Nove mil dias e uma só noite, de Jessica Brockmole


Ficha técnica
TítuloNove mil dias e uma só noite
Autora – Jessica Brockmole
Editora – Editorial Presença
Páginas – 254
Data de leitura – de 23 a 27 de dezembro de 2017

Opinião
Este é o último texto que deixo no blogue em 2017. Mas não é sobre o último livro lido este ano, pois planeio terminar a leitura de Desnorte e de Missão Impossível que estou a ler na companhia do filhote antes de entrar no novo ano.
Nove mil dias e uma só noite é um romance epistolar. Está todo ele preenchido de cartas escritas antes e aquando da Primeira Grande Guerra e na segunda metade do ano de 1940. Através de um vaivém constante e ininterrupto de missivas, vamos conhecendo várias personagens, principalmente Elspeth, David, Margaret e Paul. A 5 de março de 1912, David Graham envia, desde Urbana, Illinois, EUA, uma carta a Elspeth Dunn (poetisa que vive na ilha escocesa de Skye), transmitindo-lhe a admiração e gosto que sentiu ao ler um dos seus livros de poesia. Esta será a primeira de inúmeras cartas que os dois irão trocando, nas quais irão, pouco a pouco, pondo de lado o tom mais formal e pretensioso e transformando o papel e a tinta num laço de amizade, intimidade e posteriormente amor. Quase trinta anos mais tarde, Margaret, filha de Elspeth, usará, por sua vez, as cartas para comunicar com o noivo, piloto da RAF, e para tentar saber quem foi a sua mãe enquanto jovem, para desvendar o que ela nunca lhe contou e assim conhecer o “primeiro volume” da história da sua vida.
Considero que um romance epistolar pode não cativar a atenção do leitor de forma tão imediata como o faz um romance de outro género. Pode tornar-se repetitivo, enfadonho e impedir que tenhamos um conhecimento tão omnisciente como normalmente temos quando a narrativa se preenche de personagens e narrador. Porém, o romance de Jessica Brockmole está muito bem estruturado, as cartas abordam temas muito diversos, vamos compreendendo nas entrelinhas muito do que só será plenamente revelado mais tarde e o facto de as cartas de Elspeth estarem intercaladas com as de Margaret torna a leitura mais agradável e menos monótona. Por todas estas razões, senti que Nove mil dias e uma só noite me entreteve de forma muito satisfatória nestes dias frios e chuvosos, me possibilitou viajar e visualizar as paisagens deslumbrantes desse país que tanto quero conhecer – Escócia –, me aqueceu com a história de um amor memorável e semeou nostalgia por esses tempos nos quais um pedaço de papel escrito e enviado num sobrescrito podia literalmente mudar a nossa vida.
Foi assim uma leitura agradável, mas que facilmente será posta de lado e “engolida” pelas que se lhe seguirem, já que me ofereceu uma bonita história de amor, me levou de novo aos cenários de guerra pelos quais sou viciada, mas nada mais. É demasiado levezinha, não há intensidade, complexidade nem aprofundamento suficientes. Pelo menos para mim não há. Cumpriu o seu papel – entreteve-me.
Não posso terminar sem referir que embirrei desde o início com o seu título pomposo e que não o consegui entender na totalidade. Compreendi a parte dos “nove mil dias”, mas o que se refere a “uma só noite” ficou por esclarecer, já que o casalinho apaixonado não esteve junto apenas uma noite. É mais um exemplo das traduções livres que se fazem de títulos de obras estrangeiras… Custava muito traduzir à letra o título original – Letters from Skye?
Agora sim, ponho fim a este texto, mas queria ainda desejar a todos que estão desse lado e que perdem um bocadinho do seu tempo vindo aqui, ao meu cantinho, um 2018 repleto de tudo aquilo que faça da vossa vida uma vida ainda melhor e que o novo ano se recheie de leituras extraordinariamente saborosas! Obrigada por estarem aí!

NOTA – 07/10

Sinopse
Março de 1912. A jovem poetisa Elspeth Dunn nunca saiu da remota ilha escocesa de Skye, onde vive, e é com grande surpresa que recebe a primeira carta de um admirador do outro lado do Atlântico. É o início de uma intensa troca de correspondência que culminará num grande amor. Subitamente, a Europa vê-se envolvida numa Guerra Mundial, e o curso normal das vidas é abruptamente interrompido. 
Junho de 1940. O Velho Continente vive mais uma vez o tormento de um conflito mundial e uma nova troca epistolar incendeia os corações de dois amantes, desta vez o de Margareth, filha de Elspeth, e o do jovem piloto da Royal Air Force por quem se apaixonou. Cheio de glamour e de pormenores de época, este romance faz a ponte entre as vidas de duas gerações - os seus sonhos, as suas paixões e esperanças -, e é um testemunho do poder do amor sobre as maiores adversidades.
Primeiro livro da autora, um romance único que faz a ponte entre duas gerações - os seus sonhos, as suas paixões e esperanças e as duas Guerras Mundiais. Um testemunho do poder do amor sobre as maiores adversidades.
     

Limões na madrugada, de Carla M. Soares


Ficha técnica
TítuloLimões na madrugada
Autora – Carla M. Soares
Editora – Cultura Editora
Páginas – 224
Data de leitura – de 18 a 22 de dezembro de 2017

Opinião
Este é apenas o segundo livro que leio desta autora. Li há dois anos O cavalheiro inglês e gostei bastante da contextualização histórica e da turbulenta e envolvente história de amor entre uma jovem aristocrata portuguesa e um enigmático cavalheiro inglês. Porém, a mais recente obra de Carla Soares é de outra estirpe, é mais densa, mais intimista, dando primazia às personagens em detrimento da ação e revelando uma maturidade que me conquistou desde a página inicial. Se já havia gostado bastante de ler a primeira obra sua que caiu na estante cá de casa, que dizer de Limões na madrugada, que dizer de uma narrativa que nos absorve, que nos impulsiona a passar de capítulo em capítulo, que nos faz apaixonar pela sua imperfeitamente perfeita protagonista?...
Adriana Branco nasceu no Porto, mas viveu quase toda a sua vida na Argentina. Sem que nada o faça prever, recebe um telefonema de um advogado português que a informa do falecimento da sua tia, irmã de seu pai, e que esta lhe deixou uma carta e uns quadros pintados pelo seu irmão, tio de Adriana. Este contacto inesperado com alguém do seu país natal abala-a de uma forma inexplicável e termina sendo a desculpa ideal para regressar às suas origens, para cortar amarras com uma vida aparentemente plena e para, simultaneamente, abrir-lhe portas para um passado familiar de que pouco ou nada sabe e para descobrir-se a si mesma como filha, como sobrinha, como neta, como amiga, como amante e, acima de tudo, como mulher.
Percorrendo as ruas da “minha” Cidade Invicta, perdendo o olhar nas águas do rio Douro, viajando de múltiplas maneiras pelas suas encostas e saltitando do presente para um passado que não é apenas seu, Adriana vai partilhando com o leitor tudo que a compõe como mulher e como personagem redonda, complexa, imperfeita, cheia de incongruências, medos, desvarios, desejos, fragilidades. É uma partilha crua, despejada e que me fez ainda gostar mais dela, talvez porque a aproxima muito do que eu sou, do que todos somos no nosso quotidiano, na nossa vidinha comezinha.
As descobertas resultantes do passar dos dias e de um contacto tanto desejado como indesejado com as histórias e os segredos da sua família paterna vão moldando uma Adriana que sempre se sentiu incompleta. Vão deixando-a aterrorizada, vão obrigando-a a combater demónios de um passado familiar bem como os seus demónios individuais e vão sobretudo fazendo-a crescer, arrumar a sua vida e a vida dos seus em gavetas (que voltará a abrir ou deixará encerradas para sempre) e compreender que ela é fruto, por um lado, de uns laços familiares carregados de dor e de violência e, por outro, das suas próprias ações e decisões.
A capa da obra vem enlaçada com uma fita de papel que compara Carla M. Soares a três autoras distintas – Isabel Allende, Elena Ferrante e Agustina Bessa-Luís. Percebo o porquê dessa comparação, principalmente com as autoras estrangeiras, já que me recuso a ler qualquer obra da Agustina, desde que sofri horrores com leituras suas obrigatórias em tempos de escola. Percebo a ligação com as letras de Allende, visível no lado materno e argentino de Adriana, na fogosidade e liberdade dos seus amores. Percebo a comparação com as obras de Ferrante, com a violência, a dureza e a brutalidade que mancham o lado paterno de Adriana. Porém, preferiria que estas comparações não tivessem um destaque tão visível, porque considero que a voz da autora é muito sua, com talento suficiente para ganhar o seu próprio espaço no nosso panorama literário e quem sabe fora das nossas fronteiras. Estes Limões na madrugada são um exemplo evidente dessa voz e do quanto a mesma tem vindo a amadurecer e a sobressair perante os seus pares.
Termino esta opinião reiterando o quanto apreciei esta leitura, o quanto me apaixonei por Adriana, o quanto a sua personagem é fabulosa e nos agarra, o quanto o seu protagonismo não obscurece personagens menos interventivas na trama, o quanto estas são importantes para o interesse e a vontade que senti em devorar os capítulos curtinhos da obra e em saber quem na verdade foram os Branco e o quanto a autora soube tecer com segurança e engenho uma narrativa muito portuguesa e muito próxima da realidade de todos nós. Por tudo isto, é óbvio que recomendo muitíssima esta leitura e que espero que Carla M. Soares continue a surpreender-nos e a maravilhar-nos com obras densas e emotivas como esta. Ficarei à espera!
Resta-me agradecer – e muito – à editora Cultura por me ter enviado esta obra em troca de uma opinião honesta. Que seja a primeira de muitas e que esta parceria de que tanto me orgulho floresça e continue a dar outros frutos!

NOTA – 9/10

Sinopse
Ansiosa por regressar à Argentina, mas presa a Portugal, distante do homem que ama e da mulher com quem vive, Adriana está perante um dilema universal e intemporal: manter-se comodamente na ignorância ou desvendar o passado da família, como se de um caso policial se tratasse, enfrentando assim aquilo de que andou a fugir toda a vida, por mais doloroso que seja.
Num jogo magistralmente imaginado pela autora, entre a vida atual de Adriana e os ecos do Portugal antigo, machista e violento dos seus pais e avós, esta história, de uma família e dois continentes, é uma viagem entre o presente e o passado, uma ponte sobre o fosso cultural que separa as gerações, um tratado sobre tudo aquilo que a família pode fazer à vida de um só indivíduo.
Entre a sombra e a luz, deixando que por vezes os silêncios falem mais alto do que as palavras, Limões na Madrugada é um romance sobre o amor incomum, o poder da família e a necessidade da coragem.

UMA HISTÓRIA TÃO SUBTIL QUANTO IMPLACÁVEL.    

Cidade de ladrões, de David Benioff


Ficha técnica
TítuloCidade de ladrões
Autor – David Benioff
Editora – Publicações Dom Quixote
Páginas – 296
Data de leitura – de 10 a 17 de dezembro de 2017

Opinião
Hoje estou por minha conta. Tenho a casa só para mim e todo o tempo do mundo para fazer aquilo que bem me apetecer. Vou ler, ouvir música, apoderar-me do sofá e da televisão e finalmente começar um puzzle que me espera há muito tempo. Mas primeiro vou estar por aqui para dar-vos a conhecer o quão saborosa foi a última leitura que trouxe da biblioteca da terrinha.
Não me lembro como ou onde é que tropecei com este livro. Não sei se foi no Goodreads, se foi em algum dos blogues que sigo ou se alguém mo recomendou. Sei, isso sim, que o tinha há quase um ano na lista de obras a trazer da biblioteca e que já era hora de comprovar por que razão as expectativas que tinha sobre ele eram tão elevadas.
O cerco à cidade de Leninegrado foi um dos cercos mais destrutivos e mais longos da história bélica mundial. Durou mais de dois anos, desde 8 de setembro de 1941 a 27 de janeiro de 1944 e dizimou milhares e milhares de vidas, sobretudo civis, que pereceram devido aos bombardeamentos, à fome e ao frio dos longuíssimos invernos soviéticos. Um dos que sobreviveu a este período devastador foi o avô de David Benioff que aceitou o reto do neto – “Vivo em Los Angeles e escrevo guiões para super-heróis mutantes. Há dois anos fui convidado para escrever um artigo autobiográfico (…). Mas à medida que lutava com o artigo decidi que não queria escrever sobre a minha vida, nem mesmo com quinhentas palavras. Queria escrever sobre Leninegrado.” (pág. 13). São então as recordações do avô, de cinco dias da sua vida aquando do cerco à cidade soviética, que enchem as páginas desta obra maravilhosa e que recomendo a todos.
Lev Beniov tem apenas 17 anos e vive sozinho no apartamento que era de seus pais. Sente-se livre e dono do seu espaço, mesmo que passe horas infinitas sem meter nada à boca. Sabe como ninguém enganar a fome, sabe movimentar-se habilmente por entre os escombros e consegue Leninegrado, os espaços da sua cidade cercada como poucos. Numa noite em que está a vigiar os céus e a ser espetador de mais um bombardeamento, assiste à queda de um aviador alemão numa rua vizinha. Em poucos minutos, Lev e os amigos chegam junto do corpo do inimigo e apoderam-se rapidamente de tudo o que lhe podem roubar. Contudo, este roubo não termina bem para Lev que é capturado e levado para uma temível prisão. Aí, partilha cela com Kolya, um jovem soldado acusado de deserção. Os dois serão libertados na manhã seguinte, porque um poderoso coronel, que todos respeitam e receiam, tem uma missão para os dois – numa cidade sitiada, sem quaisquer provisões, terão de arranjar uma dúzia de ovos para o bolo de casamento da sua filha. Começa assim um périplo, de dimensões suicidas e utópicas, de dois jovens, que não se conhecem de lado nenhum, em busca do passaporte para a liberdade que lhes havia sido retirada no dia anterior.
Nos cinco dias que têm para cumprir a missão, calcorrearemos com Lev e Kolya as ruas e bairros da sua Piter natal, comprovaremos as condições sub-humanas em que (sobre)vivem os habitantes da cidade, os preços exorbitantes a que se vendem alguns alimentos (se é que se podem chamar de alimentos), as práticas canibalescas a que alguns se submetem, o pouco ou nada que se pode fazer perante o tremendo número de cadáveres que se acumulam nas ruas e que flutuam no rio Neva e abanaremos a cabeça de incredulidade ao relembrarmos que houve gente que conseguiu sobreviver a quase 900 dias neste inferno glacial, sem víveres e em circunstâncias inumanas.  
Após constatarem que não irão conseguir encontrar a dúzia de ovos em Leninegrado, os dois jovens partem a pé para as zonas rurais que envolvem a cidade e aí tomarão consciência de que o cerco alemão não é apenas atroz para quem vive para lá dele. A engrenagem nazi que mata, tortura e dizima tudo e todos com quem se atravessa está igualmente a fazer vítimas no campo, na parte rural do país e faz questão de subjugar com violência e dor quem vê como seus inimigos. Somos assim, tal como Lev e Kolya, espectadores de situações de uma brutalidade e frieza inimagináveis.
Porém, as páginas desta obra não se pintam só de dor, crueldade e sofrimento. Pelo contrário. Pintam-se de passagens hilariantes porque são protagonizadas por Kolya, uma personagem a quem ninguém, mas mesmo ninguém consegue ficar indiferente. Não sei se este jovem soldado, que abandonou por momentos o seu batalhão porque tinha que libertar a sua tensão sexual, porque tinha que satisfazer o seu ardor sexual com uma das muitas antigas conquistas, é uma personagem verídica ou não, se foi com ele que Lev embarcou na missão impossível de conseguir uma dúzia de ovos para o bolo de casamento da filha de um coronel, mas sei que Cidade de Ladrões não seria a obra deliciosa que é se Kolya não a habitasse. O amigo de Lev é imodesto, charlatão, arrojado, audaz, generoso, tem sempre uma resposta na ponta da língua e dá-a a quem for o seu interlocutor, seja Lev, o coronel poderoso quem tem a sua liberdade na mão ou um poderoso elemento do exército alemão. Detém um conhecimento considerável sobre o sexo oposto, sobre as artes do amor, sobre a literatura, fala alemão com bastante fluência e todos se rendem ao seu encanto e à sua lábia. É, em suma, uma personagem única, que me fez soltar gargalhadas com tiradas como “A minha pila quando se vem assobia o hino soviético”, por quem me apaixonei e a quem não vou esquecer tão cedo.
Confesso, para finalizar esta opinião, que nunca pensei que um autor que escreve guiões para super-heróis mutantes, fosse capaz de criar uma obra tão brilhante como esta. Sei que se baseou no relato do seu avô, sei que partiu de uma base real, verídica, mas o engenho de estruturar a narrativa, de criar diálogos deliciosos e de dar protagonismo a um jovem que não o seu avô, de estabelecer um equilíbrio precioso entre a imodéstia e a temeridade de Kolya com a ingenuidade, a precaução e a timidez de Lev, bem como entre os horrores próprios da guerra e os momentos hilariantes provocados por Kolya, são exemplos da maestria e do valor de um autor fabuloso e que teve o condão de agitar alguns preconceitos literários que ainda vou tendo. Por tudo isso, bravo David Benioff! E por tudo isso e mais, peço-vos, rogo-vos que leiam esta obra, se conseguirem encontrá-la. Sei que não será tarefa fácil, pois está indisponível por todo o lado. Mas talvez tenham sorte de encontrá-lo como eu, na biblioteca municipal da vossa zona, ou então em algum alfarrabista. Tentem, pois vale mesmo a pena!

NOTA – 10/10

Sinopse
A odisseia de dois jovens decididos a sobreviver durante o deplorável cerco a Leninegrado, contra todas as possibilidades, e a quem é confiada uma missão em que o frio, a fome e as autoridades russas se revelam tão perigosos como as forças invasoras da Wehrmacht. 
Os rapazes encontram-se pela primeira vez numa cela, onde esperam a execução sumária devido a acusações de legitimidade duvidosa. No entanto, ao invés de uma bala na nuca, recebem uma terrível tarefa: numa cidade sitiada, sem quaisquer provisões, terão de arranjar uma dúzia de ovos para o bolo de casamento da filha de um poderoso coronel. Lev e Kolya embarcam assim numa missão de cinco dias em busca do impossível, que os atira das ruas caóticas de Leninegrado para os campos devastados por trás das linhas alemãs. Pelo caminho vão encontrando assassinos, guerrilheiros e, por fim, o próprio exército alemão. Uma inesperada relação de cumplicidade acaba por se estabelecer entre o adolescente sério e o seu imprevisível companheiro, um sedutor incorrigível, cuja louca, porém enternecedora, bravura poderá conduzi-los tanto à morte como ao sucesso da missão.

O conto da ilha desconhecida, de José Saramago


Ficha técnica
TítuloO conto da ilha desconhecida
Autor – José Saramago
Editora – Porto Editora
Páginas – 64
Data de leitura – 09 de dezembro de 2017

Opinião
As saudades que sinto de Saramago não desaparecem. Nunca desaparecerão, apenas se vão apaziguando. Agudizam-se uma vez por outra. Agudizaram-se no dia 16 de novembro quando se recordou o dia em que este autor genial nasceu em terras ribatejanas.
Sempre que as saudades apertam mais um bocadinho, não sei fazer outra coisa que não seja ir ao encontro de uma obra sua, relendo-a e saboreando-a de novo, como se a estivesse a descobrir pela primeira vez. Assim, no fim do mês de novembro, no fim do mês do seu aniversário, trouxe da biblioteca municipal um dos seus contos mais conhecidos, o de uma ilha desconhecida num mundo onde tudo já foi descoberto.
Confesso que quase não lembrava nada deste conto. Recordava a sua situação inicial, a de um palácio real com portas com diversos fins e de um rei que pouco ou nada ficaria a dever aos seus pares absolutistas. Recordava um homem que não desistia dos seus intentos apenas porque Sua Majestade não mostrava interesse algum na sua petição. Mas não recordava aquilo que acaba por ser a parte mais saborosa e mais saramaguiana do conto – não recordava o que sucede ao homem após ter conseguido que o rei acedesse a responder à sua petição.
Li assim este conto travando a gula, contendo-a para que o prazer tardasse em esfumar-se, para que o sabor deste conto deliciosamente perfeito ficasse comigo. Acho que fui bem sucedida nesse intento, porque ainda agora sinto que esse prazer está aqui, coladinho a mim e que palavras, passagens e acima de tudo o final do conto (um final sublime, extasiante) nunca me abandonarão.
Amei, adorei voltar a perder-me nas tuas letras, querido Saramago! As saudades suavizaram-se, a nostalgia deu lugar ao prazer e por enquanto não preciso de mais nada. Por enquanto não. Mas apenas por enquanto.

NOTA – 10/10

Sinopse

“Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco.”
Situada num tempo e num espaço indeterminados, a história do homem que queria um barco para ir à procura da ilha desconhecida promete ser a história de todos os homens que lutam contra as convenções em busca dos seus sonhos e de si próprios. 

O últimos dos nossos, de Adélaide de Clermont - Tonnerre

Ficha técnica
TítuloO últimos dos nossos
Autora – Adélaide de Clermont-Tonnerre
Editora – Clube do Autor
Páginas – 410
Data de leitura – de 01 a 09 de dezembro de 2017


Opinião
Esta obra foi um dos miminhos que recebi da editora Clube do Autor durante o mês de novembro. Voltei a quebrar a minha mania das leituras cronológicas, mas apenas consegui lê-la no início de dezembro.
Senti de imediato uma atração pela sua capa e uma vontade irresistível de mergulhar na narrativa que sabia, através da sinopse, que se dividiria entre a Alemanha dos finais da Segunda Grande Guerra e os Estados Unidos dos efervescentes finais dos anos 60 e dos princípios dos anos 70. Não pude deixar de reparar noutro pormenor significativo – na capa, logo abaixo do título, está referido que este romance foi galardoado com o “Grande Prémio do Romance da Academia Francesa”. Três ingredientes que, em suma, apontavam logo à partida para uma leitura poderosa e intensa, bem à minha medida.
As expectativas criadas à volta destes ingredientes foram em grande parte cumpridas. Não o foram plenamente porque não me recordo de ter antipatizado tanto e de forma tão imediata com um protagonista como antipatizei com Werner Zilch. Não sei se a autora o dotou de características tão anti-heroicas de forma intencional, se o discurso machista e as atitudes altaneiras que o caracterizam são propositados, mas tudo o que está por detrás da personagem de Werner deixa qualquer leitor, sobretudo as mulheres, em polvorosa, com uma vontade incomensurável de o esbofetear, de o esmurrar, de espetar um pontapé em determinadas partes do seu corpo. A sua sobranceria, a sua arrogância, a sua presunção, o seu egocentrismo são tão insuportáveis que tive inúmeras vezes de respirar fundo, parar a leitura e relembrar-me a mim mesma que Werner Zilch era apenas uma personagem fictícia e que quem estava ao meu lado ou mesmo o pobre do livro não tinham culpa nenhuma disso…
Confesso que estas características nada abonatórias da personagem principal me fizeram frequentemente pensar em abandonar a leitura. Contudo, essa vontade foi desaparecendo à medida que ia avançando na mesma e ia gostando do que lia. Assim, fui paulatinamente dando menos importância ao carácter de Werner e apreciando o que de bom me ia oferecendo a narrativa. E as partes boas foram ganhando terreno, foram sobrepondo-se e no final, ao desfolhar a última página, felicitei-me por não ter desistido de ler a obra, porque o seu contexto histórico, bem documentado, a possibilidade que me deu de, por um lado, conhecer da agonia por que passou a Alemanha nos anos de 1944 e 1945, quando a guerra estava definitivamente perdida e, por outro, de acompanhar o florescimento económico dos Estados Unidos dos anos sessenta e setenta foram motivos mais do que suficientes para agradecer de forma ainda mais sentida esta generosa oferta da editora Clube do Autor.
Referi no início desta opinião que a trama se desenrola em dois espaços e dois tempos distintos. Já fiz também referência ao seu protagonista e ao quanto este me marcou. Sinto que devo ainda fazer referência ao seu título e ao quanto este está associado, no meu ponto de vista, ao desaparecimento de uma geração de alemães de boas famílias, de homens e mulheres que se viram envolvidos numa guerra com a qual não concordavam e que os fez perder tudo. O último dos nossos foi o que restou dessa geração, alguém que pode inclusive nem saber de onde vem nem quem foram os seus antepassados, alguém criado noutro lugar, por outra gente e que cresce sem ter noção alguma de quem foram, por exemplo, os cientistas que estiveram por detrás da invenção dos mísseis balísticos V2, por que razão esses cientistas e outros elementos do partido nazi foram acolhidos pelos Estados Unidos logo após o final da guerra ou que os horrores praticados em Auschwitz não se resumiram apenas ao envio massivo de judeus para a morte nas câmaras de gás. Alguém que, resumindo, é o último elemento de uma história riquíssima, de uma história com contornos verídicos e ficcionais e que ajuda qualquer leitor a enriquecer-se enquanto tal e enquanto cidadão de um mundo que se viu virado do avesso há uns setenta anos atrás por uma contenda que ninguém deve esquecer nunca.
Termino dizendo que gostei desta leitura, apesar do seu protagonista. Gostei muito da sua contextualização histórica e de ter aprendido um pouco mais de uma época que, por muito que leia sobre ela, me irá continuar a fascinar. Por isso, por ter gostado e por achar que outros também poderão gostar, recomendo-a, principalmente aos amantes de literatura histórica e aos que apreciam uma tórrida e tempestuosa história de amor, como a que une Werner à sua amada Rebecca.
Agradeço mais uma vez à editora Clube do Autor o envio da obra e a confiança que deposita em mim e no meu cantinho!

NOTA – 08/10


Tal como disse, este livro foi-me disponibilizado pela Editora Clube do Autor em troca de uma opinião sincera. 


Sinopse
Dresden, 1945: sob um dilúvio de bombas, uma mãe agoniza para dar à luz o seu filho. Manhattan, 1969: um homem encontra a mulher da sua vida no coração da Big Apple.
Do inferno da Europa, em 1945, à Nova Iorque hippie. Neste romance premiado com o Grande Prémio do romance da Academia Francesa, Adelaide de Clermont-Tonnerre conta a história dos anos loucos vividos na pele por dois genuínos filhos do século XX: Werner Zilch, nascido na Alemanha no estertor da Segunda Guerra Mundial, e Rebecca Lynch, herdeira de um homem de negócios e de uma mulher que logrou escapar com vida ao campo de concentração de Auschwitz. Uma paixão louca e proibida num cenário histórico repleto de reviravoltas e marcado pelo suspense.
Werner Zilch é um jovem carismático e empreendedor. Adotado desde tenra idade, vê-se confrontado com a descoberta das suas origens, tudo menos gloriosas. Aos olhos dos outros, pode ser considerado responsável pelos erros cometidos pelos seus antepassados? Como aceitar que o seu progenitor estivesse ligado ao nazismo?
A par das personagens, surgem nomes que os leitores por certo reconhecerão, todos eles figuras marcantes do seu tempo. A saber: Andy Warhol, Truman Capote, tom Wolfe, Joan Baez, Patti Smith, Bob Dylan...

Balanço mensal - livros lidos e recebidos em novembro


Finalmente disponho de tempo para sentar-me ao computador e escrever um balanço com exatamente quinze dias de atraso… Já adivinhava que dezembro traria tempos difíceis, que me afundaria em testes, grelhas de excel e que a sensação de sufoco (a qual nunca me irei habituar, por muitos anos que tenha de carreira docente) que sempre me acompanha no final de períodos letivos me estrangularia os dias e as noites, mas nada faria prever que descuraria este cantinho da forma como tenho descurado. Tenho vários textos em atraso, porém obrigações profissionais são obrigações profissionais e as mesmas têm exigido que lhes dedique todo o meu tempo, sem dó nem piedade.
Sendo assim, com quinze dias de atraso, partilho convosco como foi o meu novembro de leituras e que novos habitantes chegaram à estante. Li sete obras, quatro adultas, duas juvenis e uma infantil. A minha estante engordou mais – está a começar a ter contornos deliciosamente obesos – com obras todas elas oferecidas tanto pelas editoras Clube do Autor e Cultura Editora como pela minha querida amiga Liliana. Voltei a não pecar (só eu sei o quanto me custou ignorar as mensagens e e-mails que todos os dias bombardearam o meu telefone) e não adquiri nenhum livro para mim, apenas aproveitei as mil e uma promoções para ir acumulando prendas com cheirinho a Natal.
Arranquei o mês lendo uma das várias obras generosamente oferecidas pela editora Clube do Autor. Embora não seja consumidora de leituras policiais, admito que gostei de ler O bibliotecário de Paris. Senti uma empatia imediata com o seu protagonista, Hugo Marston, segui com interesse a investigação que o mesmo foi fazendo para descobrir o responsável de vários assassinatos associados à biblioteca americana da capital francesa e considero que o autor – Mark Pryor – fez um bom trabalho, criando um enredo que vai deixando pistas, mas sem que as mesmas sejam demasiado reveladoras acerca de quem é, afinal, o verdadeiro culpado pelas mortes que vão acontecendo ao longo da trama.
Em poucos minutos devorei a obra que se seguiu. O rosto da avó é uma belíssima história infantil que me embargou a voz e me levou às lágrimas desde a sua palavra inicial. Em pouco mais de trinta páginas, entramos em casa de uma avó e de uma neta que tenta matar a sua natural curiosidade, querendo saber por que motivo o rosto da sua avozinha está traçado de inúmeras rugas. As respostas que a anciã dá são de uma simplicidade que nos esmaga e deixaram-me de nó na garganta, com uma vontade incontrolável de agarrar o livro e de não o devolver mais, de não o devolver às prateleiras da biblioteca municipal e ficar com ele para sempre.
Ruínas é do jovem autor Hugo Lourenço. É narrado na primeira pessoa e faz-nos recordar o quanto o presente, a realidade dos nossos dias é amarga para os jovens que querem ganhar a vida e conquistar a sua independência. Amarga para jovens licenciados, amarga para jovens para quem a vida sempre foi madrasta e amarga inclusive para jovens que parecem ter tudo a seu favor. Contudo, apesar de sentirmos que essa amargura predomina na narrativa, também compreendemos que a mesma não a domina por completa, que há uma revolta latente, uma vontade de gritar que é necessário agir, que é imperativo não abandonarmos a esperança e que a arte pode ser a ferramenta que nos ajudará a agitar as águas estagnadas e mexer neste status quo cinzento e conformado.
O rapaz do rio foi a primeira das obras juvenis que me fizeram companhia em novembro e, uma vez mais, rendi-me à literatura dos mais novos e a outra história de avós e netos. Adorei a ligação especial entre Jess e o pai do seu pai, simpatizei com o velho rezingão que sabe que não lhe resta muito tempo de vida e quase sufoquei de emoção com a demanda da neta ao tentar suavizar as dores do avô ao mesmo tempo que tenta conhecer quem ele foi enquanto jovem e o quanto essa descoberta a pode ajudar a conhecer-se a si mesma.
Novembro foi igualmente sinónimo de regresso às leituras em espanhol e às leituras digitais. Voltei a ler Jorge Díaz, voltei à cidade de Madrid dos primeiros anos do século XX e embarquei num transatlântico luxuoso que me levou de Barcelona à costa brasileira, onde naufragou, ficando, por isso, conhecido como o Titanic espanhol. Tengo en mí todos los sueños del mundo foi a segunda obra que li de Jorge Díaz, depois de Cartas a Palacio. Tal como a sua antecessora, parte de factos verídicos e oferece-nos uma panóplia de personagens cativantes e uma narrativa apaixonante, melhor inclusive do que a que nos transporta para o palácio real madrileno onde, por alturas da Primeira Grande Guerra, chegam centenas de cartas pedindo ajuda ao monarca espanhol para que este consiga que famílias de vários países europeus saibam o que se passou com os seus entes queridos envolvidos na máquina da guerra.
O cão e os Caluandas foi a terceira obra que li de Pepetela, mas foi aquela que infelizmente menos me agradou. Aprendi um pouco mais sobre a Angola recém-saída da dependência colonial, expandi o meu léxico do português que se fala naquele país, contudo não fui capaz de me prender à história de um cão que foi deixando rasto na vida de vários angolanos e tão-pouco consegui entender a mensagem que o autor pretendia transmitir.
Terminei o mês da melhor forma possível, lendo outra obra juvenil a que atribuí a nota máxima. A história do Sr. Pivete tem tanto de hilariante como de ternurenta. Transmite, entre gargalhadas, doçura e lágrimas, valores morais, ensinamentos preciosos e fornece exemplos daquilo que na verdade é o mais importante para qualquer ser humano – sentir-se amado e que é necessário e vital na vida de alguém.

Como referi no início deste balanço, todos os livros que caíram na estante no mês de novembro foram generosas ofertas. A primeira – O peso do coração, de Rosa Montero – foi-me oferecida pela minha querida Lili que tem gestos inesperados e maravilhosos como este e que me deixam sem palavras. As outras ofertas foram caindo na caixa do correio e são a prova de que este cantinho vai agradando a algumas pessoas anónimas e a algumas ligadas a editoras. Da editora Clube do Autor recebi a obra juvenil Planeta Branco, de Miguel Sousa Tavares, O últimos dos nossos, de Adélaide de Clermont-Tonnerre e As lágrimas de Aquiles, de José Manuel Saraiva. Da editora Cultura, recebi Limões na madrugada, de Carla M. Soares. Nenhum destes autores me é desconhecido, já li outras obras suas e estou particularmente ansiosa por ler mais, por poder deitar a mão a estas saborosas ofertas, que muito agradeço.

Novembro foi assim um mês muito apetitoso, com mais leituras do que previa inicialmente e com novos habitantes na estante, nenhum deles consequência dos meus hábitos de compradora compulsiva. Dezembro entretanto já vai a meio e já conta uma história diferente… Já cedi a impulsos, já comprei livros para mim, porque não fui capaz de deixar escapar oportunidades imperdíveis. E mais não digo J
Termino deixando-vos os links para acederem à opinião completa das obras lidas este mês:
§  O bibliotecário de Paris, de Mark Pryor
§  O rosto da avó, de Simona Ciraolo
§  Ruínas, de Hugo Lourenço
§  O rapaz do rio, de Tim Bowler
§  O cão e os Caluandas, de Pepetela
§  Sr. Pivete, de David Walliams

Sr. Pivete, de David Walliams


Ficha técnica
TítuloSr. Pivete
Autor – David Walliams
Editora – Porto Editora
Páginas – 232
Data de leitura – de 28 a 30 de novembro de 2017

Opinião
O Sr. Pivete tresandava. Aliás, fedia. E se fedorentíssimo for uma palavra em português, então o cheiro dele era fedorentíssimo. Ele era o fedorento mais fedorento que alguma vez existiu.” (pág. 11)
Este é o parágrafo inicial de uma narrativa simplesmente deliciosa e que chegou às minhas mãos porque, tal como já referi em outras opiniões, sou uma privilegiada a quem emprestam obras que de outra forma poderiam passar-me despercebidas ou ser preteridas, na obra da compra, por aquelas que já preenchem a minha wishlist há tempos e tempos.
Nas raras vezes que este ano letivo temos almoçadas juntas, a Susana e eu trocámos impressões sobre as leituras que eu vou fazendo e sobre aquelas que ela vai partilhando com os dois filhotes. Foi assim que tomei conhecimento do Sr. Pivete, uma obra que, segundo ela, teria que ler porque me iria proporcionar momentos únicos. E assim foi.
O Sr. Pivete é um senhor já avançado na idade que vive na rua, na companhia da sua cadela Duquesa, tão fedorenta e suja como ele. Ninguém, mas ninguém se aproxima dos dois, porque o cheiro que destilam é tão pestilento que, a alguns metros de distância, o nariz não pode encorrilhar mais e a vontade de vomitar é quase insuportável. Até que um dia, Chloe, uma menina de 12 anos, sente que a sua curiosidade é mais forte que o desejo de distanciar-se do pivete (“… o pior tipo de cheiro que existe”) e aproxima-se do sem-abrigo que fez de um velho banco de jardim a sua residência. Mete conversa com ele, fica a saber que o Sr. Pivete se vê a si mesmo como um vagabundo (“Não gosto da palavra “sem-abrigo”. faz lembrar alguém que cheira mal – pág. 35) e, pouco a pouco, é capaz de engolir a vontade vomitar e apertar o nariz e começar a ver naquele “vagabundo” o único amigo que tem na vida.
Li a obra num tempo recorde, tendo em conta o caos que é o final de um período letivo, com testes e avaliações que não parecem terminar nunca. Li-a num tempo recorde porque a narrativa e as ilustrações que a acompanham são deliciosas. A personagem do Sr. Pivete é uma das melhores personagens com que já me cruzei nestes anos infindáveis de leitora compulsiva. É deliciosamente ternurenta, elegante como só um verdadeiro cavalheiro pode ser, sagaz e muito, mas muito hilariante. Rompi frequentemente em gargalhadas com passagens suas. Há momentos que são impagáveis, acima de tudo aqueles que ele, propositadamente, se faz de ingénuo e parvinho. Quanto à sua amiga Chloe, ninguém consegue ficar indiferente ao sofrimento que carrega uma menininha de 12 anos, que é alvo constante de chacota das colegas da escola, desprezada pela irmã mais nova, criticada vezes sem conta pela sua mãe e a quem apenas o pai acarinha, mas só quando o próprio não é “espezinhado” pela esposa. As restantes personagens, isto é, os membros da família de Chloe, o Raj, dono de uma loja de doces, e uma e outra mais, estão igualmente muito bem construídas e o exagero que o autor colocou nas suas atitudes e no seu caráter levam-nos a soltar mais umas boas gargalhadas e a encaixar o que verdadeiramente está por detrás da ironia, do escárnio e do maldizer. A juntar a tudo isto (como se não fosse suficiente), deparei-me com um final perfeito, perfeito, que me arrancou umas sentidas lágrimas e me fez ter ainda mais vontade de dar um abraço apertadinho ao Sr. Pivete, nem que para isso tivesse que apertar o nariz com uma mola e parar de respirar. Absolutamente e magicamente perfeito!
Por tudo isto, rogo-vos que leiam esta obra, que a ofereçam aos miúdos que tenham por perto, que façam como a minha colega Susana e partilhem a sua leitura com filhotes, sobrinhos, afilhados, com quem quiserem, mas que a leiam!!! É obrigatório que o façam! Eu já prometi a mim mesma que tenho que a comprar para a minha estante, para que o pequeno cá de casa a possa ler e para que eu possa reler um dia destes!

NOTA – 10/10

Sinopse
Chloe é talvez a menina mais solitária do mundo. E, então, conhece o Sr. Pivete, o sem-abrigo que anda pelas ruas perto de sua casa. Sim, ele cheira um pouco mal - mas é também a única pessoa que trata Chloe com alguma simpatia. Por isso, quando o Sr. Pivete precisa de um sítio para ficar, Chloe decide esconde-lo no barraco do jardim.
Mas Chloe depressa descobre que há segredos que prometem sarilhos. E, por falar em segredos, talvez o Sr. Pivete tenha um que te deixe com a pulga atrás da orelha! (Literalmente…)

O cão e os Caluandas, de Pepetela


Ficha técnica
TítuloO cão e os caluandas
Autor – Pepetela
Editora – Publicações Dom Quixote
Páginas – 172
Data de leitura – de 24 a 27 de novembro de 2017

Opinião
Com Pepetela aprendo sempre um pouco mais sobre Angola. Nesta obra aprendi um pouco mais sobre Luanda e sobre os seus habitantes, os Caluandas. Este é apenas o terceiro livro que leio deste autor, mas a bagagem proporcionada pelos anteriores permitiu-me adentrar-me na narrativa e sobretudo na sua linguagem, repleta de termos e expressões do português angolano, sem que isso se revelasse uma grande “maka”. J
Tal como o título indica, esta obra, uma das primeiras escritas por Pepetela, segue as pisadas de um cão, um pastor alemão que deambula pelas ruas de Luanda sem trela nem dono e que se vai aproximando de um número significativo de pessoas com quem se cruza. Não pede nada, deixa que lhe afaguem o lombo, segue a pessoa para onde quer que ela vá, instala-se temporariamente na sua vida, recebe mimos ou patadas e um dia, sem que ninguém saiba porquê, desaparece e segue o seu rumo de cão sem dono. Mas deixa sempre marca naqueles com quem se cruzou e é essa marca que o autor tenta registar nas páginas da sua obra, interpelando um poeta de rua, um primeiro-oficial, um operário fabril, tendo acesso a atas, a um argumento de uma peça teatral ou falando com o mais comum dos caluandas. Através destes testemunhos, vamos ganhando simpatia e fascínio pelo canídeo ao mesmo tempo que vamos compreendendo a sociedade angolana dos anos oitenta, recém-saída da dependência colonial. Todos aclamam orgulhosamente essa libertação de um jugo de séculos, todos continuam a apontar o colonizador como culpado de todos os males que lhes aconteceram ou acontecem. Mas todos (e isso vamos captando através da escrita do autor, suave e paradoxalmente irónica e humorística) vão demonstrando o longo percurso que Angola teria que percorrer como jovem nação independente e exemplificando vícios e erros que infelizmente perduram nos dias de hoje, mais de trinta anos depois – o suborno, a corrupção, a disparidade entre as classes sociais e as consequentemente distintas condições de vida entre um camarada diretor e um camarada empregado fabril.
A obra, para além dos testemunhos reunidos pelo autor sobre a passagem do cão na vida de alguns caluandas, apresenta uns capítulos escritos em itálicos intitulados “buganvília” e que relatam a vontade de uma família (que casualmente – ou não – tem um cão) em criar uma quinta numa localidade perto de Luanda e que lhe possibilite enriquecer com os produtos que cultivam aí. Junto à casa da quinta, plantam uma buganvília que crescerá a um ritmo voraz, espezinhando tudo o que esteja à sua volta e devorando terreno e as paredes da casa. Confesso que não entendi muito bem o propósito desta parte. Talvez o autor queira simbolicamente associar a voracidade da buganvília à voracidade e velocidade com que a corrupção e a desigualdade abocanharam e se assenhoraram da jovem nação angolana, o quanto a sua semente parecia, à partida, insignificante e inofensiva e num ápice esmagou tudo o que se lhe apresentasse à frente… Talvez seja esse o significado destes capítulos em itálicos, talvez não seja em absoluto esse o seu significado… Ficarei eternamente na dúvida.
Foi uma leitura agradável. Simpatizei imenso com o cão, adoraria poder afagar-lhe o pelo e seguir as suas deambulações. Gostei do registo inovador que preenche grande parte da narrativa, traduzido em testemunhos de diversas proveniências e em interferências pontuais do próprio autor. Gostei de saborear, uma vez mais, a língua portuguesa temperada com expressões e vocábulos angolanos e sentir-me satisfeita por não ter que recorrer, com a frequência que havia feito em leituras anteriores, ao glossário presente no final da obra ou a um dicionário online. Porém, não gostei muito de tropeçar com ideias e factos de forma repetitiva – eu sei que a corrupção e o suborno são gigantescos em terras caluandas, mas já sei disso desde que comecei a ler autores angolanos. Também não gostei muito da parte intitulada “Buganvília”, sobretudo porque não entendi bem o que a mesma significa ou representa. E por fim, refiro que não gostei muito das últimas partes – as que poderemos apelidar de epílogo – porque me deixaram baralhada e sem certezas nenhumas sobre o que havia lido até aí. Bule-me com os nervos tudo aquilo que não consigo entender com clareza, tudo aquilo que saia de alguma forma do concreto, passe para o lado fantástico e não entre no meu entendimento.
Enfim, uma leitura interessante. Não a melhor, no meu ponto de vista, que fiz de obras de Pepetela, mas uma leitura que os amantes de autores africanos e de narrativas onde o real anda de mãos dadas com a fantasia devem ter em conta.

NOTA – 07/10

Sinopse
O Cão e os Caluandas lança um olhar inteligente sobre a realidade do pós-independência de Angola, e retomam algumas obsessões mais frequentes da literatura angolana: a busca das raízes de uma identidade nacional, a dualidade tradição/modernidade e o lugar da violência na sociedade contemporânea.