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A música da fome, de J. M. G. Le Clézio


Ficha técnica
TítuloA música da fome
Autor – J. M. G. Le Clézio
Editora – Publicações Dom Quixote
Páginas – 188
Datas de leitura – de 09 a 14 de julho de 2017


Opinião
Quase quatro meses depois, as leituras em conjunto com a Isa e a Márcia regressaram aqui ao blogue, desta vez com uma sugestão minha. Descobri Le Clézio o ano passado, com Estrela Errante (ver opinião aqui) e nunca mais consegui esquecer o turbilhão de emoções que senti ao ler a história de Esther e Nejma e o quanto me deixei embalar pelo lirismo e a magistralidade do estilo de Le Clézio. Por isso, não hesitei em sugerir que a segunda leitura que faço com as minhas queridas colegas destas andanças blogueiras fosse de uma obra deste autor francês galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 2008.
A escolha recaiu em A música da fome, também ela protagonizada por uma menina que vai crescendo ao longo da narrativa. Ethel é a única filha de Alexandre e Justine, mas é com o seu tio-avô – Monsieur Soliman – que dá longos passeios e é dele que ouve histórias que a fazem conhecer o mundo. “Ethel sente-se orgulhosa junto de Monsieur Soliman. Tem a impressão de estar na companhia de um gigante, de um homem capaz de abrir caminho em qualquer desordem do mundo.” Contudo, o seu tio-avô é um senhor idoso que adoece e morre antes de Ethel completar treze anos. Só no mundo, apesar de frequentemente ter a sua casa “atolada” de convidados dos pais, a jovem protagonista busca companhia e afetos em Xénia, companheira de escola, filha de uma refugiada russa – uma “mancha loura, um clarão” em “todo aquele cinzento”. “Finalmente encontrei uma amiga”. Será na sua companhia que Ethel desabrochará. Tudo fará para agradar à sua nova amiga e simultaneamente perderá qualquer resquício de inocência que ainda pudesse habitar em si. Compreenderá que na vida não há nada linear, que é apenas mais um peão no correspondente jogo manipulado por quem deveria ser a sua melhor amiga e por quem deveria amá-la e protegê-la incondicionalmente.
Nas páginas iniciais travamos conhecimento com uma Ethel de apenas dez anos, que segue de mão dada com Monsieur Soliman e se maravilha com tudo o que descobre ao seu lado. É uma criança que se sente acarinhada, apoiada e amparada. Porém, a morte deste tio, deste avô, deste gigante que vence tudo e todos, deixa-a só, carente, privada de afeto, de cumplicidade. Passará a ser um alvo fácil daqueles que sentem prazer em dominar, daqueles que não olham a meios para atingir os seus fins. Crescerá como pode. Verá a sua família ser despojada de praticamente todos os seus bens materiais e a ter que sobreviver à falência económica e a uma guerra que os obrigará a ser refugiados dentro do seu próprio país. Passará fome. Aceitará o amor que um jovem lhe oferecerá. Mas nunca mais recuperará a inocência, a confiança. Nunca se abrirá totalmente a ninguém, porque ninguém lhe saciará a fome, nunca ninguém lhe restituirá esses momentos mágicos e completos que experienciou nos longos passeios que dava com o seu tio-avô, nos momentos em que descobria o mundo através das histórias de Monsieur Soliman.
Quando se lê um autor pela segunda vez (ou pela terceira, quarta…), é impossível não estabelecer comparações. Como é óbvio, estabeleci-as entre Estrela Errante e A música da fome e as conclusões são evidentes – a escrita continua sublime, introspetiva, contida e digna de ser conhecida e admirada por todos. Tanto uma narrativa como a outra estão muito bem construídas, com pinceladas de História que nos tornam mais instruídos, mais conhecedores. Mas se comparo as protagonistas, afirmo sem nenhuma dúvida que o meu coração, as minhas emoções pendem para Esther e Nejma de Estrela Errante, porque não perderam totalmente a candura, a esperança, a vontade de viver, porque sofreram horrores indescritíveis e ainda mostram vida no olhar. O mesmo não se pode dizer de Ethel. É muito mais difícil criar laços com a protagonista de A música da fome. Talvez porque está seca, porque se deixa levar pela vida quase sem reagir, sem esbracejar. Talvez porque deixou há muito de sentir que pertence verdadeiramente a alguém.
Poderia assim, após o que referi até ao momento, afirmar que esta leitura fora a terceira do mês a ficar aquém das expetativas. Mas não estaria a ser completamente sincera, pois, por um lado, há algo que me prende a Ethel – compaixão, vontade de a abanar – e, por outro, o final da narrativa, o desenlace da história de Ethel que coincide com os primeiros dias do pós Segunda Guerra Mundial deixaram-me com lágrimas nos olhos, sobretudo aqueles fragmentos que remetem para a rusga e aprisionamento de judeus no Velódromo de Inverno em 1942 e consequente deportação para os campos de extermínio. Recordei outras leituras (sobretudo a da obra Chamava-se Sara) e constatei a ironia que está por detrás da proximidade entre as datas da Tomada da Bastilha – 14 de julho – e a desse episódio negro na História francesa – 16 de julho. Resumindo, uma leitura não tão poderosa como a de Estrela Errante, mas uma leitura que ainda se mantém comigo e que me levará a ler de novo Le Clézio.
Para terminar, tenho que referir que esta leitura a três foi tão saborosa como a sua antecessora, pois conduziu a uma nova partilha de ideias, apontamentos e opiniões. Todas somos unânimes em afirmar que há que repetir a experiência muito em breve, pois ler com companhia tem um gostinho bem melhor!

Deixo aqui o link para poderem aceder à opinião da Márcia e da Isaura – cliquem no nome de cada uma (para já ainda não estão disponíveis).

NOTA – 07/10

Sinopse

Ethel Brun é filha de um casal de exilados, formado por Justine e Alexandre, um homem afável e irrequieto que muito jovem deixou a ilha Maurícia e que, na alegre Paris dos anos 20 e 30, se dedica a delapidar a herança em negócios pouco recomendáveis. Na infância, o único prazer de Ethel é passear pela cidade com o seu tio-avô, o excêntrico Samuel Soliman, que sonha ir viver para o pavilhão da Índia Francesa construído para a Exposição Colonial. E, na adolescência, Ethel conhecerá algo parecido com a amizade pela mão de Xenia, uma colega de escola, vítima da Revolução Russa e que vive quase na miséria. O bem-estar de Ethel começa a resvalar quando, nas refeições que o seu pai oferece a parentes e conhecidos, se repete cada vez mais o nome de Hitler. Serão os primeiros sinais do que ameaça a família Brun: a ruína, a guerra, mas, sobretudo, a fome. Ela marcará o despertar da jovem Ethel para a dor e o vazio, mas também para o amor, num romance em torno das origens perdidas, durante uma época que culminou com um apocalipse anunciado. 

Estrela Errante, de J. M. G. Le Clézio


Ficha técnica
Título – Estrela errante
Autor – J. M. G. Le Clézio
Editora – Publicações Dom Quixote
Páginas – 290
Datas de leitura – de 24 a 29 de fevereiro de 2016


Opinião
Que delícia foi ler esta obra! Pode parecer contraditório afirmar isto, porque muito pouco em Estrela errante nos coloca um sorriso na cara, nos faz pensar cor-de-rosa ou ser otimista, mas tudo isso torna-se supérfluo quando esbarramos com palavras, parágrafos, capítulos tão bem delineados, tão bem escritos. Vezes sem conta dei comigo com o olhar preso em determinada passagem, presa ao poder das palavras, como que perdida entre a beleza e o deleite dum amontoado de letras, que combinadas pela mão genial do escritor, nos permitem tomar o lugar da personagem, enroscar no seu íntimo e ver os que os seus olhos veem, pensar o que o seu intelecto pensa, sentir o que seu coração sente, desfrutar o que os seus sentidos desfrutam. É esta a magia e a força da leitura J
Esther e Nejma são as protagonistas desta obra. São duas adolescentes marcadas por experiências terríveis. Uma é judia, conseguiu escapar às garras dos nazis, mas na fuga perdeu o pai, a inocência e a noção de casa, de pertencer a um lugar. A outra é palestiniana e também ela se vê obrigada a fugir da sua cidade, do mar e das ruas que sente como suas para não sucumbir, para não perder a vida. A errância e a casualidade fazem com que os passos de uma se cruzem com os passos da outra, que Esther e Nejma se olhem nos olhos, se toquem e troquem muito mais dos que os seus nomes, já que nunca mais se esquecerão desses breves momentos, desse diálogo mudo, dorido que recordarão em alturas fulcrais ou insignificantes das suas vidas.
 A força, a determinação, a coragem, o crescimento forçado por circunstâncias terríficas, a inocência que espreita em lugares desoladores e sobretudo a capacidade de olhar, de observar e de ainda desfrutar da magia da natureza fizeram com que me rendesse sem reservas às duas meninas-mulheres que erram, vagueiam ao longo das 290 brilhantes páginas da obra. Foi impossível não me identificar com as fugas de Esther, que tenta enganar a realidade de guerra e de terror, evadindo-se, indo ao encontro de refúgios, de locais mágicos, onde a água, os sons que produz, o choque térmico que lhe eriça a pele, o seu irrevogável curso alimentam os seus sonhos, a sua esperança. Foi ainda pungente e aflitivo acompanhar Nejma nos intermináveis dias de um campo de refugiados, no qual o calor abrasador, a falta de água potável, a perda de quase tudo o que nos define como humanos a impeliam a afastar-se de todos, a pôr o olhar no horizonte e a desafiar a morte.
Estrela errante é assim uma obra pouco ou nada indicada para quem não quer mergulhar na dor, no desespero, na desolação, naquilo que faz enroscar e querer desaparecer. Contudo, para quem busca – tal como eu – com desespero e agonia uma obra que nos toca, que nos faz crescer, que nos alimenta o vício de querer ler mais e mais, que nos leva a agradecer a existência da literatura, deve mergulhar no mundo deste autor francês, galardoado com o Nobel em 2008. A sua deliciosa escrita (pelo menos nesta obra, que é a única que li dele) é contemplativa, contida, carregada de lirismo, sensorial e alcançou aquilo que eu pretendo de uma leitura – fez-me viajar, arrebatou-me, extasiou-me, enlevou-me.
         É, por fim, uma obra que glorifica o feminino. É um hino às mulheres como um todo, como um ser único e especial que somos.
         Antes de terminar, tenho que agradecer à Verinha “Gastabromas” por me ter emprestado o livro. Gracias, Verinha, proporcionaste-me cinco dias de uma leitura “terriblemente exquisita” J J

         NOTA – 09/10 (não lhe dou a nota máxima, apenas porque queria mais de Nejma…)

         Sinopse
         Esther descobre o que pode significar ser judia em tempo de guerra: após uma adolescência serena, vai conhecer o medo, a humilhação, a fuga pelas montanhas e a morte do pai. 
Terminada a guerra, Esther parte para o jovem estado de Israel. Mas a Terra Prometida não lhe vai proporcionar a paz: à chegada terá um encontro com Nejma, que deixa o seu país com as colunas de palestinianos rumo aos campos de refugiados. 
 Esther e Nejma, a judia e a palestiniana, nunca mais deixarão de pensar uma na outra. 

 Estrela Errante é a descrição de uma viagem rumo à consciência de si mesmo.  Um romance onde Le Clézio glorifica as mulheres e denuncia o absurdo da guerra.