O quarto de Jack, de Emma Donoghue


Ficha técnica
TítuloO quarto de Jack
Autora – Emma Donoghue
Editora – Porto Editora
Páginas – 333
Datas de leitura – de 18 a 22 de janeiro de 2017

Opinião
Os prémios Oscar do ano passado trouxeram à ribalta a adaptação cinematográfica da história arrepiante e tenebrosa de uma jovem raptada e mantida em cativeiro durante uma infinidade de anos. Da relação que mantém com o raptor (se é que se pode apelidar de relação aquilo que ela tem que suportar dia após dia), nasce Jack que vive os seus primeiros cinco anos “enjaulado” num espaço de pouco mais de 10 metros quadrados.
Contudo, para o pequenino Jack o quarto não é uma jaula, mas sim o seu mundo, aquele que ele sabe que existe, em comparação a tudo que vai vendo na televisão e que, de acordo com o que a mãe lhe ensinou, faz parte de outro espaço, de um mundo de faz de conta e inalcançável. É no quarto que saúda todos os objetos que lhe pintam o dia-a-dia, que lê os cinco livrinhos infantis vezes sem conta, que prefere a história de uma escavadora à da Alice e o país das maravilhas (que, para ele, contém uma linguagem um bocadinho confusa), que faz os habituais exercícios de ginástica, que come com a sua colher “derretida” e que espera ansiosamente pelo mimo de domingo. O quarto é assim sinónimo de normalidade, de felicidade, de birras, de confrontos com a sua mamã, de um dia que passa igual ao anterior, interrompido apenas quando não pode dormir na cama da mãe e se tem que refugiar dentro do armário porque o Nick o Mafarrico insere o código na porta, abre-a, troca algumas palavras com a sua mamã, deita-se na cama com ela e durante alguns minutos (que Jack contabiliza através dos ruídos que a cama produz) lhe faz algo que muitas vezes faz com que a mamã ganhe hematomas ou não queira nem a companhia do filho.
Tinha perfeita consciência de que a leitura desta obra seria como assistir a uma sessão de tortura. Reflexo dessa consciência foram os pesadelos que tive enquanto a fui lendo, sempre associados a imagens claustrofóbicas e de alguém continuamente a prender-me ou ao meu filho. Porém, enquanto o meu lado onírico punha em evidência o terror e o inimaginável, o meu lado racional ia sendo conquistado pelas palavras de Jack. Considero que a autora tomou a decisão certa ao dar o papel de narrador à personagem que, através da sua inocência, nos faz um relato divertido, enternecedor e comovente do que nada mais é do que a consequência do lado horrendo e tenebroso do ser humano.
Acho que não cometo nenhum pecado, nem me converto em “spoiler” ao desvendar que o relato de Jack está dividido em duas partes (embora a obra esteja dividida em mais) – a que nos deixa penetrar no quarto e a que diz respeito à fuga que a sua mãe congemina e que faz com que os dois se libertem do jugo do raptor. Este antes e depois na vida de progenitora e descendente é avassalador para ambos. Para Jack é como se o chão se lhe escapasse de debaixo dos pés, porque saiu do ninho, saiu de um mundo só seu e da sua mãe e atiraram-no para outro caótico, extremamente ruidoso e povoado, aceleradíssimo, contaminado de doenças, sol incandescente, toques, e verdades inquestionáveis para todos menos para ele. Por sua vez, para Joy (que nome tão irónico…), o regresso ao seu mundo está impregnado de expectativas, de vontades, de saudades, de uma avalanche de sensações e sentimentos próprios. Quer voltar aos braços dos pais, quer recuperar a sua vida de antes, recomeçá-la exatamente onde a deixou. Quer voltar a ser menina, que lhe lambam as feridas. Mas os anos que passou encerrada no quarto privaram-lhe da juventude e transformaram-na em mãe, em progenitora. Por isso, já cá fora, Joy não pode apenas pensar em si, tem que saborear a sua liberdade e compreender que a mesma, para Jack, tem um sabor oposto – sabe a terror, a desconhecido, a clausura.
O quarto de Jack é, por tudo isto, uma leitura desafiante e angustiosa para todos, mas sobretudo para quem tem filhos. Acaba por relembrar-nos do quanto estes dependem de nós, do quanto são fruto do que lhe ensinamos e de que não podemos, enquanto pais, viver apenas a nossa vida, imaginá-la independente da dos nossos pequenotes, que sempre recorrem ao pai e à mãe quando algo não está bem.
A obra de Emma Donoghue oferece-nos igualmente uma leitura inovadora, muito bem articulada, que nos faz cair de amores por Jack, que nos faz querer, por um lado, dar-lhe muito colinho e, por outro, aceder à sua vontade de não ser tocado, não ser incomodado. Permite que compreendamos que, por muito que vivamos numa sociedade dita desenvolvida e avançada, o que aqui é ficção pode ser verdade, realidade no dia de amanhã.
Enfim, uma obra muito interessante, dura, comovedora, dona de uma escrita sem “teias de aranha” e que nos conquista. Por tudo.
Recomendo.

NOTA – 09/10

Sinopse
O quarto é um lugar que nunca vai esquecer; o mundo é um sítio que nunca mais olhará da mesma maneira.

Para Jack, de cinco anos, o quarto é o mundo todo. É onde ele e a Mamã comem, dormem, brincam e aprendem. Embora Jack não saiba, o sítio onde ele se sente completamente seguro e protegido, aquele quarto é também a prisão onde a mãe tem sido mantida contra a sua vontade. Contada na divertida e comovente voz de Jack, esta é uma história de um amor imenso que sobrevive a circunstâncias aterradoras, e da ligação umbilical que une mãe e filho.

Jogo Perigoso, de Gerard van Gemert


Ficha técnica
TítuloJogo Perigoso
Autor – Gerard van Gemert
ColeçãoOs Heróis do futebol – volume II
Editora – Editora Nacional
Páginas – 160
Datas de leitura – de 19 a 20 de janeiro de 2017 / Filhote – de 26 de novembro a 26 de dezembro de 2016

Opinião
O meu filhote continua a desbravar entusiasticamente as páginas desta coleção. Na altura em que escrevo esta opinião ele já leu o volume III e está a ler as primeiras páginas do IV. Tudo por amor ao futebol e, para orgulho da mamã, à leitura!
Neste volume, voltamos ao convívio de Rodrigo e Rafael, os dois inseparáveis amigos cuja equipa – F. C. Lobitos – acompanha o Atlético 69 na viagem que esta formação sénior faz até Londres para jogar a segunda mão das meias-finais da Liga dos Campeões. Será então em terras de Sua Majestade que os nossos protagonistas viverão uma aventura perigosíssima ao mesmo tempo que fazem o gosto ao pé e assistem a uma partida emocionante que decidirá se a equipa de Berto Torres alcançará o feito inédito de disputar a final da mais importante competição europeia de futebol.
Não foi possível, mais uma vez, ler ao mesmo tempo que o D. esta obra. Porém não quis deixar de a ler, não só porque o meu filhote adora que eu leia o que ele lê, mas também porque a curiosidade me obrigou a fazê-lo. Como referi na opinião que escrevi sobre o volume I (podem lê-la aqui), esta coleção é muito interessante e não é sacrifício nenhum continuar a seguir as peripécias de dois amigos completamente doidinhos por futebol e cujos comportamentos são típicos de adolescentes enérgicos, vivaços e de muito boa índole. Admito que não li com sofreguidão as passagens relacionadas com descrições de passes, de dribles e de outras manobras táticas, mas segui com gosto a cumplicidade de Rodrigo e Rafael, as travessuras do primeiro e a tranquilidade do segundo, a amizade que os une, as primeiras pisadas de Rafael no difícil campo do amor e todo o ambiente jovial que o autor tão bem soube criar.
Agora resta-me arranjar um bocadinho de tempo para ler o volume III e trocar impressões sobre o mesmo com o meu filhote que, uma vez mais, teve que dar nota máxima tanto a esse volume como a este.
Para concluir, relembro que tanto eu como o mais novo cá de casa aconselhamos vivamente a leitura desta coleção, pois tem tudo para cativar miúdos e graúdos.

NOTA – 10/10

Sinopse

O FC Lobitos é o único clube amador que participa na luta pelo Campeonato Nacional. O patrocinador do clube recompensou os jogadores com uma viagem a Londres onde vão assistir à meia-final da Liga dos Campeões entre o Petchwood United e o Atlético’69. O que devia ser uma viagem tranquila transforma-se num autêntico pesadelo. Rafael e Rodrigo vão ver-se envolvidos num perigoso jogo de intrigas e corrupção. Felizmente podem recorrer às suas qualidades futebolísticas para tentar salvar a situação, acabando por ter mais influência no resultado da meia-final do que alguma vez acharam possível.

Volver a Canfranc, de Rosario Raro


Ficha técnica
TítuloVolver a Canfranc
Autora – Rosario Raro
Editora – Planeta
Páginas – 504
Datas de leitura – de 09 a 18 de janeiro de 2017

Opinião
Canfranc é com certeza um nome desconhecido para imensas pessoas. Também o era para mim. Mas se fizermos uma pesquisa no Google, rapidamente descobrimos que Canfranc é o nome de uma estação ferroviária que uniu até 1970 Espanha e França através de um túnel escavado nos Pirenéus. E rapidamente nos deslumbramos com as imagens que ilustram a grandiosidade e majestosidade do seu edifício com porte e silhueta de um palácio real.
Mas Canfranc não é apenas sinónimo de tudo isso ou de uma degradação que dói de ver e que é consequência do encerramento da via ferroviária internacional. É também sinónimo de uma via de escape para centenas ou milhares de judeus que durante a Segunda Grande Guerra fugiram ao jugo nazi. Entre eles nomes célebres como o do pintor bielorrusso Marc Chagall, Alma Mahler, uma das mulheres mais fascinantes do século XX, o irmão mais velho de Thomas Mann e a sua família e ainda a controversa e famosíssima Josephine Baker e o seu marido judeu. Famosos e anónimos cruzaram os Pirenéus e quando chegavam a Canfranc sabiam que estavam um pouco mais perto da ansiada liberdade, pois aí apanhariam um comboio que os levaria a atravessar a Península Ibérica até alcançarem Lisboa, onde embarcariam rumo a uma vida livre.
“Para muchos perseguidos por el régimen nazi, la esperanza se llamó Canfranc.” (pág. 11)
Este é a premissa, o ponto de partida para Volver a Canfranc, um romance que parte dos referidos factos históricos e aos quais a sua autora habilmente mistura a ficção e assim cria uma história que nos prende desde as páginas iniciais.
A estação de Canfranc, apesar de estar situada em terras aragonesas, ou seja, em solo espanhol, era uma estação internacional. Todos os seus serviços eram em duplicado – havia, por exemplo, um chefe de estação espanhol e francês e serviços aduaneiros de ambas as nacionalidades. O seu piso superior estava ocupado pelo Hotel Internacional. E é nestes serviços e instalações que se movimentam dois dos protagonistas da obra – Laurent Juste é o chefe francês dos serviços aduaneiros e Jana Belerma é criada do hotel. Para além desses mesteres, dedicam-se clandestinamente a ajudar de todas as formas possíveis os refugiados judeus que chegam a Canfranc escondidos em vagões ou que descem das montanhas que rodeiam este enclave ferroviário onde, desde o inverno de 1942, uma bandeira com a cruz suástica “acolhe” todos aqueles que por lá passam.
Laurent e Jana não trabalham sozinhos. A eles se juntam outras personagens de ambos os lados da fronteira, como Montlum, o companheiro de outras guerras de Laurent, Valentina, uma miúda de treze anos que ajuda Jana com as lides do hotel, um médico, o doutor Mallén, que em Zaragoza acolhe os refugiados que necessitem de cuidados clínicos, Didier, um trabalhador da ferrovia e Esteve Durandarte, contrabandista, cavaleiro enigmático que vive nas encostas das montanhas e que desassossega os corações femininos. Este punhado de personagens, armados de valentia e de um intrínseco sentido do dever e da justiça, põe todos os dias as suas vidas em risco para que a guerra possa terminar um pouco mais cedo e para que a liberdade seja um direito que assiste a todos.
Não é novidade nenhuma para quem me conhece e segue as minhas leituras aqui no blogue que sou obcecada por obras que abordem períodos bélicos, sobretudo aqueles que foram longos e atrozes. Sendo assim porque a cronologia assim o ditava, porque em janeiro se comemora o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto e porque quis participar no projeto Leituras do Holocausto II no Goodreads, embarquei na leitura de Volver a Canfranc com algumas expectativas e aquele interesse que me percorre todinha quando tenho entre mãos um grande amontoado de páginas (504, para ser exata) que absorverá a minha atenção e mexerá comigo de uma forma inexplicavelmente boa.
Agora que já se passaram alguns dias desde que a terminei, posso afirmar que foi uma leitura muito saborosa, que ainda me habita e que por isso não desiludiu. Não foi uma leitura a que darei sem hesitar a pontuação máxima, talvez porque lhe falta alguma intensidade nos momentos mais dramáticos e na caracterização das personagens principais, mas foi uma leitura muito interessante, que me abriu caminho para confirmar que a Segunda Grande Guerra não se desenrolou apenas nos palcos principais e que me deixou com umas ganas tremendas de pisar in loco as vias e os espaços que compõem o soberbo espaço da estação de Canfranc, fechar os olhos e reconstruir na minha memória tudo o que de bom e vital para a humanidade se fez por lá há uns bons anos atrás.
Tenho muita pena que esta obra ainda não esteja traduzida e publicada no nosso país, pois sei que agradaria a muitos leitores e faria com que os mesmos soubessem onde fica Canfranc e por que razão esta estação foi sinónimo de esperança e liberdade para muitos judeus nos anos 40 e ainda continua a sê-lo para os seus descendentes.
Termino deixando-vos uma imagem que ilustra a grandiosidade do edifício da estação que dá nome à obra e que me faz tanto querer conhecê-la, senti-la – Hasta pronto, Canfranc.


NOTA – 09/10

Sinopse

Marzo de 1943. Agazapados dentro de una habitación secreta, varias personas contienen la respiración mientras aguardan a que el sonido de las botas reforzadas con metal de los soldados alemanes se aleje. En la estación internacional de Canfranc, en el Pirineo, la esvástica ondea sobre la playa de vías. En medio de la oscuridad, Laurent Juste, jefe de la aduana, Jana Belerma, camarera del hotel, y el bandolero Esteve Durandarte arriesgan sus vidas para devolverles la libertad. Volver a Canfranc es su historia. Jana y Esteve, armados tan solo con la valentía que da el amor, lucharon porque miles de ciudadanos judíos consiguieran atravesar esta estación mítica. Además de ellos, otras personas guiadas por la generosidad decidieron enfrentar el terror y ayudarlos. Para miles de perseguidos por el régimen nazi la esperanza se llamó Canfranc.

O mar por cima, de Possidónio Cachapa


Ficha técnica
TítuloO mar por cima
Autor – Possidónio Cachapa
Editora – Oficina do Livro
Páginas – 240
Datas de leitura – de 03 a 08 de janeiro de 2017

Opinião
O nome Possidónio Cachapa por si só provoca estranheza e intriga. Recordo-me de ter esbarrado nele há uns bons anos quando li uma crítica sobre um romance seu. Por coincidência, o meu cunhado também descobriu este autor por essa altura, comprou umas obras suas e espicaçava a minha curiosidade elogiando o seu estilo e as suas histórias. Contudo, e por motivos que não consigo explicar, fui protelando e protelando a entrada no mundo deste escritor que, à partida, oferecia ingredientes mais do que suficientes para enriquecer as minhas leituras.
O início de um novo ano traz habitualmente promessas, novas resoluções e, imbuída desse espírito resolutivo, decidi não perder mais tempo e trazer da minha primeira visita de 2017 à biblioteca da terrinha o único exemplar que possuem das obras de Possidónio Cachapa.
Mar por cima encerra em si uma história sofrida, dorida e de alguma forma claustrofóbica. Claustrofóbica como involuntariamente sempre me pareceu uma vida que é vivida rodeada por mar por todos os lados, que nos impossibilita a fuga, a evasão, a procura de uma liberdade que o continental (como oposto ao insular) permite aos seus habitantes. Sei que esta visão de uma existência nas ilhas é redutora, mas não consigo evitá-la e senti-a sempre comigo, ao meu lado, enquanto lia as páginas de Mar por cima, que, de uma maneira ou de outra, a exacerbou.
Colocando parte da sua narrativa numa das ilhas do arquipélago açoriano; colocando uma ênfase muito particular no mar, num horizonte aquático sem fim e aprisionador; apresentando-nos personagens perdidas, encarceradas na sua geografia interior, nos meus medos, demónios, culpas, e ao mesmo tempo amputadas pelo preconceito social, Possidónio Cachapa coloriu os primeiros dias do meu 2017 com tons negros – tal como tanto gosto. Não é novidade nenhuma que busco na ficção sobretudo o que não é agradável, doce e fácil. E portanto a leitura de O mar por cima foi, no mínimo, saborosa e a estreia no mundo do seu autor muito aprazível.
A narrativa desta obra centra a sua atenção em duas personagens masculinas que aparentemente nada têm em comum. Por um lado, está Ruivo, um agente policial que vive com a namorada em Lisboa e, por outro, temos David, um rapaz introvertido que, por razões familiares, se vê obrigado a mudar para os Açores. Intercalando estas personagens e correspondentes ações paralelas, vamo-nos deparando com capítulos escritos em itálico que focam a sua atenção no mar, no quotidiano de gente que sempre viveu dependente dessa realidade aquática, onde homens, mulheres e insignificantes pedaços de terra, rochedos e plantas nada mandam. A unir tudo isto, as personagens referidas e os espaços em que deambulam, temos a dor, o sofrimento sofrido em silêncio, a culpa, a perda, a busca de calor e aconchego e sobretudo a já mencionada claustrofobia, os já mencionados enclausuramento, peso, sufoco e impotência.
Introduzi-me tarde no mundo literário de Possidónio Cachapa. Mais tarde do que havia previsto. Mas mais vale tarde do que nunca. Gostei do que li, gostei do estilo, da sua escrita e faço tenção de pedinchar ao meu cunhado que me empreste as obras que tem de Possidónio em sua casa.
Como tal e por tudo o que referi, recomendo.

NOTA – 08/10
Sinopse

Romance de uma intensidade feroz, capaz de abalar a nossa visão do mundo, das pessoas e do amor. Narrativa crua mas simultaneamente pura, uma vertigem de sentimentos com uma dimensão espiritual e que, por isso, tem de ser engolida pelo mar, pelo inexplicável... O Mar por Cima é um desafio à nossa tolerância e aos nomes dos nossos sentimentos. 

Lo que no tiene nombre, de Piedad Bonnett


         
Ficha técnica
TítuloLo que no tiene nombre
Autora – Piedad Bonnett
Editora – Alfaguara (edição Kindle)
Páginas – 112
Datas de leitura – de 1 a 3 de janeiro de 2017

         Opinião
         A dor de perder um filho não tem nome, não consegue ser nomeada. Quando fico a par de notícias de pais que perdem um filho, que lhes é arrancado dos braços pela morte, de imediato uma couraça se levanta e protege-me. Não dou tempo à razão ou a sentimento de assimilar semelhante dor, reajo expulsando-a e afugentando-a para lugares muito remotos e inacessíveis.
         Contudo, tenho um comportamento completamente distinto quando se trata de literatura, de ler obras que abordam a morte, inclusive a morte de um filho. Li há muitos anos Paula, de Isabel Allende e pretendo relê-lo em breve. Não hesitei quando tropecei em referências a esta obra de uma escritora colombiana que não conhecia, mas que, tal como a sua congénere chilena, havia experienciado essa dor sem nome, essa dor que nenhuma mãe ou pai quer experienciar.
         Em pouco mais de cem páginas, Piedad Bonnett deixa-nos entrar no que tem de mais íntimo e partilha com o leitor o suicídio do seu filho Daniel, que contava com apenas 28 anos, mas cuja vida e demónios internos o levaram a desistir de viver e a buscar a paz na morte. A obra relata-nos como, quando e onde foi o seu suicídio, permite que conheçamos um pouco a sua vida, como era Daniel e aquilo que lhe amargou a existência de tal forma que só a morte se lhe apresentou como solução para tudo. Mas, sendo escrita na primeira pessoa, sendo a narradora a própria Piedad, faz com que compreendamos que a escrita foi um dos refúgios da autora, a companhia e veículo ideais para expor a dor, o desconcerto, o estupor e as dúvidas, incertezas e perguntas que a assolaram após a perda abrupta de um filho amado.
         Sendo assim, a obra revela-se uma ode a Daniel e ao mesmo tempo um tributo a todos os tabus que rodeiam a morte, sobretudo aquela que alguém busca por iniciativa própria. Revela ainda a amálgama de sentimentos contraditórios que assolam um progenitor cujo filho se mata –compreensão seguida de aturdimento, de incompreensão, de procura de respostas, de aceitação seguida de recusa, de rejeição, de dor seguida de dormência, de transtorno seguido de serenidade.
         Não é uma obra que puxa pela lágrima fácil. Se fosse, eu teria chorado baba e ranho e nem uma lágrima verti. Mas é um texto muito dorido e ao mesmo tempo que tenta buscar respostas racionais, “objetivas” para algo que será sempre inenarrável, inexprimível. Um espelho de uma dor muito sua, muito desta mãe, mas que eu, como progenitora posso tentar (embora a repila de imediato se a associo à minha vida) imaginar.
         Fica agora ao vosso critério se a querem conhecer.

         NOTA – 08/10

         Sinopse

         ¿Hasta dónde puede llegar la literatura? En este libro dedicado a la vida y la muerte de su hijo Daniel, Piedad Bonnett alcanza con las palabras los lugares más extremos de la existencia.

Melhores leituras de 2016

Para saberem quais as leituras cujo sabor mais me agradou no ano que terminou há dias, cliquem aqui!
Obrigada por passarem por cá e que 2017 vos traga o melhor que a vida e as leituras nos podem oferecer!
Beijinhos e leituras com muito sabor 😋

A fada Oriana, de Sophia de Mello Breyner Andresen


Ficha técnica
Título – A fada Oriana
Autora – Sophia de Mello Breyner Andresen
Editora – Porto Editora
Páginas – 96
Datas de leitura – de 18 a 31 de dezembro de 2016


Opinião
Como trabalho de casa para férias, a professora de português do D. pediu-lhe que lesse uma das obras de leitura obrigatória que faz parte do programa de quinto ano.
Como é habitual, o filhote sondou de imediato a mãe para uma leitura em conjunto. Acedi de bom grado, não só porque ler na companhia do D. são momentos de cumplicidade, de ternura e de partilha de conhecimentos, como também me permitem acompanhar de perto esta etapa da vida escolar do meu pimpolho.
A leitura foi fluindo com um parágrafo lido à vez e com esclarecimentos de dúvidas de significado de palavras mais difíceis. Fomos percorrendo a floresta e a cidade seguindo os passos da fada Oriana e conhecendo as pessoas, os animais e as plantas que se iam cruzando com ela e em cujas vidas Oriana, com a sua varinha de condão, ia deixando um pouco de alívio, de companhia, de comida, de dinheiro e de conforto. O carinho pela pequenina fada foi consequentemente crescendo, o que levou a que o meu filhote se angustiasse perante os contratempos que a protagonista da obra teve que ultrapassar para amadurecer e reconhecer o papel de suma importância que uma fada tem nas vidas dos que habitam a sua floresta.
Não posso dizer que tenha ficado deslumbrada com a leitura, suspeito que o meu filhote também não. Mas consigo reconhecer que, linguisticamente, é um livro adequado à faixa etária de um aluno de quinto ano, pois a linguagem é bastante acessível, as frases e os parágrafos são curtos e abundam exemplos que se revelarão muito úteis para o estudo das características do texto narrativo e de alguns recursos estilísticos como a personificação. Contudo, continuo a insistir que, se o Ministério de Educação não alargar os seus horizontes e incluir no mapa das leituras obrigatórias obras mais atuais e que vão ao encontro de crianças que vivem em plena era tecnológica, não contribuirá para que essas mesmas crianças ganhem aquele gostinho tão saboroso pelo mundo dos livros e das leituras.
Resumindo, o trabalho para férias foi feito. A obra foi lida e saboreada. O D. já pode regressar ao mundo do futebol, do Rodrigo e do Rafael e aos seus Heróis do futebol!

NOTA – 08/10

Sinopse
Dizia Sophia que as fadas são seres da natureza. Queria com isto lembrar que elas nascem da nossa capacidade de atribuir vida, vontade e intenções ao mundo da natureza.
Em A Fada Oriana, encontramos o dom da proteção sobre os seres mais frágeis que vivem numa floresta, encontramos as tão humanas oscilações entre a solidariedade, o sentido da responsabilidade e o egoísmo e a vaidade. Encontramos, como é próprio de muitos contos tradicionais e para a infância, as peripécias de uma luta entre o bem e o mal.
Livro Recomendado pelo Plano Nacional de Leitura
5º Ano de Escolaridade

Leitura Orientada

Balanço mensal - livros lidos e recebidos em dezembro


Dezembro é sinónimo de balanços finais, de rescaldos e daquele gostinho de saber que garantidamente haverá debaixo do pinheirinho mais umas leituras que vão aconchegar a estante e no futuro a mesinha de cabeceira, a mochila escolar, o carro, as minhas mãos, o meu intelecto e as minhas emoções.
O dezembro de 2016 não foi diferente dos seus antecessores. Houve ajuntamento familiar nos dias festivos, pouco ou nenhum tempo de descanso e consequentemente pouco ou tempo nenhum para cuidar e apaparicar este menino, este cantinho. Resultado – tenho vários textos pendentes e prometo tentar pô-los em dia nestes primeiros dias de 2017.
Houve, contudo, tempo para ler. Li cinco obras adultas e duas infanto-juvenis. Um número mais gordo do que os dos últimos meses.
Arranquei o mês com uma leitura que me esmagou. Os dez livros de Santiago Boccanegra desafiou-me, desassossegou-me como muito poucas já o fizeram e volto a recomendá-la sobretudo a quem busca narrativas sofridas, prenhes de dor, amargura, e outros sentimentos similares.
Seguiu-se História de um cão chamado Leal e o regresso às encantadoras fábulas de Luis Sepúlveda. A sua curtinha história levou-me às lágrimas como qualquer uma que dedique o protagonismo a animais e fez com que, mais uma vez, sentisse o coração apertado de revolta e vergonha perante as ações humanas.
A terceira obra que li ditou outro regresso – ao mundo de Mia Couto. Todavia, não foi tão gostoso como foi o que levou aos livros de Luis Sepúlveda. O outro pé da sereia não penetrou, não despertou laços e não me deu aquilo de que estava à espera, não aquilo que havia encontrado em Jerusalém, o ano passado.
Acasos felizes veio comigo na última visita do ano à biblioteca municipal. Veio por impulso e bendigo a impulsividade que me fez agarrá-lo e trazê-lo para casa porque, não sendo uma obra escrita de forma brilhante e que se aproxime dessas de escritores reputados, é dona de uma narrativa envolvente, que fez com que olhasse de forma distinta para um simples par de sapatos e que juntasse, como se fosse uma delas, às três protagonistas e as seguisse para todo o lado.
Ao mesmo tempo que desfrutava da companhia de Dalya, de Pinny e de Ray (protagonistas de Acasos Felizes) ia lendo com o filhote A fada Oriana, cuja leitura fazia parte dos trabalhos escolares para férias. Cada um de nós lia em voz alta um parágrafo e assim íamos os dois (já que eu nunca havia lido esta obra de Sophia) conhecendo o mundo de Oriana e eu ia esclarecendo o significado de palavras difíceis. Foram uns dias de tempinho extra entre mãe e filho e valeram por isso, sobretudo para mim, que não aprecio muito este género de narrativas.
Entre leituras adultas e para que pudesse saber do que estava a falar enquanto escrevia a correspondente opinião, fui lendo o primeiro volume da coleção – Os heróis do futebol – que conquistou em absoluto o meu filho – Luta pela taça. Como os títulos da coleção e volume inicial indicam, estamos perante uma narrativa focada no desporto-rei, protagonizada por adolescentes, cujo mundo roda à volta dos mesmos eixos do do meu D. – loucura pelo futebol, uma pandilha de amigos muito unida, aventuras corriqueiras e outras menos e indícios de uma insípida atração pelo sexo feminino que não se confessa a ninguém.
A poucas horas de encerrar o ano, acabei de ler a coletânea de contos de Joanne Harris – Um gato, um chapéu e um pedaço de cordel. Foi uma estreia, já que nunca havia lido nenhum conto escrito por esta autora que tanto admiro. Não foi uma estreia com muito sabor, mas tão-pouco foi uma desilusão.

     Como referi no início deste balanço, dezembro é sinónimo de leituras debaixo do pinheirinho e este não foi exceção. Entre os livros que me foram oferecidos, os oferecidos ao maridinho e ao filhote resultaram nove leituras novas – seis adultas e três mais juvenis. Muito provavelmente lê-los-ei todos, exceto o do José Rodrigues dos Santos, que é de exclusivo agrado do maridinho. As adultas são todas de autores portugueses e prometem momentos muito agradáveis e instrutivos. Tenho especial curiosidade nos dedicados à minha “Inbicta”, pois são de não-ficção, género que não leio amiúde, e seguramente desvendarão pormenores desconhecidos de uma cidade que me diz muito.
Antes de terminar, informo que pretendo, ainda em relação a 2016, escrever a opinião completa de A fada Oriana e revelar quais foram as melhores leituras do ano para todos lá de casa e fazer um pequeno rescaldo das visualizações e opiniões mais lidas do ano que terminou há pouquinho tempo e revolucionou a vida deste cantinho!
Aproveito para desejar que o vosso 2017 se preencha de deliciosos momentos, de muita saúde e mais tempinho extra para submergirem-se em leituras que vos roubem o fôlego.
         Por fim, deixo-vos, como é habitual, o link que vos permite aceder à opinião completa das obras lidas este mês:
§  Os dez livros de Santiago Boccanegra, de Pedro Marta Santos
§  História de um cão chamado Leal, de Luis Sepúlveda
§  O outro pé da sereia, de Mia Couto
§  Acasos felizes, de Suzanne Nelson
§  Um gato, um chapéu e um pedaço de cordel, de Joanne Harris
§  A fada Oriana, de Sophia de Mello Breyner (já disponível)
§  Luta pela taça, de Gerard van Gemert

Um gato, um chapéu e um pedaço de cordel, de Joanne Harris


Ficha técnica
Título – Um gato, um chapéu e um pedaço de cordel
Autora – Joanne Harris
Editora – ASA Editores
Páginas – 336
Datas de leitura – de 27 a 31 de dezembro de 2016


Opinião
Sou fã assumida de Joanne Harris, mas até hoje não tinha saboreado o seu lado de contista. Lembro-me de há uns anos atrás ter agarrado entusiasmadíssima a sua mais recente obra – Danças e Contradanças havia sido lançada há dias – e tê-la pousado de imediato quando me dei conta de que era uma compilação de contos. Contudo, hoje em dia, após ter lido e me ter deliciado com obras deste género injustamente considerado menos interessante, não tenho qualquer pejo em admitir essa minha falha (que durante tanto tempo prejudicou os meus hábitos de leitura) e em apostar na compra de obras como esta que acabei de ler estava 2016 a dar os últimos suspiros.
Quem, como eu, é uma acérrima seguidora de Joanne Harris, sabe que as suas histórias estão povoadas de personagens pouco ortodoxas, enigmáticas, que vão abrindo frechas a um passado e muitas vezes a um presente tortuoso, mas que nos conquistam e nos absorvem de forma inequívoca. Recordo-me de Vianne, a protagonista da trilogia de Chocolate, de Framboise, de Cinco Quartos de Laranja, ou de Madeleine, de A Praia Roubada. São personagens pouco sociáveis, páridas, desconfiadas, habituadas a ser pouco amadas e olhadas com indiferença, medo ou despeito pelos outros. São personagens que facilmente consideraríamos como anti-heróis ou anti-heroínas. Mas são personagens que prefiro mil vezes a personagens boazinhas, gentis e amadas por todos e todas.
Em Um gato, um chapéu e um pedaço de cordel encontrei mais um punhado dessas personagens. Em cenários mais diversificados, que saltam do continente africano, passam pelo europeu e ainda viajam até ao americano. E em tempos que correm como os rápidos do conto inicial ou que se espreguiçam como um gato gordo a apanhar banhos de sol. Mas com o cunho pessoal de Joanne Harris, sem réstias de dúvidas.
Não encontrei o mesmo sabor em todos os contos, como é óbvio. Engoli, sem lhes encontrar o correspondente travo, os contos “O Jogo” ou “Dríade”; enterneci-me com “Bedford Falls não existe”, “Faça você mesmo” ou “Os espíritos de Natal presentes”; contorci-me de compaixão perante dores maternais em “Gostaria de voltar a estabelecer contacto?” e “Cookie”; apoiei e regozijei-me com a vivacidade e motivação de sentirem-se vivas de Faith e Hope, duas anciãs despejadas num lar de terceira idade e saboreei, como se de um chocolatinho se tratasse, a história de amor de “Fantasmas na Máquina”. Contudo, nenhum dos dezasseis contos me arrebatou. Não como o fizeram as obras que mencionei no início desta opinião e que já me levaram a reler duas delas.
Por tudo isto, por tudo o que referi, não posso dizer que me tenha arrependido de ter, em julho, adquirido esta obra. Também não posso dizer que tenha sido uma das melhores aquisições de 2016. Senti-me de novo embrenhada no mundo muito peculiar de Joanne Harris. Criei empatia com a maioria das personagens que habita esta compilação de contos. Mas queria mais. Não narrativas mais longas, mas sim narrativas, contos que me deixassem torcida, com vontade de morder-me de entusiasmo, com o meu íntimo quentinho e fervilhante de emoções contraditórias. Como fiquei com a história de Framboise, por exemplo. Pode ser que encontre tudo isso na última obra que a autora editou por cá e que ainda não habita a prateleira da estante onde já habitam onze dos seus livros. Pode ser que o ano que já está aí me reserve essa surpresa. Ou pelo menos que se inaugure com uma leitura mais preenchida do que esta…

NOTA – 07/10

Sinopse
"As histórias são como bonecas russas: abrem-se e em cada uma encontra-se uma nova.
As histórias neste livro são um pouco assim. Embora ao princípio não pareçam estar relacionadas, os leitores descobrirão que elas estão ligadas de várias maneiras, umas com as outras e também com os meus romances.
Para mim, as histórias são como mapas de mundos ainda por descobrir. Espero que estas vos levem a avançar um pouco mais por esse território inexplorado."
Joanne Harris

Crianças de vida difícil e coração vibrante, fantasmas domésticos, velhas senhoras em busca de aventura, uma paixão impossível sob os céus de Nova Iorque, a improvável magia de uma sanduíche, as extravagâncias a que a saudade obriga…
O universo romântico, místico e sempre especial de Joanne Harris está de volta em dezasseis histórias que são como bombons: deliciosas, tentadoras e irresistíveis.