La borra del café, de Mario Benedetti

Sábado, 28 de novembro de 2015





Opinião
194 páginas de Benedetti. 194 páginas que durante estes cinco dias estiveram à espera de que eu encontrasse aquele “ratito de tiempo” para mergulhar nelas, perder-me nelas. 194 páginas que saboreei sempre com um sorriso nos lábios e com o lápis na mão. 194 páginas recheadinhas de partes sublinhadas, de setinhas, de corações, de carinhas felizes. 194 páginas que cumpriram com as mais altas expetativas e que consequentemente me levaram a “atazanar” o maridinho com comentários vezes sem fim repetidos – “Delicioso”; “Este homem é fantástico”; “Já te disse que adoro, adoro Benedetti?”; “Isto é mesmo, mesmo bom”.
Enfim, 194 páginas de Benedetti, de um Benedetti que eu amo, venero e que terá que me pertencer por completo, porque cada obra que leio deste autor uruguaio provoca invariavelmente em mim um leque de emoções que me faz sentir mais feliz, mais compreendida, mais viva.
Depois de o ter descoberto com A Trégua e de Primavera con una esquina rota me ter atropelado com uma avalancha de emoções, não hesitei quando, numa escapadela a La Coruña, “tive autorização” para comprar quatro livrinhos e no pacote trouxe a terceira obra de Benedetti a morar na estante cá de casa. La borra del café já figurava na minha wishlist há tempos e agora, que já a li, já a mimei e permiti que ela me mimasse, sei que sou e serei eternamente grata ao autor uruguaio e que não me resta outra coisa que não continuar a adquirir as suas obras, porque sei com aquela intuição e aquele saber cá de dentro que nenhuma me defraudará, pelo contrário.
La borra del café volta a fazer-nos viajar até Montevideu, apresenta-nos vários dos espaços que compõem ou compuseram a capital uruguaia nos anos vinte, trinta e quarenta e abre-nos as portas de casa (ou das várias casas, já que se mudavam com bastante frequência) da família de Claudio, protagonista e o principal narrador das vicissitudes, insignificâncias e outros acontecimentos do seu crescimento e trajetória numa vida que, ao fim e ao cabo, é tão banal e tão memorável como qualquer uma das nossas vidas.
Dividida em capítulos curtinhos e sempre encabeçados por um título alusivo, esta deliciosamente sublime obra derreteu-me desde o seu início, desde a sua primeira palavra. Aliás, como seria de esperar de Benedetti, porque numa linguagem onde se entrelaçam a simplicidade, a inocência e precocidade do narrador, a importância que este dá a pormenores que variam conforme a sua idade e a sua maturidade, os momentos de introspeção, a descrição de um quotidiano tão próximo ao nosso, os sonhos e os momentos de intimidade, Benedetti sabe, como ninguém, cativar-nos, prender-nos, fazer-nos não querer parar a leitura e é um génio na construção dessa teia de ingredientes que, misturados com uma sensibilidade e uma perspicácia tão suas, faz nascer uma obra perfeita.
Essa perfeição está presente em detalhes cómicos, como por exemplo neste apontamento do que era mais memorável numa das casas onde a família de Claudio viveu – “Allí lo más recordable era el inodoro, pues cuando alguien tiraba de la cadena, el agua, en lugar de cumplir su función higiénica en el water, salía torrencialmente del remoto tanque empapando no sólo al infortunado usuario, sino todo el piso de baldosas verdes.” (pág. 12) – ou na inocência do protagonista perante a tirada mensal da mãe que assim respondia ao pai quando este queria “echarse una siesta” mais prolongada no quarto – “«Hoy no puedo, viejo. Vinieron los de Galarza». Para mí, esa respuesta era un enigma, porque yo había estado toda la mañana en casa y nadie había venido: no los de Galarza ni los de ninguna otra familia.” (pág. 41)
Essa perfeição também está presente em detalhes mais intimistas e que nos tocam e nos desarmam – (a casa como o nosso lar, o nosso cantinho) “Todos esos olores formaban un olor promedio, que era la fragrancia general de la vivenda. Cuando llegaba de la calle y abría la puerta, la casa me recibía con su olor propio, y para mí era como recuperar la patria.” (pág. 36); (a reação da irmãzinha de Claudio à morte da mãe) – “«Ves, Claudio, la higuera no se mueve, no oye, no habla, no piensa, no sueña, no siente dolor, pero está viva ¿no? A lo mejor mamita está como la higuera».” (pág. 56); (a descoberta do sexo, do corpo da mulher) – “La memoria del cuerpo no cae nunca en minucias. Cada cuerpo recuerda del otro lo que le da placer, no aquello que lo disminuye” (págs. 121, 122); “Durante varios encuentros seguimos fascinados por esa comunión. No había pregunta de un cuerpo que no supiera o no pudiera responder el otro. ¡Hablábamos tan poco! Creo que teníamos miedo de que la palabra, al invadir nuestro espacio, nos trajera querellas, fracturas, desconfianzas. ¡Y el silencio era tan sabroso, era tan rico el tacto!(pág. 122).
Por fim, essa perfeição está nos já referidos capítulos curtinhos, nos vários narradores dos mesmos – predominantemente narrados em primeira pessoa por Claudio, mas com alguns narrados na terceira pessoa (o que nos permite uma abordagem mais “imparcial” e mais neutra) e outros fragmentos do diário do pai de Claudio – na riqueza linguística do espanhol uruguaio (que saboreio com avidezJ) na homenagem que o autor faz de novo ao nosso Fernando Pessoa e num desenlace intrigante e que remete para o título da obra e para um misticismo e realismo mágico tão característicos do povo sul-americano.
Mais não digo. E havia muito mais para dizer, acreditem. É uma obra pequena, mas que contém pinceladas de um pouco de tudo, daquilo que mais importa para fazer dela um exemplo de uma leitura deliciosa, sublime e completa.
Gracias, Benedetti, estés donde estés, ¡seguirás siempre conmigo!
Recomendo, obviamente, e sem reservas.

NOTA – 10/10

Sinopse

Claudio retrocede hasta volver a ser un niño de cinco años y rescata del pasado las anécdotas, las personas y los acontecimientos históricos que marcaron su vida. La mirada de Benedetti se detiene en historias que llaman a la reflexión, y ofrece otras que todos podríamos reconocer como claves en la vida de un niño, de un adolescente o de un adulto: la desolación ante la muerte de la madre, el descubrimiento del amor, el acercamiento al sexo, la conciencia social, la experiencia del goce y la asunción del dolor. En suma, e l paso que dejan los años y las personas a las que amamos, y que fundamenta nuestra trayectoria existencial.

Desamparo, de Inês Pedrosa

Domingo, 22 de novembro de 2015




Opinião
Desamparo é um retrato de personagens desamparadas. Desamparadas pelos seus pais, pelos seus filhos, pelos seus irmãos, pelos seus companheiros, pelos seus namorados, por outros entes queridos. Enfim, abandonados, remetidos a um desamparo num país também ele a necessitar que alguém o ampare, lhe deite a mão, o ajude a erguer-se e a olhar de frente e com confiança para o porvir.
Dividindo a ação entre dois países irmãos – Portugal e Brasil –, a narrativa apresenta-nos um punhado de personagens órfãos de amparo e de amor.
Jacinta desde muito pequenina mendiga por amor e carinho – da sua mãe que preferiu manter-se no seu país a acompanhar marido e filha na aventura da emigração; dos seus maridos, sobretudo do segundo, a quem devotava uma paixão que não diminuiu com o passar dos anos e de quem recebeu nada mais do que desamor e recorrentes traições; e de dois dos seus filhos que parecem nunca lhe ter perdoado o sofrimento e a dor que testemunharam e o empecilho em que a mãe se foi transformando ao longo dos anos.
Por sua vez, Raul, filho “caçulo” de Jacinta, segue as pisadas da sua progenitora. Homem bem-parecido, com uma promissora carreira de arquiteto, possui à primeira vista tudo o que necessita para ser bem-sucedido. Mas mais uma vez escasseia-lhe o amor. O amor de um pai que nada vê nele exceto insegurança, falhanço, o amor dos irmãos, o amor de uma mulher que lhe escapa por entre os dedos. Sobra-lhe o amor da mãe que tenta colmatar todos os outros amores. Por esse amor, Raul deixa para trás o seu país natal e vem viver para Portugal, onde o seu sucesso profissional resvala encosta abaixo com a avalanche da crise nacional e onde sempre será visto como estrangeiro, como o “brasileiro”.
À vida destas duas personagens principais se vão juntando outras, umas mais relevantes, outras menos. Contudo, todas elas exemplificam essa carência de afetos, de amparo e de todos os ingredientes que recheiam uma existência feliz e quentinha. Retratam ainda a manta de retalhos que é o nosso país desde a saga emigratória dos anos sessenta, setenta até a uma atualidade comandada por uma crise económica que nos abraçou e parece não querer afrouxar o aperto.
Inês Pedrosa contempla-nos assim com uma obra atual e muito portuguesa. A narrativa está polvilhada de apontamentos que compõem a história do dia-a-dia do nosso país e com os quais nos identificamos de imediato – ora seja o quotidiano de uma aldeia que se alimenta da coscuvilhice, de episódios de violência doméstica ou de gestos de solidariedade, ora sejam os exemplos de corrupção em órgãos de poder, ora seja a parcialidade de uma justiça lenta e burocrática ou ora ainda seja a esperança que reside no turismo como alavanca para fazer renascer a prosperidade lusa. Tudo isto toca no leitor de forma muito significativa e levou-me a sublinhar muitas passagens.
Desamparo é igualmente uma obra que nos chega com um estilo próprio e que não consigo definir de outra forma que não seja um estilo limpo, sereno. Tudo o que nos é reportado é feito com serenidade, com uma linguagem simples, com laivos poéticos, que faz-nos sorrir perante determinada passagem, sublinhá-la, agradecer à autora a portugalidade que atravessa a narrativa de uma ponta à outra e ficar satisfeitos com o desenlace da obra.
Sendo assim, recomendo a sua leitura. Não a recomendo vivamente, como uma leitura obrigatória, daquelas que poderão marcar-nos para sempre, porque considero que lhe falta isso mesmo – algo, aquilo que me vá fazer lembrar-me dela daqui a uns tempos… Li-a em poucos dias, é um facto, gostei da sua companhia, mas tenho o pressentimento de que, daqui a uns tempos, pouco me recordarei dela e que tão pouco ficarei triste por esse esquecimento…
Para terminar, deixo-vos aqui a canção que fez de banda sonora a esta leitura e que vai e vem na minha vida como e quando lhe apetece, sem que eu a possa controlar J Uma pérola dos tempos da telenovela “Roque Santeiro” – Aconchego, de Elba Ramalho:


NOTA – 08/10

Sinopse
A saga de uma mulher, Jacinta Sousa, que foi levada do colo da mãe para o Brasil aos três anos e regressa para a conhecer mais de cinquenta anos depois é o ponto de partida deste extraordinário romance de Inês Pedrosa. "No Brasil eu sempre fui a Portuguesa; em Portugal, passei a ser a Brasileira".
Numa escrita inteligente, límpida e plena de humor, a autora cria um universo singular, uma aldeia em que se cruzam personagens e histórias de vários continentes.
Emigrações e imigrações de ontem e de hoje, seres solitários e escorraçados que procuram novas formas de vida, enquanto tentam sobreviver à maior depressão económica das últimas décadas.

O amor, a traição, o poder, a inveja, o ciúme, a amizade, o crime, o medo, a vingança e sobretudo a morte atravessam este livro que faz a radiografia do Portugal contemporâneo, num enredo cheio de força e originalidade.

Stoner, de John Williams

Quarta-feira, 18 de novembro de 2015





Opinião
William Stoner é a antítese de um protagonista com os ingredientes para arrebatar-nos. Filho único de um casal de agricultores que sempre se debateu com dificuldades em ganhar o seu sustento de uma terra árida e pouco produtiva, quebra o ciclo dentro da família ao não seguir as pisadas de seus antepassados. Termina os estudos secundários e é surpreendido com a proposta do pai em prosseguir a sua educação numa Escola Superior Agrária. Sai assim de casa dos seus progenitores para não mais voltar a essas origens. Inicia a sua vida adulta e independente estudando e trabalhando para pagar o seu sustento e o quartinho minúsculo que ocupa em casa de uns primos da mãe.
A segunda grande mudança da sua vida ocorre quando descobre a literatura nas aulas de um professor excêntrico, mas que o cativa irremediavelmente e o faz interromper o curso da Escola Agrária e mergulhar numa vida de livros, palavras, letras, regras gramaticais, histórias, autores, correntes literárias. Descobre aí a sua vocação e o sentido da sua vida. Tornar-se-á professor e amante da sua língua, dos livros, do vaguear pela biblioteca, da urgência e da tranquilidade que nos assola quando seguramos um livro nas mãos e nada mais queremos que não seja perdermo-nos no seu cheiro, no folhear das suas páginas e na viagem que nos proporciona a sua história, o conjunto das suas palavras.
“Na biblioteca da universidade vagueava por entre as estantes, por entre os milhares de livros, inspirando o odor bafiento a couro, tecido e papel ressequidos como se fosse um exótico incenso. Por vezes parava, tirava um volume de uma prateleira e segurava-o um instante com as suas mão grandes, que eram tomadas por um formigueiro perante essa sensação ainda nova da lombada, de capa cartonada e das folhas de papel que se lhe ofereciam sem resistência. Depois, folheava o livro, lendo um parágrafo aqui e ali, os seus dedos hirtos virando as páginas cuidadosamente, com medo de, desajeitados, rasgarem e destruírem aquilo que tinham descoberto com tanto esforço.”  (págs. 18, 19)
Este amor, esta entrega aos livros e à literatura transfiguram William Stoner, mas quem passe por ele nos corredores da Universidade de Missouri, quem assista à maioria das suas aulas, quem conviva com ele de forma assídua, apenas se depara com um homem desajeitado, calado, sorumbático, algo apático e a quem nada nem ninguém parece afetar verdadeiramente. É um homem cujas raízes humildes, cuja vida entre paredes silenciosas de parcas trocas de palavras o habituaram a observar, a calar para si o que pensa, o que sente, o que alegra, o que o entristece, o que o magoa. Por essa razão, apenas nós, os leitores, o conhecemos verdadeiramente, o acarinhamos, o tentamos espicaçar para reagir, nos compadecemos dele. Por essa razão ainda, o início da obra nos informa, crua e objetivamente, que a existência de Stoner e o impacto que a mesma teve na vida de quem o conheceu ou ouviu falar dele foi mínimo, insignificante.
Um aluno que ocasionalmente depare com o nome poderá perguntar-se quem era William Stoner, mas poucas vezes tentará saciar a curiosidade, indo além da pergunta casual. Os colegas de Stoner, que não lhe tinham uma estima por aí além quando era vivo, raramente falam dele agora; para os mais velhos, o nome é um lembrete do fim que os espera a todos e, para os mais jovens, é um mero som que não evoca qualquer noção do passado nem qualquer sentimento de identificação quer em termos pessoais, quer em termos de carreira.” (pág. 7)
Sendo assim, como é que uma obra que tem como título o nome do seu protagonista, protagonista esse um homem que vive uma vida mediana, insignificante para alguns, possa ser considerada por nomes sonantes como um “romance formidável” ou “Um dos grandes romances esquecidos do século passado”? Simplesmente porque está escrito com uma simplicidade e uma acuidade que nos desarmam, porque as suas personagens estão carregadas de veracidade, porque os seus comportamentos despoletam as mais variadas reações, porque a genialidade do autor e da obra que criou são uma lufada de inteligência, de comedimento, de naturalidade e de supremacia face à mediocridade, pouco talento e ausência de saber-fazer de carradas de coisas que se publicam hoje em dia, só porque a escrita “virou moda”.
Stoner foi publicado em 1965 e, tal como o seu protagonista, caiu rapidamente no esquecimento. Em 2013 foi aclamado o melhor livro do ano pelos leitores de uma livraria britânica. Eu tomei conhecimento da sua existência apenas este ano, numa das conversas “sumarentas” que tenho com a minha compincha literária, Nancy. Adquiri-o em agosto e só agora em novembro preencheu as minhas horas literárias. Demorei seis dias a lê-lo e ainda hoje, enquanto escrevo isto e já tendo outra obra a fazer-me companhia, sinto William Stoner aqui ao lado. E sei a razão por que ainda não me abandonou. Não é fácil dizer-lhe adeus, porque a sua insignificância, a sua vida medíocre e trivial, as horas que passava a observar a paisagem que a janela do seu gabinete lhe oferecia, o amor aos livros e à sua língua, o silêncio carregado de afeto dos momentos que partilhou (na verdadeira essência da partilha) com a filha enquanto esta era criança, o amor e a intimidade que não encontrou no casamento, a forma como se despediu da vida e sobretudo o seu carácter que nos impele a fechar a porta ao mundo e a querer estar aí, ao seu lado, tudo isto faz-me concordar em pleno com as críticas que acompanham a sinopse na contracapa e a recomendar a história de William Stoner a todos aqueles que tenham vontade de deitar as mãos a uma história brilhantemente escrita e que toca e reflete a vida quotidiana, banal, ordinária como poucos romances o fizeram.
Mesmo muito bom.

NOTA – 09/10

Sinopse
Romance publicado em 1965, caído no esquecimento. Tal como o seu autor, John Williams - também ele um obscuro professor americano, de uma obscura universidade. 
Passados quase 50 anos, o mesmo amor à literatura que movia a personagem principal levou a que uma escritora, Anna Gavalda, traduzisse o livro perdido. Outras edições se seguiram, em vários países da Europa. E em 2013, quando os leitores da livraria britânica Waterstones foram chamados a eleger o melhor livro do ano, escolheram uma relíquia. 

Julian Barnes, Ian McEwan, Bret Easton Ellis, entre muitos outros escritores, juntaram-se ao coro e resgataram a obra, repetindo por outras palavras a síntese do jornalista Bryan Appleyard: "É o melhor romance que ninguém leu". Porque é que um romance tão emocionalmente exigente renasce das cinzas e se torna num espontâneo sucesso comercial nas mais diferentes latitudes? A resposta está no livro. Na era da hiper comunicação, Stoner devolve-nos o sentido de intimidade, deixa-nos a sós com aquele homem tristonho, de vida apagada. Fechamos a porta, partilhamos com ele a devoção à literatura, revemo-nos nos seus fracassos; sabendo que todo o desapontamento e solidão são relativos - se tivermos um livro a que nos agarrar.

A Ilha das Garças

Quarta-feira, 11 de novembro de 2015




RELEITURA

Opinião
Voltei às releituras. Sentia vontade de fazê-lo desde que a opinião de uma compincha bloguista (obrigada, Isaura, do Jardim de Mil Histórias) sobre a última obra de Sue Monk Kidd me fez recuar no tempo, percorrer as estantes e sentir aquele frenesim de excitação quando folheei A Ilha das Garças e recordei a história de Jessie e Whit, a intensidade dos sentimentos e desejo que os uniu desde que se viram pela primeira vez.
Após uma série de leituras densas e pouco pinceladas de amores entre uma mulher e um homem, estava “sedenta” por embrenhar-me numa narrativa repleta de amor, desejo e paixão, sentimentos que nos cegam e preenchem por completo os dias com tolices, com mil e um planos que nos levam a querer ver, a querer estar no mesmo espaço ou a querer sentir o olhar da pessoa amada. E sabia que os amores de Jessie e Whit me ofereceriam tudo isto.
Jessie é uma mulher na casa dos quarenta, casada há vinte anos e mãe de uma filha que recentemente ingressou na universidade. Tem o que à partida parece ser uma vida normal, tranquila e preenchida. Contudo, um ato de loucura por parte da sua mãe (com quem tem uma relação distante e tensa) quebra essa normalidade e obriga-a a regressar à sua ilha natal para tentar perceber as razões que levaram a sua mãe a cometer tal ato.
Esse retorno às origens fará com que possa desenredar nós, confrontar fantasmas, recordações e momentos dolorosos que sempre tingiram a sua vida de cores mais sombrias e não deixaram que confiasse e se abrisse plenamente com os outros, inclusive com quem partilha vida há vinte anos. Sendo assim, a partir do momento em que pousa os pés na ilha de Egret, Jessie desafia-se a si mesma – num ímpeto que não lhe é habitual, decide que o regresso à ilha servirá para redescobrir-se, para dar-se a oportunidade de voltar a sentir-se viva, de voltar a viver sem filtros, com arrebatamento, com paixão. Põe então em pausa o seu passado, o seu presente de mulher casada, de mãe, de filha e permite-se pensar em apenas si mesma. Permite-se igualmente fazer o que é preciso para receber respostas a perguntas há muito tempo sem resposta. Permite ainda que a sua ilha a deslumbre e a conquiste de novo. E por fim, permite-se apaixonar-se, deixa que o desejo e a fome de paixões arrebatadoras a prendam a alguém que, como ela, está sedento de amor mas com amarras que o impedem de ser completamente livre.
A Ilha das Garças agracia-nos assim com uma poderosíssima história de amor. Mas não foi apenas essa história que me “obrigou” a lê-la de forma compulsiva. A Ilha das Garças é também a história de uma família desestruturada desde que o pilar da mesma faleceu em circunstâncias trágicas. É também a história de uma amizade entre três mulheres que resistiu à passagem dos anos e se mantém quase inalterável. E é o retrato das vivências tradicionais da gente do sul dos Estados Unidos, de insulares e da exuberância mágica e sensual de uma ilha, da sua vegetação, dos seus espaços naturais, da sua população animal e da força e atração que o mar exerce em quem vive dele e junto a ele.
É, por tudo o que disse, uma obra que vale a pena ler ou reler e bendigo o momento em que me propus a fazê-lo, porque “caiu” na perfeição numa altura em que o trabalho e a burocracia me assoberbam, porque me proporcionou uma leitura mais leve, carregada de sentimentos poderosos, porque corresponde ao que nos desvenda a sinopse e as várias críticas presentes na contracapa e porque me rendi ao estilo e à escrita elegante e feminina da autora. O único reparo que tenho a fazer e que me impede de avaliar a obra com uma nota melhor está relacionado com o seu desenlace. Pareceu-me um pouco precipitado, ou seja, após tanta intensidade, tudo se desfaz, tudo se esvazia como um balão roto e senti que pouca coisa na vida real passa, quase de um momento para o outro, de intenso a banal, a dispensável e que tão pouco algo ou alguém que nos incomodava e não nos satisfazia passe a ser aquilo que nos fará felizes e completos.
Contudo, apesar desse pequeno reparo, espero (e quero J) poder brevemente ler as outras duas obras da autora – uma que também mora na minha estante – A vida secreta das abelhas – e outra que mora na minha wishlistA invenção das Asas.

NOTA – 08/10

Sinopse

No interior de um mosteiro beneditino na ilha de Egret, ao largo da costa da Carolina do Sul, repousa um misterioso trono com sereias gravadas, dedicado a uma santa que, segundo a lenda, era sereia antes da sua conversão. Quando Jessie regressa à ilha por causa de um ato de violência aparentemente inexplicável da sua excêntrica mãe, a sua vida prima pela normalidade e o seu convencional casamento com Hugh é seguro e estável. Jessie ama Hugh mas, uma vez na ilha, a atração que sente pelo irmão Thomas, um monge que está prestes a fazer os votos solenes, é irreprimível. Rodeada pela beleza exótica dos pântanos, deltas e garças majestosas, Jessie debate-se com a tensão do desejo, com a luta e a negação dos seus próprios sentimentos, com a liberdade a que acha que tem direito e com a força inexpugnável do lar e do casamento. Será que o poder do trono da sereia é apenas um mito? Ou será capaz de alterar o seu destino? O que está prestes a acontecer irá desvendar as raízes do passado atormentado da mãe, mas, acima de tudo, permitir que Jessie se reconcilie com a vida.

Toda a luz que não podemos ver, de Anthony Doerr

Domingo, 08 de novembro de 2015




Opinião
       Raramente me acontece, mas hoje não está a ser fácil escrever a opinião sobre a obra que terminei de ler na sexta-feira. Sobram-me as ideias, mas ainda não fui capaz de as organizar. A ver se desta é de vez.
Toda a luz que não podemos ver retrata a Segunda Guerra Mundial. Tema reincidente, repetido, já infinitamente esmiuçado e que tantas vezes passou pelas minhas mãos. Mas, como referiu uma das minhas alunas quando lhe disse de que tratava a obra, “Se é sobre a Segunda Guerra, vale a pena”. Porque a repetição não é sinónimo de banalidade, de trivialidade. Pelo contrário. A atração que me impele a ler um e outro livro sobre esse conflito horrendo e desumano faz de mim alguém melhor, faz-me apreciar os pequenos nadas que foram arrancados das vidas dos milhões daqueles que “subviveram” (palavra que “aprendi” contigo, Ana Sofia) o impensável e o insuportável. E sei (da forma mais visceral) que deixarei de gostar de mim como pessoa no momento em que a leitura de uma obra como Toda a luz que não podemos ver cesse de bulir comigo e de me apontar a luz no meio de tanta escuridão, obscurantismo, podridão que reinam (ainda) por estas bandas…
As 517 páginas da obra alternam-se em capítulos curtinhos. Fazem-nos viajar em frequentes analepses e entre pequenas terreolas alemãs, Berlim, Paris e Saint-Malo. Apresentam-nos os protagonistas, as personagens secundárias e enredam-nos irremediavelmente numa história tocante, comovedora e que ainda se mantém comigo… De tal forma que está a impedir que aprecie devidamente o livro que agora me faz companhia.
Como mãe, senti uma imediata e quase umbilical ligação com os dois protagonistas da obra. Werner é órfão, vive com a irmã numa casa que acolhe órfãos e já tem o seu futuro escrito – aos quinze anos irá trabalhar para as minas que lhe mataram o pai. Contudo, até atingir essa malfadada idade, tenciona “brincar” com o seu lado engenhocas e consertar tudo o que encontra. “O milagre”, “a luz” dá-se quando deita mãos a um rádio e fá-lo funcionar. Liga-o todas as noites e, na companhia de Jutta, sua irmã, percorre a estática até tropeçar numa suave voz francesa que lhe fala de temas como ilusões de ótica, eletromagnetismo, conclui o programa com um pedido disfarçado de vaticínio – “Abram os olhos e vejam tudo o que conseguirem ver antes que se fechem para sempre” (pág. 55) e despede-se pondo a tocar a música que sempre acompanhará Werner e desempenhará um papel preponderante na sua vida – Clair de Lune, de Debussy. Por sua vez, Marie-Laure (órfã de mãe), vive com o pai em Paris e segue-o para todo o lado, não só porque a sua cegueira assim o determina, mas também porque adora passar o dia deambulando pelas salas e jardins do Museu da História Natural onde o seu pai exerce as funções de serralheiro e guardador de todas as chaves dos infindáveis armários, salas, salões e outros espaços que compõem um dos inúmeros e importantes museus da capital francesa.
A preparação para a guerra e o estalar desta produzem uma reviravolta nas vidas destes adolescentes e tudo o que lhes era familiar, rotineiro, normal é-lhes retirado para ser substituído por uma máquina infernal, mas muito bem oleada que dizima a individualidade, a diferença, o livre arbítrio, os sonhos, a luz. A Werner, o ingresso num colégio que doutrina e faz sobressair a pureza, a resistência e a superioridade da raça ariana rompe e macula-lhe a inocência, endurece-o e obriga-o a ser mais um que tudo faz para sobreviver. A Marie-Laure, a ocupação do seu país tira-lhe literalmente o chão debaixo dos pés, aquele chão já tão familiar e que a levava, com um memorizado número de passos e sarjetas, a ser independente e a não necessitar do pai para movimentar-se de casa ao museu ou a outro local. A Jutta, irmã de Werner, a guerra traz a concretização de todos os seus pressentimentos. Ao pai de Marie, força-o a atravessar mais de metade do país e a buscar refúgio na sua cidade natal. Força-o ainda a “fazer ouvidos moucos” aos pedidos e à torrente de perguntas com que a sua filha o inunda e a tentar devolver-lhe a segurança e normalidade do seu mundo pré-guerra. A Frederick, companheiro de colégio de Werner, a fraca visão e o carácter sonhador são incomodativos, são o oposto de um exemplar da perfeita raça ariana e fá-lo-ão sofrer as piores consequências. A Étienne, tio-avô de Marie, esta guerra agudizará os terrores e fantasmas que não o abandonam desde que combateu a anterior guerra mundial. Mas também despoletará de novo o seu lado humano, levá-lo-á a sentir-se útil, a retaliar como pode para que o obscurantismo não tape a luz, não dizime com os sonhos, o conhecimento, a esperança e a crença.
 Por tudo isto, Toda a luz que não podemos ver é uma obra impressionante. Arranca de uma forma algo lenta, morna, é verdade, mas mexe na chaga que foi a Segunda Guerra Mundial sem recorrer à descrição de combates ou do holocausto judeu. Dá-nos a perspetiva dos dois lados através de exemplos daqueles que uma doutrina totalitária pretende moldar ou aniquilar – os detentores ou sôfregos de sonhos, de conhecimento, de oportunidades de saber mais. Com uma linguagem cuidada, poética, que evidencia o poder das palavras (com poucas podemos dizer tanto…), levou-me a experimentar os mais variados sentimentos e a entregar-me toda à leitura – como sempre o faço quando esta merece.
O único reparo que tenho que fazer à obra e que me faz não lhe dar a pontuação máxima tem a ver com a morosidade da parte inicial e com a trama à volta da joia “Mar de chamas”. Na minha opinião, não acrescenta nada de fundamental à narrativa. É incontestável que muita da ação na “parte francesa da obra” anda à volta do valor incalculável da joia, no entanto as outras tramas que compõem a história são suficientemente poderosas para transformá-la numa história a não perder para quem vibra com romances históricos, com romances muito bem elaborados e com romances que nos tocam profundamente.
Por fim, transcrevo aqui uma frase que aborda em poucas palavras a essência desta obra – “O que a guerra fez aos sonhadores” (pág. 493) e, como não poderia deixar de ser, o link para a música que atravessa, que une o princípio da narrativa com o seu fim e que faz com que o seu desenlace seja tão mágico e intenso – Clair de Lune, de Debussy.



NOTA – 09/10

Sinopse
Marie-Laure é uma jovem cega que vive com o pai, o encarregado das chaves do Museu Nacional de História Natural em Paris. Quando as tropas de Hitler ocupam a França, pai e filha refugiam-se na cidade fortificada de Saint-Malo, levando com eles uma joia valiosíssima do museu, que carrega uma maldição. 

Werner Pfenning é um órfão alemão com um fascínio por rádios, talento que não passou despercebido à temida escola militar da Juventude Hitleriana. Seguindo o exército alemão por uma Europa em guerra, Werner chega a Saint-Malo na véspera do Dia D, onde, inevitavelmente, o seu destino se cruza com o de Marie-Laure, numa comovente combinação de amizade, inocência e humanidade num tempo de ódio e de trevas.

Balanço mensal - livros lidos e adquiridos em outubro

Terça-feira, 03 de novembro de 2015





 Este mês foi atípico porque não comprei nenhum livrinho… nada, nicles… Nem para oferecer, nem para mim… Não foi por falta de oportunidades, nem muito menos por falta de vontade… Foi porque me senti na obrigação de ouvir a voz da consciência cá de casa e concordar a contragosto com o maridinho quando ele me alertou para o facto de estar a ficar um nada obcecada com a compra de livros…
         Contudo, agora que ele não está aqui ao meu lado, posso desabafar, reclamar e até fazer uma birrita! Quem é “ligeiramente” obcecado/a por livros, leituras e livrarias, entende-me na perfeição quando exponho a minha discordância perante argumentos como estes – “Para que vais comprar mais livros se tens mais de dez por ler na estante?”; “O Natal está a chegar e aí muitas das tuas prendas serão livros.”; “Ao comprares mais livros, “obrigas-me” a ler essas recentes aquisições e depois reclamas que só leio os livros novos e esqueço os que já estão na estante há mais tempo…”
         A refutação a isto tudo é simples – não é por ter mais de dez livros por ler que me sinto satisfeita. Um dos meus maiores prazeres é olhar para a estante e saber que eles estão ali, à minha esperinha, que eu os lerei todos, todinhos e que já estão deste lado, já são só meus (“vale”, teus também, cariño!). Por outro lado, se há algo que me irrita é o facto de ter que esperar por datas específicas para poder comprar o que pode ser comprado agora. Vou ter que esperar quase dois meses para ter livrinhos novos quando a minha wishlist é praticamente um lençol?? Se tivesse comprado 2 ou 3 em outubro, ainda haveria muito por onde escolher para a época natalícia, não é verdade? Quanto ao terceiro argumento, nada mais fácil – lês, como eu, por ordem cronológica de entrada cá em casa e tens o problema resolvido J
         Bom, agora que fiz a minha birra, tenho que dizer que o vício está controladinho (não te preocupes, amor mío), mas não venhas com alertas de consciência este mês de novembro! Já “me desintoxiquei” no anterior e, para além de comprar os tradicionais livros para oferecer, tenho que “comprarme uno o dos…” Prometo que não me excedo, que só compro no máximo dois, mas com tantas novidades a caírem no mail, nos blogues que sigo, nas páginas das editoras, é impossível resistir! Não consigo… nem quero!
         No que diz respeito às leituras de outubro, há que dizer que li quatro obras e que tentei algo que não deu certo – ler duas obras ao mesmo tempo. Daquelas que “saboreei” até ao fim, destaco O violoncelo de Sarajevo, uma obra sublime e que seguramente figurará na lista das melhores leituras deste ano. As outras três também não defraudaram as expetativas e deixaram-me com vontade de ler algo mais que tenha sido escrito pelos respetivos autores. Talvez a menos “saborosa” tenha sido a de A rapariga das laranjas, muito por causa da forma filosófica com que são abordadas algumas temáticas. Se tivessem sido tratadas com mais simplicidade seriam bem mais apelativas… Pelo menos para mim…   
         Aqui ficam os links das leituras de outubro:
§  O décimo terceiro conto, de Diane Setterfield
§  A rapariga das laranjas, de Jostein Gaarder
§  O violoncelo de Sarajevo, de Steven Galloway
§  Regressar a casa, de Rose Tremain

Termino dizendo que, como não há foto de livros adquiridos, decidi “substituí-la” por uma de um dos meus prazeres/pecados outonais – as fabulosamente deliciosas castanhas J

ALERTAAAAAAAAAAAAA! Almudena ha vuelto!

Domingo, 01 de novembro de 2015



ALERTAAAAAAAAAAAAA! Almudena ha vuelto J
A minha última semana de outubro não poderia ter terminado melhor! Para além de ter matado saudades de gente que me diz muito e que, passados 20 anos, voltou a preencher a minha vida, recebi uma notícia que rapidamente partilhei com a minha Nancy e que agora quero partilhar com quem, como nós, é fã incondicional de Almudena Grandes, a fantástica autora espanhola, autora de obras soberbas e que sempre, sempre cumprem ou superam as expetativas!
No próximo dia cinco de novembro, será posta à venda (em Espanha apenas, infelizmente…) Los besos en el pan, a última obra de uma das minhas autoras favoritas. Com este romance (dono de uma capa lindíssima), faz uma pausa nos seus Episodios de una Guerra Interminable e brinda-nos com uma narrativa muito atual, que aborda estes tempos difíceis de crise e nos convida a entrar num bairro como outro qualquer, onde vivem famílias como a minha ou a vossa e que, ao longo de 336 páginas, enfrentarão “momentos agridulces de una solidaridad inesperada, de indignación y de rabia, pero también de ternura y tesón”. Ou seja, adivinha-se uma obra daquelas, como só a “minha” Almudena sabe escrever e que me está a deixar entusiasmadíssima, doidinha de emoção e de vontade de ter o livro nas minhas mãos!!!
Sendo assim, resta-me publicar este alerta, partilhar esta informação com as minhas compinchas admiradoras do mundo literário de Almudena e como quem não quer a coisa… relembrar que o Natal e o meu aniversário estão aí J
Aqui fica a sinopse desta obra que salta já para a minha wishlist!

Sinopsis
“Hay que ser muy valiente para pedir ayuda, pero hay que ser todavía más valiente para aceptarla. Los besos en el pan, una conmovedora novela sobre nuestro presente.”

¿Qué puede llegar a ocurrirles a los vecinos de un barrio cualquiera en estos tiempos difíciles? ¿Cómo resisten, en pleno ojo del huracán, parejas y personas solas, padres e hijos, jóvenes y ancianos, los embates de una crisis que «amenazó con volverlo todo del revés y aún no lo ha conseguido»? Los besos en el pan cuenta, de manera sutil y conmovedora, cómo transcurre la vida de una familia que vuelve de vacaciones decidida a que su rutina no cambie, pero también la de un recién divorciado al que se oye sollozar tras un tabique, la de una abuela que pone el árbol de Navidad antes de tiempo para animar a los suyos, la de una mujer que decide reinventarse y volver al campo para vivir de las tierras que alimentaron a sus antepasados… En la peluquería, en el bar, en las oficinas o en el centro de salud, muchos vecinos, protagonistas de esta delicada novela coral, vivirán momentos agridulces de una solidaridad inesperada, de indignación y de rabia, pero también de ternura y tesón. Y aprenderán por qué sus abuelos les enseñaron, cuando eran niños, a besar el pan.