Madame Bovary, de Gustave Flaubert

Sábado, 10 de maio de 2014




Opinião
Com Madame Bovary, voltei aos clássicos, mas foi um regresso um pouco custoso!... Este romance (que se revelou um escândalo aquando da sua publicação em França) relata a história de Emma Bovary, casada com um médico campónio, e que busca em relações adúlteras a paixão, o prazer e os amores sensuais que conhece das suas leituras de romances de amor! Contudo, essas relações extraconjugais levá-la-ão a uma espiral de desgostos e dívidas e consequentemente à desgraça da sua família e à sua morte!
Ao ler esta obra, voltei ao mundo do Realismo e Naturalismo e não pude deixar de fazer paralelismos com as obras do grande Eça – personagens de várias classes sociais e repletas de defeitos, discussões “acesas” entre clérigos e defensores da ciência, bem como descrições de locais e ambientes levadas ao pormenor.
Como já há algum tempo não lia nenhuma obra do século XIX (exceto as de Jane Austen), não consegui sentir simpatia por Madame Bovary, apesar de ter consciência de que todas as suas fantasias, os seus sonhos de “amor e uma cabana” fizeram parte da minha vida quando era adolescente… Mas já estou bem mais madura J e, como tal, senti-me muito crítica em relação a tudo o que ela fazia… e igualmente pouco de acordo com aqueles leitores que dizem que quem não lê Madame Bovary não conhece as mulheres!... Isso está bem longe da verdade.

NOTA – 07/10

Sinopse
«Madame Bovary sou eu», disse uma vez Flaubert, a quem o êxito do seu romance publicado em 1856 acabou por irritar, de tal modo eclipsou os seus outros livros.

Ema Bovary persegue a imagem do mundo que lhe é dada por uma certa literatura desligada da realidade. Arrastada pelas suas ilusões, a mulher do prosaico Carlos Bovary imagina-se uma grande amorosa.

Mulherzinhas, de Louise May Alcott

Quinta-feira, 21 de maio de 2015





Opinião
No dia em que a minha querida mamã completa 60 primaveras encerro a leitura de um livrinho intemporal, que agrada tanto a miúdos/miúdas como a graúdos/graúdas e que nos ensina o quanto o amor de uma mãe, de um pai, de uma irmã ou de um irmão são o alimento fundamental para uma vida sorridente e docinha.
Com certeza que a história da família March não é desconhecida para muitos e muitos leitores, pois é um clássico da literatura juvenil e já foi adaptada várias vezes para o pequeno e grande ecrã. Contudo, é uma daquelas histórias das quais nunca nos cansamos, pois a sua simplicidade, baseada no quotidiano de quatro irmãs que se veem a viver momentos menos afortunados e separadas do seu pai (a combater uma guerra que suponho ser a Guerra Civil americana ou então uma das muitas que os Estados Unidos travaram contra o México), é simplesmente arrebatadora.
Durante a ausência do Sr. March, Meg, Jo, Beth e Amy repartem os seus dias tratando de pequenas tarefas domésticas (no caso das irmãs mais velhas, Meg e Jo, já ganham inclusive algum dinheiro trabalhando uma como “babysitter” e outra como dama de companhia) e aproveitando o tempo livre para darem asas aos seus talentos e para usufruírem da sua infância e juventude com atividades onde não faltam gargalhadas, segredos trocados, imaginação à solta e muitos e muitos sonhos.
Convivendo assiduamente com elas, há um leque de personagens secundárias mas não menos importantes, como os vizinhos Lawrence (avô e neto) e o precetor deste, Mr. Brooks. Laurie Lawrence torna-se o amigo inseparável de Jo. O velho Sr. Lawrence desenvolve uma amizade adorável com Beth e o Sr. Brooks conseguirá arrebatar o coração da irmã March mais velha.
Desvendada quase toda a história (e só o faço, porque tenho noção de que nada do que disse será novidade para ninguém), importa referir que, sem dúvida alguma, a minha personagem favorita é a de Jo, porque identifico-me completamente com ela. É a mais “arrapazada” de todas as irmãs, aproveita qualquer oportunidade para falar calão, para assobiar como um rapaz e para correr desalmadamente, pela rua ou pelos campos fora, agarrando o vestido e desembaraçando as pernas desses tecidos inúteis e que, mais que nada, estorvam. Para além disso, como poderia sentir-me indiferente face à sua paixão pelos livros, pela leitura e pela escrita? Impossível. A par de Jo, a doçura e o altruísmo de Beth, bem como a ternurenta ligação que desenvolve com o áspero Sr. Lawrence (como se de uma relação de neta e de avô se tratasse) tocaram-me de uma forma especial.
Não posso terminar esta opinião sem fazer menção ao estilo da escritora. É certo que estamos a falar de um clássico do século XIX, de uma obra escrita predominantemente para o público feminino, mas tudo isso esquecemos perante uma narrativa repleta de momentos de dor, sofrimento, angústia e ao mesmo tempo de alegria, companheirismo, travessuras, solidariedade e de muita cumplicidade e amor fraternal. As personagens estão muito bem construídas e são realistas, porque todas elas não são perfeitas, são donas de muitas qualidades mas também de alguns defeitos (inclusive a Sra. March tem o seu mau-génio, que vem combatendo há muitos anos) e vão aprendendo com os erros a moldar o seu carácter. E, por fim, tenho que fazer sobressair o meu lado feminista e louvar o facto de, nesta obra, estas mulheres do século XIX conseguirem mostrar que era possível uma casa viver sem o suporte masculino. Estas mulherzinhas disso são capazes, porque têm personalidade, são fortes, espertas e encantadoras. Parecem frágeis, mas escondem garra, ainda mais quando se apoiam umas nas outras e se ajudam.
É então por tudo isto que acho que vale a pena ler e/ou reler esta “pérola” dos clássicos americanos!
Por último, deixo aqui o “trailer” de uma das muitas adaptações desta obra ao cinema, embora esta seja uma mistura da obra Mulherzinhas e da sua sequela “Good Wives”.


NOTA – 09/10

Sinopse
As irmãs Meg, Jo, Beth e Amy conhecem algumas dificuldades depois da partida do seu pai para a guerra e dos problemas económicos que a família enfrenta. Mas o espírito lutador e de união que reinam naquele lar ajudam-nas a seguir em frente.
Quer em casa quer nas relações com os amigos e vizinhos, elas conseguem surpreender e continuar e ser fiéis aos seus sonhos, vivendo cada dia com esperança e boa-disposição.

Uma história em que o amor e a coragem se revelam mais fortes do que todas as dificuldades que estas quatro raparigas, juntamente com a sua mãe, têm de enfrentar.

Alabardas, de José Saramago

Domingo, 17 de maio de 2015
 



Opinião

Sairá ao público no ano que vem se a vida não me falta.”
24 de outubro de 2009

Infelizmente a vida faltou-te, querido Saramago. E deixaste-nos órfãos. Órfãos e esfaimados de livros, de histórias, daquelas histórias que só a tua genialidade conseguia conceber. E por isso o luto ainda dói, por isso as 77 páginas de Alabardas são tão agridoces. Porque são as últimas que escreveste, as últimas, não haverá mais… E só desfolhando-as é que verdadeiramente me dei conta disso. A ficha caiu, faz-se aquele clique, aquele clique que me despertou de vez para essa crua realidade – Saramago já cá não está.
É óbvio que tenho noção de que já não está cá há quase 5 anos, mas foi ao ler Alabardas, ao ler a sua última e inacabada obra, que alcancei verdadeiramente a dimensão do seu desaparecimento físico e o quanto a sua morte nos ceifou das suas ideias, do que o levava a escrever e a mim a comprazer-me com o resultado de essa escrita. E Alabardas, ou pelo menos os três capítulos que a vida lhe deixou escrever, tem tudo aquilo que tanto aprecio e amo em Saramago – “Um mundo reconhecível, saramaguiano, que, nos primeiros traços, evoca o ambiente específico de Todos os Nomes e estabelece laços com o período de escrita iniciado por Ensaio sobre a Cegueira” (pág. 94 – Fernando Gómez Aguilera). Evoca Todos os Nomes através do mote da sua narrativa - a busca como uma demanda, os arquivos que evocam esses mundos subterrâneos que não parecem ter fim e o seu protagonista, um homem comum, solitário, respeitável, obediente. Evoca ainda o tipo de mulher saramaguiana e que tanto me faz ter orgulho no meu sexo – uma mulher corajosa, determinada, portadora de “uma chama de esperança e de grandeza” (pág. 102 – Fernando Gómez Aguilera). Evoca por fim todas as obras que li e devorei de Saramago, pois em apenas três capítulos estão reunidos todos os ingredientes para uma daquelas narrativas, uma daquelas leituras únicas, de tão absorventes e especiais que são. Como são as do meu Saramago.
Por tudo isto, acho que nem preciso dizer que tentei com todas as minhas forças saborear pausadamente esta “prenda” de valor inestimável, que afaguei as suas páginas, que maldisse vezes sem conta a malfadada morte que no dia 18 de junho de 2010 não deixou “de trabalhar” e que sofri com a crua constatação de que Alabardas ficará para sempre incompleta, que nunca saberei como se desenrolaria nem terminaria a sua ação. E que, pior ainda, ela fecha definitivamente a genial mão criadora de um dos mais talentosos escritores do universo.
Saramago já cá não está. Mas perduram os leitores e incondicionais admiradores do mundo das suas ideias. Como eu, leitora anónima, ou Günter Grass, um Prémio Nobel como ele, que ilustrou de uma forma belíssima a publicação póstuma de Alabardas. Ou ainda Fernando Gómez Aguilera e Roberto Saviano que em dois textos fazem comentários brilhantes e acertadíssimos às últimas palavras escritas pelo nosso Nobel, tanto em Alabardas como no seu Caderno.
Todos lhe rendemos assim a devida e merecida homenagem, porque aos génios imortais como ele o devemos. E eu continuarei a fazê-lo, relendo as suas obras e partilhando as suas histórias, as suas ideias. Sempre.

NOTA - 10/10

Sinopse

Aquando do seu falecimento, em 2010, José Saramago deixou escritas trinta páginas daquele que seria o seu próximo romance; trinta páginas onde estava já esboçado o fio argumental, perfilados os dois protagonistas e, sobretudo, colocadas as perguntas que interessavam à sua permanente e comprometida vocação de agitar consciências.

Saramago escreve a história de Artur Paz Semedo, um homem fascinado por peças de artilharia, empregado numa fábrica de armamento, que leva a cabo uma investigação na sua própria empresa, incitado pela ex-mulher, uma mulher com carácter, pacifista e inteligente. A evolução do pensamento do protagonista permite-nos refletir sobre o lado mais sujo da política internacional, um mundo de interesses ocultos que subjaz à maior parte dos conflitos bélicos do século XX.

O que nos separa dos outros por causa de um copo de whisky, de Patrícia Reis

Quarta-feira, 13 de maio de 2015




Opinião

As 89 páginas da novela O que nos separa dos outros por causa de um copo de whisky (título tão extenso para um livrinho tão curto…) presenteiam-nos com um monólogo intimista, mas cru de um professor universitário de escrita criativa que, aos 50 anos, reflete sobre o seu presente amargurado, recorda momentos fulcrais da sua existência passada e tem a lúcida consciência de que essa amargura, essa neblina que envolve a sua vida não irá desvanecer-se…
Todas estas reflexões entremeadas com recordações são feitas no balcão de um bar em Macau (onde o protagonista decidiu refugiar-se), com um copo de whisky, que vai sendo bebido e “reabastecido”, à medida que o professor, do qual não sabemos o nome, vai debitando o que lhe vai na alma, como se estivesse a dialogar com a empregada de bar que o vai servindo.
É notório que o ambiente onde se desenrola a ação, o ritmo “acumulativo” das confissões do protagonista e o tom amargo e ao mesmo tempo derrotado das mesmas, faz com que nos imaginemos sentados ao lado deste professor de 50 anos, que vai emborcando copo atrás de copo e lhe demos alguma atenção, nem que seja para tentar adivinhar o que estará por detrás dessa desistência que as suas atitudes (mesmo sem conhecer o teor dos seus desabafos) evidenciam. A postura do corpo, o copo que se esvazia e que pede para encher, o olhar vago que se poisa com alguma insistência na empregada que o serve, tudo isto, mesmo sem palavras, é mais do que suficiente para adivinharmos que quem está ao nosso lado, neste bar igual a tantos outros, é alguém a quem a vida não sorriu…
Patrícia Reis não é uma desconhecida cá em casa. Temos todas as suas obras, exceto Beija-me, pelo simples facto de que o seu estilo, de uma simplicidade enganadora, envolve-nos, cativa-nos, por um lado, com passagens que sublinho sem parar e que me transmitem algo, que me permitem visualizar o que me é dito pelas palavras e não só, e por outro lado, com personagens humanas, tão próximas do que nós somos.
Este livrinho é mais uma amostra do quanto esta escritora merece ser lida e divulgada. As suas obras estão recheadas de talento literário, de amarguras, de dores, de recordações, de desabafos, de fragmentos que testemunham o quanto há de mestria no lidar e “brincar” com as palavras da nossa língua. Deixo-vos aqui alguns exemplos, não sem voltar a recomendar a todos que é “obrigatório” embrenhar-se na obra literária desta escritora.
“… posso acreditar que nos amaremos ao final da noite. Não de uma forma selvagem ou ansiosa. Não. Com calma, olhos nos olhos e o meu calor no teu calor…” (pág. 8)
Sim, existe a Literatura e depois o resto.” (pág. 12)
Ler nos lábios é uma expressão perfeita. Ler nos lábios.” (pág. 19)
Ter cinquenta anos deve ser isto. Perceber que já se viveu mais de metade da vida, que as miúdas não nos apreciam do mesmo modo, que o casamento é um logro e que até as Mães se apagam por desgosto ou egoísmo, nunca se sabe.” (pág. 22)
“… ficar abraçado só pelo prazer de lhe cheirar a pele.” (pág. 26)
Nós, os homens, já fomos à Lua, retemos os cancros com tratamentos invasivos, construímos peças de destruição maciça, voamos e mergulhamos até certo ponto e, apesar destas conquistas, podemos ficar perplexos perante o total desconhecido que é o outro.” (pág. 41)
Tu acreditas ser capaz de te despir só por palavras?” (pág. 53); “Escrever despe as pessoas, sabias?” (pág. 63)

NOTA – 09/10 (Queria mais, 89 páginas são pouquinhas…)

Sinopse
Trata-se de um monólogo de um homem que está num bar em Macau. As memórias vão derretendo como o gelo no fundo do copo. A sua interlocutora imaginária é a mulher estranha que está do outro lado do balcão. Alguém que é apenas, como o personagem principal, um acumular de histórias ou de banalidades. Como tudo na vida.

Esta novela, vencedora do Prémio Nacional de Literatura 2013-2014 da Fundação Lions Portugal, é uma nova forma de trabalhar o discurso interno, as memórias, sempre com a indicação de uma certa polifonia, já habitual nos livros da autora.

Mais uma obra que "cai", para já, na wishlist!

Quarta-feira, 13 de maio de 2015





Entre a criação de exercícios para um teste, planos para uma hipotética viagem em busca de “tesouros” por terras espanholas, a deliciosa “charla” com as minhas compinchas terminou de forma perfeita, com mais uma sugestão de um livro que me deixou a ferver de curiosidade!
 Romance publicado em 1965, caído no esquecimento. Tal como o seu autor, John Williams – também ele um obscuro professor americano, de uma obscura universidade. Passados quase 50 anos, o mesmo amor à literatura que movia a personagem principal levou a que uma escritora, Anna Gavalda, traduzisse o livro perdido. Outras edições se seguiram, em vários países da Europa. E em 2013, quando os leitores da livraria britânica Waterstones foram chamados a eleger o melhor livro do ano, escolheram uma relíquia. Julian Barnes, Ian McEwan, Bret Easton Ellis, entre muitos outros escritores, juntaram-se ao coro e resgataram a obra, repetindo por outras palavras a síntese do jornalista Bryan Appleyard: “É o melhor romance que ninguém leu”. Porque é que um romance tão emocionalmente exigente renasce das cinzas e se torna num espontâneo sucesso comercial nas mais diferentes latitudes? A resposta está no livro. Na era da híper comunicação, Stoner devolve-nos o sentido de intimidade, deixa-nos a sós com aquele homem tristonho, de vida apagada. Fechamos a porta, partilhamos com ele a devoção à literatura, revemo-nos nos seus fracassos; sabendo que todo o desapontamento e solidão são relativos – se tivermos um livro a que nos agarrar.
Stoner, de John Williams, reeditado pela Dom Quixote. Mal posso esperar por te ter nas mãos. Para já, viajas para a wishlist, mas não demores muito a “cair” na minha estante J

Gracias, Nancy, por esta estupenda sugerencia

Até nos vermos lá em cima, de Pierre Lemaitre

Domingo, 10 de maio de 2015




Opinião
Não consigo afirmar que esta tenha sido uma leitura empolgante. Não, não foi e, por isso, sinto-me desiludida e defraudada… Mas reconheço (ainda que me custe fazê-lo) que a culpa dessa desilusão e dessa defraudação recai em mim mesma.
A primeira vez que li algo sobre esta obra foi no site da Alfaguara espanhola e o que me saltou à vista foram os prémios que ganhou (um deles o mais prestigiante galardão da literatura francesa) e o facto de a sua ação se desenrolar imediatamente após o final da Primeira Grande Guerra. Ou seja, duas razões mais do que suficientes para que me despertasse o interesse. Para além do mais, as críticas eram mais do que favoráveis – “O melhor romance do ano”; “Este romance consagra um enorme talento. A linguagem, viva, apurada e original, é dominada na perfeição. Eis uma ficção prodigiosa que não passará despercebida”.
Ora, todos estes enormes predicados funcionaram como uma peneira que tapa o sol, pois fizeram-me não ter em conta alguns “pequenos pormenores” que, agora findada a leitura, compreendo terem muita importância – o autor dedica-se sobretudo aos romances policiais (que não são, nem de perto nem de longe, os meus favoritos) e a sua escrita prima pelo uso de um humor negro e irónico, em narrativa algo folhetinescas… Acrescento ainda que, apesar de se notar que Pierre Lemaitre domina com talento e mestria esse estilo de narrativa, próxima ao leitor, com quem o narrador parece dialogar e manter uma relação amigável e de camaradagem, o resultado final acaba por ser, no meu ponto de vista, uma obra extensa que nos conta uma trama não muito complexa e que se resumiria em muito menos do que as suas 487 páginas.
Iniciamos leitura com a descrição do que acontece a três dos protagonistas numa das últimas batalhas que França combate estando a guerra prestes a terminar. Albert Maillard e Édouard Péricourt são companheiros de pelotão mas, até àquele momento, conheciam-se muito superficialmente. Tudo isso muda quando Albert é salvo de uma morte caricata e rocambolesca (estava prestes a morrer sufocado apenas com uma fina camada de terra a cobrir-lhe o corpo) por Édouard que, com uma perna parcialmente desfeita, rasteja para dentro do buraco onde jaz Albert e escava com as mãos a referida camada de terra, num esforço hercúleo que terminaria da forma mais heroica possível (pelo menos para Albert) se o seu salvamento não coincidisse com o súbito aparecimento de um estilhaço de obus que leva consigo metade da cara do seu salvador.
Este renascer para Albert será assim a condenação de Édouard a uma vida penosa, de dores lancinantes, constante reclusão e morte não só interior (de um soldado que antes da guerra era um artista irreverente e excessivo) mas também para a sociedade e a própria família. Sendo assim, estes dois homens que nada têm em comum veem-se ligados por laços que envolvem segredos, experiências de vida e morte e sentimentos de lealdade, gratidão, amizade e ressentimento, obrigação, compaixão.
A convivência pós-guerra dos dois ocupará grande parte da narrativa, mas o narrador interlaçá-la-á com espreitadelas pormenorizadas à vida da família Péricourt (para a qual Édouard se “matou”) e às andanças maléficas do terceiro protagonista da obra – Henri d’Aulnay-Pradelle, superior hierárquico de Albert e Édouard e responsável pelas reviravoltas dramáticas que revolucionaram a vida dos dois desde o momento em que Albert cai num buraco de obus e se vê enterrado no mesmo.
Perante estes ingredientes suculentos, poderia dizer que não teria motivos para não embrenhar-me de cabeça na leitura desta obra e não descansar enquanto não a tivesse “devorado”. Mas infelizmente isso não aconteceu… Talvez pelo ritmo da narrativa ou talvez porque nenhum dos protagonistas nos conquista – Albert é simplesmente demasiado cobarde e indeciso para que simpatizemos com ele, Édouard arrasta-se diariamente numa existência que para ele já não faz sentido e transforma-se num “farrapo humano”, perdendo quase por completo a excentricidade e a irreverência que o caracterizavam e, por fim, o carácter de Henri é tão maquiavélico que apenas lhe consegui devotar ódio e desprezo. As outras personagens, aquelas que poderemos considerar secundárias, também não se destacam nem pelo seu carácter, nem pelas suas ações, a não ser, do meu ponto de vista, M. Péricourt, em quem a carcaça de “velha raposa”, de astuto e poderoso homem de negócios se descasca com um luto tardio pela morte de um filho com quem estava de relações cortadas.
Contudo, nem tudo me deixou desiludida. O final da obra é, citando uma das críticas, particularmente conseguido e as reviravoltas que acontecem ao longo da obra dão-nos ânimo para prosseguir e querer saber como “tudo aquilo vai acabar”. Há ainda uma personagem em particular que é tão burlesca, tão caricatural que não passa despercebida, mas, com as suas atitudes, tem o pendor de nos fazer esquecer esse lado burlesco, absurdo e encaixar uma “tremenda” lição de moral.
Concluindo, por um lado, tenho que advertir que não concordo com o que se lê numa das abas do livro “Até nos vermos lá em cima é uma singular história de cumplicidade atravessada por inesperadas cenas de amor e momentos de puro encantamento”. Há realmente uma grande cumplicidade entre Albert e Édouard, mas não deixa de ser uma cumplicidade pautada por sentimentos contraditórios (lealdade versus ressentimento, por exemplo). Quanto às inesperadas de cenas de amor ou de puro encantamento, desengane-se quem está à espera de grandiosas atitudes de amor, que nos derretem em suspiros e lágrimas no canto do olho. Por outro lado, não creio que o título se adeque ao conteúdo da obra, a não ser que esteja carregado de ironia e seja mais um acréscimo, uma pitada de humor negro a um dos fios narrativos que entrelaça a obra e que não quero aqui desvendar. Por fim, tal como o disse no início desta opinião, não é meu propósito dissuadir futuros leitores desta obra, porque a mesma tem qualidade, sobretudo para quem aprecia histórias bem narradas, com uma trama bem conseguida, pontuada por trechos humorísticos, irónicos. Não oferece aquilo que me pareceu, a princípio, que me cativaria, mas isso deve-se ao facto de eu não me ter informado devidamente, de não ter lido nas entrelinhas da sua sinopse e das suas críticas… My mistake

NOTA – 07/10

Sinopse
Sobre as ruínas da Grande Guerra, dois sobreviventes das trincheiras, consideravelmente maltratados, desforram-se levando a cabo uma burla tão espetacular como amoral.

Fresco de uma rara crueldade, notável pela sua arquitetura e pelo poder de evocação, Até nos vermos lá em cima é um grande romance sobre o pós-guerra de 1914-1918, sobre a ilusão do armistício, a hipocrisia do Estado que glorifica os seus desaparecidos e se desembaraça dos cidadãos vivos e incómodos e sobre a abominação elevada a virtude. Numa atmosfera crepuscular e visionária, Pierre Lemaitre compõe a grande tragédia dessa geração perdida com um talento e uma segurança impressionantes.

Novidade MUIIIITO apetitosa da Editoria Presença

Sábado, 09 de maio de 2015





Recém-publicado pela Editorial Presença. Vencedor do Prémio Pulitzer deste ano. Detentor de uma história que buliu com todos os meus nervos de livrólica, onde se combinam personagens carregadas de inocência, beleza, muito humanas, que deambulam por uma Europa em guerra, mais propriamente pelas ruas de Paris, pelas ruas da cidade fortificada Saint-Malo, num tempo de trevas, de dor, de completa desumanização. Que mais posso eu querer?

Apenas que Toda a luz que não podemos ver, de Anthony Doerr viaje “depressinha” da minha “wishlist” para a estante cá de casa

A desumanização, de Valter Hugo Mãe

Domingo, 27 de abril de 2014




Opinião
Com o fim de semana a chegar ao fim, cheguei ao fim de A desumanização, a obra mais recente de Valter Hugo Mãe.
Tal como nos é dito na contracapa, este romance passa-se nos recônditos fiordes islandeses e chega-nos através da voz de uma menina de onze anos, que nos conta o que sobra da sua vida depois de perder a sua irmã gémea.
Se compararmos A desumanização com outras obras de Valter Hugo Mãe que já li, há diferenças e semelhanças evidentes. Neste romance, o autor põe de lado o “não uso” das maiúsculas no início das frases, uma característica do seu estilo (à Saramago, talvez…), mas volta a escrever uma história tristíssima, aflitiva, angustiante, desconcertante, que nos ataranta e desarma. As personagens que a habitam são estranhas, diferentes, esquisitas. Contudo, mexem connosco, tocam-nos, pois, por muito diferentes ou esquisitas que se apresentem, são um retrato de seres humanos, que sofrem como qualquer um de nós sofre e querem o que todos nós queremos – que o dia de amanhã seja melhor do que o de hoje e, acima de tudo, querem ser amadas e merecedoras de alguma esperança e de alguma felicidade.
Não considero A desumanização um livro tão imperdível como O filho de mil homens. Neste caso, não há realmente amor como o primeiro… Contudo, é uma achega muito significativa para quem já se apaixonou pelo estilo peculiar e característica deste autor emergente ou para quem queira entrar pela primeira vez no seu mundo.
Algumas passagens:
“Quem não sabe perdoar, só sabe coisas pequenas.” 
“As pessoas que não liam não tinham sentidos. Andavam como sem ver, sem ouvir, sem falar.” 
“Quando for grande, quero ser de outra maneira. Quero ser longe. Eu respondia: ninguém é longe. As pessoas são sempre perto de alguma coisa e perto delas mesmas. A minha irmã dizia: são. Algumas pessoas são longe. Quando for grande quero ser longe.” 
“Queria proteger contra o esquecimento. A maior vulnerabilidade do humano, a contingência de não lembrar e de não ser lembrado.” 

NOTA – 08/10

Sinopse
«Mais tarde, também eu arrancarei o coração do peito para o secar como um trapo e usar limpando apenas as coisas mais estúpidas.»

Passado nos recônditos fiordes islandeses, este romance é a voz de uma menina diferente que nos conta o que sobra depois de perder a irmã gémea. Um livro de profunda delicadeza em que a disciplina da tristeza não impede uma certa redenção e o permanente assombro da beleza.

Vamos juntos ver mais longe?, de Anny Duperey

Sábado, 02 de maio de 2015



RELEITURA

Opinião
Com Vamos juntos ver mais longe, faço uma pausa nas releituras. Não porque esta última tenha sido uma desilusão, mas sobretudo porque a quantidade de livros novos que tenho na minha estante começa a ser considerável e, se continuar com o esquema de leitura seguida de releitura que tenho levado a cabo até aqui, chegarei ao Natal deste ano e ainda estarei a ler livros que recebi em fevereiro ou março.
Decidi reler Vamos juntos ver mais longe pelas mesmas razões pelas quais reli as outras obras das quais já deixei no blogue a correspondente opinião – tinha a noção de que a sua primeira leitura me tinha agradado e queria recordar, voltar a desfrutar de uma narrativa da que apenas me lembrava estar dividida em quatro partes (cada uma dedicada a uma personagem) e em uma última e quinta parte, com o desenlace da história de Christine, Paul, Solange e Luc.
Para quem anseie por um romance leve, com episódios joviais e personagens despreocupadas e contentes com a sua vida, esta obra de Anny Duperey não deve ser opção para uma futura leitura. Christine, Paul, Solange, Luc, apesar de não se conhecerem, de terem modos e experiências de vida distintos, carregam com um fardo que os faz não olhar com otimismo para o presente e muito menos para o futuro. Todos eles têm uma existência marcada pela mágoa, pela descrença, pelo ressentimento ou por uma carga familiar que não os deixam ser felizes. Simplesmente vão sobrevivendo…
Sendo assim, em 222 páginas somos os destinatários das recordações, das divagações, monólogos interiores, pensamentos, constatações, confrontos e ou diálogos que os nossos protagonistas vão estabelecendo e partilhando. Tudo isto numa escrita primorosa e clara, que nos faz criar empatia com a crise de meia-idade de Christine, com a situação sofredora de Paul, com a jovem e neurótica Solange e com a vida resignada que Luc partilha com uma esposa depressiva e bipolar. É certo que as referidas 222 páginas não são de fácil “digestão”, porque não nos fornecem praticamente nada que se assemelhe a harmonia ou felicidade, mas “the best is saved for last” e, como tal, a quinta e última parte da obra traz-nos uma lufada de ar fresco e de otimismo, com quase todos os protagonistas finalmente em paz consigo próprios e com a sua vida, preparados para o que a vida lhes reserve e com vontade de “ver mais longe”.
Concluo dizendo que esta não foi a releitura que mais me encheu as medidas, talvez por ser uma obra, como referi, que retrata o lado mais difícil e menos cor-de-rosa da vida e que reli numa altura em que o trabalho “me consome”, mas não posso deixar de igualmente dizer que tem apontamentos ótimos, que o estilo da autora é muito bom e que “me condoí” imenso pela personagem de Paul (a minha favorita), dona de uma alma sensível, poética, amante de tudo o que é belo, mas que, por ironia, do destino, nasceu no seio de uma família de gente bruta, néscia, “de inteligência e sensibilidade curtas”…

NOTA – 07/10

Sinopse

Quatro personagens inesquecíveis, num romance que durante 32 semanas ocupou, em França, as listas dos livros mais vendidos.
Christine, chegada aos cinquenta anos, tem uma vida desafogada e tranquila. Uma vida quase perfeita, não fosse o vazio que a oprime e a mergulha num estado de permanente infelicidade. Paul trabalha no campo, é um homem sensível e doce, mas nunca conseguiu afastar-se da família – uma família de pessoas tacanhas, azedas e intolerantes. Nesse contexto, a vida de Paul é uma soma de frustrações quotidianas. Ainda que sem razão aparente, Solange, empregada dos caminhos--de-ferro franceses, vive de mal com o mundo. Um encontro inesperado durante uma viagem vai abalar irreversivelmente muitas das suas certezas. Vai ser também numa viagem, desta feita à Hungria, que Luc, conduzido a um estado de resignação e desespero por uma mulher destrutiva, vai encontrar coragem para reagir.

Abril - livros que aterraram cá em casa e livros lidos

Sexta-feira, 01 de maio de 2015




O mês que findou ontem pôs três novos livros na minha estante J
Tal como já é habitual, o meu afilhadinho mais novo mimou a madrinha com o meu mimo favorito. Este ano ofereceu-me Amanhã na batalha pensa em mim, de Javier Marías. É assim a terceira obra deste autor espanhol que “cai” cá em casa e espero devorá-la com tanto apetite como devorei Os enamoramentos e Coração tão branco!
Como consequência das muitas vezes que “cusco” as páginas das editoras portuguesas e espanholas e sobretudo por causa do que li na página de Facebook da Alfaguara espanhola, acerca de uma obra chamada Charlotte e que será publicada brevemente, “vi-me obrigada” a pesquisar o que o autor da mesma – David Foenkinos – poderia ter publicado em português. Essa pesquisa resultou na compra de Recordações, uma obra com uma capa muito bonita e que centra a sua narrativa “numa reflexão plena de sensibilidade sobre o tempo, a memória, a velhice, o conflito de gerações, o amor conjugal, o desejo de criar e a beleza do acaso.” Parece assim conter os necessários ingredientes para uma leitura saborosíssima.
Junto com Recordações veio uma obra sugerida pela minha querida amiga literária, Ana Sofia, cujas sugestões nunca falham. A amiga genial, de Elena Ferrante, é, segundo Ana Sofia, a primeira obra de uma tetralogia escrita por uma autora envolta em mistério (Elena Ferrante é um pseudónimo e ninguém realmente sabe quem está por detrás do mesmo, se é uma mulher, um homem, em que parte de Itália vive…) e irá proporcionar-me uma daquelas leituras, como até hoje só me proporcionaram os meus autores de eleição! Por tudo isto, confesso que estou em pulgas para embrenhar-me nas suas páginas!
Sendo assim, o mês de abril foi bastante produtivo, não só em aquisições, como também em leituras, já que vou mantendo o meu ritmo de 5 livros “papados”/lidos por mês, ritmo esse, que a continuar, fará de 2015 um dos meus melhores anos de leitora “desenfreadinha” J

Deixo-vos aqui a lista dos livros lidos em abril:
Cinco pães de cevada, de Lucía Baquedano
Mal de amores, de Ángeles Mastretta
A praia roubada, de Joanne Harris
Recomeçar, de María Dueñas