se a princípio me estranhou, só eu sei o quanto depois se entranhou em mim tudo o que envolve a Obra saramaguiana!
         Outra característica que me descreve como leitora ou mesmo como pessoa é o facto de ser bastante (para não dizer muito) cética e de olhar com desconfiança para tudo o que não seja verosímil ou realista. Por essa razão nunca fui "muito à bola" com livros ou filmes de ficção científica e repletos de elementos de fantasia. Contudo, com os livros de Saramago, esse ceticismo não está presente e envolvo-me com todas as minhas fibras de leitora em histórias que partem, por exemplo, da separação física da Península Ibérica da Europa, de uma cegueira branca e contagiosa ou da morte que "se apaixona" e deixa de fazer o seu trabalho... Sendo assim, qual o porquê desta contradição? Bom, primeiro porque estamos a falar de Saramago, de um autor com aquele poder de levar-nos a entrar nas suas narrativas e a não querer sair de lá e depois porque ele usa estes cenários de fábula com o seu intemporal propósito - de transmitir-nos algo mais, de fazer-nos pensar mais além do que é contado, de compreendermos que há uma moral, uma mensagem que se quer "apregoar" e passar a todos.
         A narrativa de A Jangada de Pedra inicia-se com a descrição de acontecimentos insólitos que ocorrem a cinco personagens que vivem em pontos distintos da Península Ibérica. Ora, esses acontecimentos são o prenúncio do que se passará a seguir - uma fenda nos Pirenéus, que se tornará cada vez maior e mais funda, que culminará na separação da Península Ibérica da Europa e que a transformará numa jangada de pedra que vogará (aparentemente sem destino) pelas águas do Oceano Atlântico. Este anómalo acidente geológico será assim o ponto de partida para uma narrativa de 330 páginas, na qual o narrador (com as características muito próprias de um narrador saramaguiano) vai dialogando connosco, vai tecendo comentários constantes (com bastante ironia, já se sabe J) sobre a forma como os governos peninsulares vão lidando com o desenrolar das situações; como o povo vai vivendo, umas vezes deslumbrado, curioso, aterrorizado ou outras vezes resignado e até indiferente; como o resto do mundo reage face à viagem da “jangada de pedra” e, finalmente, como o referido narrador acompanha uma viagem mais individual e errante que é levada a cabo por terras portuguesas, andaluzas, galegas e castelhanas pelas 5 personagens que abrem a narrativa.
         É conhecida a simpatia que Saramago nutria pela ideia de uma Ibéria Unida e, como tal, podemos considerar que esta obra é uma homenagem a uma Península Ibérica unida, forte, independente, desapegada da Europa e inclusive do rochedo britânico que é Gibraltar. Mas também é, na minha modesta opinião, uma chamada de atenção para o quanto ainda seria necessário fazer para que essa ideia se transformasse em realidade.
         Além de tudo o que já foi mencionado, Saramago possui uma faceta de que gosto mesmo muito – a maneira como constrói as personagens, como, no caso deste livro, “fá-los” empreender uma viagem em grupo para se descobrirem enquanto pessoas, enquanto indivíduos que necessitam comungar com outros. E para um homem/autor que tinha aquele aspeto sisudo e até distante, é surpreendente e encantador o carinho que consagra à construção das personagens femininas, à força e carácter que lhes dá, associadas a uma sensibilidade tão própria do género!

         Para finalizar este comentário que vai longo, tenho que dizer que li parte desta obra ao mesmo tempo que explorava com os meus alunos em sala de aula o magnífico filme de Alejandro Amenábar – “Mar Adentro” e não consegui deixar de relacionar as duas obras-primas, lendo muitas vezes ao som da magistral banda sonora do filme. Aqui vos deixo uma das músicas que mais mexeu e mexe comigo:


O ano da morte de Ricardo Reis, de José Saramago

Sexta-feira, 21 de dezembro de 2012


RELEITURA

Sinopse
"«Um tempo múltiplo. Labiríntico. As histórias das sociedades humanas. Ricardo Reis chega a Lisboa em finais de Dezembro de 1935. Fica até Setembro de 1936. Uma personagem vinda de uma outra ficção, a da heteronímia de Fernando Pessoa. E um movimento inverso, logo a começar: ""Aqui onde o mar se acaba e a terra principia""; o virar ao contrário o verso de Camões: ""Onde a terra acaba e o mar começa"". Em Camões, o movimento é da terra para o mar; no livro de Saramago temos Ricardo Reis a regressar a Portugal por mar. É substituído o movimento épico da partida. Mais uma vez, a história na escrita de Saramago. E as relações entre a vida e a morte. Ricardo Reis chega a Lisboa em finais de Dezembro e Fernando Pessoa morreu a 30 de Novembro. Ricardo Reis visita-o ao cemitério. Um tempo complexo. O fascismo consolida-se em Portugal.» (Diário de Notícias, 9 de Outubro de 1998)"

Opinião
Como saramaguiana convicta, não é preciso dizer que é sempre uma delícia reler qualquer obra do fenomenal Saramago!
Fernando Pessoa morre a 30 de novembro de 1935. O seu heterónimo Ricardo Reis regressa do Brasil e atraca em Lisboa em finais de dezembro desse mesmo ano. Hospeda-se num modesto hotel. Conhece outros hóspedes. Interessa-se por uma jovem em particular, com um nome peculiar - Marcenda - e que é portadora de um defeito numa das mãos. O seu interesse cresce, mas quem lhe aquece a cama é uma criada do hotel, que, por coincidência, se chama Lídia. Não é parecida com a Lídia das suas odes e talvez por isso, Ricardo Reis nunca considera oficializar a relação que têm - pelo contrário, nem mesmo quando deixa o hotel e arrenda uma casa trata Lídia como sua companheira. Ela apenas "serve" para tratar da lida doméstica e para satisfazer os seus apetites carnais.
Preconceitos à parte (que confesso que me "desiludiram" um pouquinho - mancharam a imagem límpida que tinha deste heterónimo, o meu favorito), esta obra retrata Ricardo Reis como um homem de carne e osso, com qualidades e defeitos e é uma homenagem à sua postura e forma de ver a vida, pois é uma obra caracterizada por muitos momentos de meditação, de fatalismo resignado e de estoicismo.
Ao acompanharmos a vida de Reis nos meses que passa em Lisboa, também acompanhamos, através dos seus olhos, a situação política de Portugal da época, dos primórdios da ditadura salazarista e da sua polícia política, dos bufos e de inspetores que se movem pela sombra, mas não conseguem ocultar a sua presença, como é o caso do inspetor que fede horrivelmente a cebola.
Saramago mostra a sua genialidade na forma como construiu exemplarmente a figura de Ricardo Reis e, não menos importante, no retrato que faz do Portugal dos anos 30, um retrato pintado através do seu olhar crítico e que põe a nu a pequenez, o preconceito, o esgravatar da vida alheia e a denúncia que se faz para limpar a consciência e mostrar cobardemente o amor ao dever e à pátria...

Para finalizar, não resisto - tenho que partilhar uma passagem da obra que ilustra na perfeição o que o meu maridinho diz sobre as mulheres J

"... é preciso dormir com elas, fazer-lhes filhos, mesmo que sejam para desmanchar, é preciso vê-las tristes e alegres, a rir e a chorar, caladas e falando, é preciso olhá-las quando não sabem que estão a ser olhadas, E que veem então os homens hábeis, Um enigma, um quebra-cabeças, um labirinto, uma charada..." 

Claraboia, de José Saramago

Segunda-feira, 18 de junho de 2012




Sinopse
A ação do romance localiza-se em Lisboa em meados do século XX. Num prédio existente numa zona popular não identificada de Lisboa vivem seis famílias: um sapateiro com a respetiva mulher e um caixeiro-viajante casado com uma galega e o respetivo filho - nos dois apartamentos do rés do chão; um empregado da tipografia de um jornal e a respetiva mulher e uma "mulher por conta" no 1º andar; uma família de quatro mulheres (duas irmãs e as duas filhas de uma delas) e, em frente, no 2º andar, um empregado de escritório a mulher e a respetiva filha no início da idade adulta.
O romance começa com uma conversa matinal entre o sapateiro do rés do chão, Silvestre, e a mulher, Mariana, sobre se lhes seria conveniente e útil alugar um quarto que têm livre para daí obter algum rendimento. A conversa decorre, o dia vai nascendo, a vida no prédio recomeça e o romance avança revelando ao leitor as vidas daquelas seis famílias da pequena burguesia lisboeta: os seus dramas pessoais e familiares, a estreiteza das suas vidas, as suas frustrações e pequenas misérias, materiais e morais.
O quarto do sapateiro acaba alugado a Abel Nogueira, personagem para o qual Saramago transpõe o seu debate - debate que 30 anos depois viria a ser o tema central do romance O Ano da Morte de Ricardo Reis - com Fernando Pessoa: Podemos manter-nos alheios ao mundo que nos rodeia? Não teremos o dever de intervir no mundo porque somos dele parte integrante?

Claraboia foi o primeiro e último livro póstumo (até ao momento) de Saramago e aquele que, segundo as suas palavras, “É uma história de um prédio com seis inquilinos sucessivamente envolvidos num enredo. Acho que o livro não está mal construído. Enfim, é um livro também ingénuo, mas que, tanto quanto me recordo, tem coisas que já têm que ver com o meu modo de ser”.

Lendo as primeiras frases, o que nos salta logo à vista é a diferença de estilo no que diz respeito à escrita – a pontuação, ou melhor dizendo, a ausência de sinais gráficos que indicam a presença de diálogo, marca inconfundível do estilo saramaguiano, ainda não havia surgido, tal como não a havíamos encontrado em Terra do Pecado. Mas se analisarmos todos os outros elementos, realmente temos que concordar com as palavras do autor transcritas acimas – a descrição dos espaços, a caracterização das personagens (sobretudo o que nos dá a conhecer da sua alma, dos pensamentos que vão partilhando com o leitor, das suas mágoas, segredos, esperanças, enfim, sobre a sua vida) e um narrador totalmente omnisciente que nos conduz pela narrativa e nos vai partilhando o que sabemos (nós os que “devoramos” e veneramos as obras do nosso genial Nobel) ser o que vai ao encontro do modo de ser e ver a vida de Saramago.

Não posso dizer que Claraboia tenha sido a obra que mais gostei de ler do meu querido Saramago (tal como não foi Terra do Pecado), mas tem passagens com as quais me identifiquei totalmente e que passo a transcrever:
 ”Aprendi a ver mais longe que a sola destes sapatos, aprendi que, por detrás desta vida desgraçada que os homens levam, há um grande ideal, uma grande esperança. Aprendi que a vida de cada um de nós deve ser orientada por essa esperança e por esse ideal. E que se há gente que não sente assim, é porque morreu antes de nascer”.

“Ter não é possuir. Pode ter-se aquilo que se não deseja. A posse é o ter e o desfrutar o que se tem.”

Como sempre, ler um romance de Saramago é uma experiência que deixa sempre marcas, que me faz, uma vez atrás da outra, sentir uma identificação única com aquele que, para mim, é o génio da nossa Literatura do século XX.

Saudades, meu Saramago!...

O evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago

Terça-feira, 11 de outubro de 2011


(RELEITURA)


"«É a obra mais polémica de José Saramago e aquela que, indiretamente, o levou a sair de Portugal e a refugiar-se na ilha espanhola de Lanzarote. Ficou para a história o desentendimento com o então subsecretário de estado da Cultura Sousa Lara, que considerou o livro ofensivo para a tradição católica portuguesa e o retirou da lista do Prémio Europeu de Literatura. Com um José destroçado por ter fugido e deixado as crianças de Belém nas mãos dos assassinos de Herodes; com uma Maria dobrada e descrita, logo no início do livro, em pleno ato de conhecer homem; com um Jesus temeroso, um Judas generoso, uma Madalena voluptuosa, um Deus vingativo e um Diabo simpático, não era de esperar outra reacção das almas mais sensíveis e mais devotas do catolicismo português. E verdadeiramente viperinas são as várias páginas onde o escritor português se entretém a descrever minuciosamente os nomes e a forma como morreram os mártires dos primeiros séculos do cristianismo. Assim se escreveram os heréticos Evangelhos segundo Saramago, para irritação de muitos e prazer de alguns. Como convém.» (Diário de Notícias, 9 de Outubro de 1998)"

Sou uma admiradora incondicional de José Saramago, disso nunca houve nem haverá dúvida. Para mim, o nosso Nobel é genial e encontro essa genialidade em toda a sua obra, que já me acompanha desde os meus 17/18 anos e que marcou como leitora como nenhuma outra!
Contudo, havia uma falha imperdoável na minha coleção saramaguiana – faltava lá o livro que ficou célebre por razões tudo menos literárias, pela estupidez e tacanhez de políticos cuja mentalidade, infelizmente, ainda reina lá para as bandas de “São Bento”…
Li O Evangelho segundo Jesus Cristo pela primeira vez há mais de 15 anos, emprestado por um amigo, e agora, já com um exemplar “todinho meu”, voltei a lê-lo, com mais maturidade, mais prazer (se isso é possível) e, que posso dizer?... É Saramago em todo o seu esplendor, é um exemplo mais da sua genialidade e da inegável qualidade literária da sua escrita!
Tal como acontece em outras obras de Saramago, esta não é exceção no que diz respeito à homenagem que o autor faz aos sofredores, àqueles que vivem uma vida sofrida e que não são bafejados por nenhuma sorte. No meio deles, encontramos um Jesus Cristo humanizado, que nos aparece como um joguete nas mãos de um Deus implacável, castigador, apaixonado por Maria Magdala (que bem que José Saramago constrói as personagens femininas – faz-me sempre sentir ainda mais orgulho em ser mulher J) e que tenta viver a sua vida e ajudar os outros através da sua inquestionável bondade, à revelia do seu “pai”.

Concluindo, como alguém que não acredita em religiões e que questiona como é que esse Deus castigador, cruel, implacável possa ser aquele que, segundo a religião católica, criou o Homem à sua imagem e semelhança e o colocou na Terra para sofrer, não posso deixar de me associar à mensagem desta obra de Saramago – religião não pode nem deve estar relacionada com culpa, com remorsos e com um eterno medo do castigo divino.


O caderno 2, de José Saramago

Quinta-feira, 17 de março de 2011







Caderno 2 reúne o conjunto de textos que diariamente José Saramago foi escrevendo no seu blogue entre setembro de 2008 e novembro de 2009. Representa as reflexões, as opiniões, as sugestões, críticas aos mais diversos assuntos e sobre as mais diversas questões.

Que dizer de algo escrito pelo meu Saramaguinho?... Enquanto o lia, passei por uma mistura de sentimentos – alegria, partilha, comunhão de ideias e sobretudo uma nostalgia muito grande, porque… já cá não estás, meu herói literário! Que falta me fazes!!!!!!!!!