Rescaldo natalício

Terça-feira, 29 de dezembro de 2015




Saber que tenho algo de bom para ler debaixo da árvore de Natal é uma das sensações mais aprazíveis desta época do ano. Não é necessário espreitar a pilha de prendas que vai engordando sob os ramos adornados do pinheirinho para saber de antemão que muitas das que têm o meu nome me confortarão com todo o género de prazeres que só uma suculenta leitura tem o condão de oferecer-me.
Este ano não foi exceção. Fui presenteada com nada mais nada menos do que quatro livros, quatro estupendas viagens pelo mundo de histórias que preencherão os meus dias de 2016 e que farão de mim alguém mais feliz. Somando a esses quatro, fui presenteada com uma quinta obra (oferecida a mim e ao N.) e o maridinho ainda recebeu mais três. Ou seja, no total, a estante cá de casa recebeu oito novos inquilinos que esperarão pacientemente que eu os tome, um a um, percorra as prateleiras em busca do seu espacinho correspondente, os aconchegue junto aos seus pares e acaricie a sua lombada, prometendo que, em breve, mergulharei nas suas páginas e na magia e no encantamento das viagens que me irão proporcionar.
É com aquele frémito que se apodera de mim sempre que tenho livros novos e com um brilho especial no olhar que volto a deixar aqui a fórmula matemática que tem reinado nestes últimos dias – “Natal + livros = felicidade completa” – e a lista dos oito livros que a justificam:

§  O tímido e as mulheres, de Pepetela
§  Flores, de Afonso Cruz
§  O remorso de Baltazar Serapião, de Valter Hugo Mãe
§  A morte do pai, de Karl Ove Knausgard
§  O paraíso segundo Lars D., de João Tordo (oferecido a mim e ao N.)
§  As Flores de Lótus, de José Rodrigues dos Santos (oferecido ao N.)
§  Os anagramas de Varsóvia, de Richard Zimmler (oferecido ao N.)
§  Constança, de Isabel Machado (oferecido ao N.)


Não podem deixar de concordar, pois não? É realmente um assombroso punhado de histórias que preenchem mais uns buraquinhos das minhas estantes e que despertam aquela desenfreada vontade de fechar as portas ao mundo e de devorá-las com aquela sofreguidão J

Una palabra tuya, de Elvira Lindo

Sábado, 26 de dezembro de 2015




Opinião
Una palabra tuya veio cá para casa por empréstimo. Emprestou-mo a minha querida Nancy. Quando mo entregou, alertou-me para o facto de que tinha detestado a personagem principal, que havia sentido vontade de pôr o livro de lado e que só não o fizera porque era a única obra que havia levado consigo de férias. Contudo, a persistência não só levara a leitura a bom termo como também a havia brindado com um desenlace surpreendente, que apaziguara a repulsa e aversão provocadas pela protagonista e que a haviam levado a aconselhar-me a conhecer esta obra.
Recordo que em setembro, a propósito da protagonista desta obra e do impacto estrondoso que me provocou Nada, de Carmen Laforet, entabulámos uma deliciosa conversa com uma colega sobre o quanto nos perturbam e bulem connosco personagens como Rosario (protagonista de Una palabra tuya) e como o facto de as mesmas serem detestáveis e ao mesmo tempo enfeitiçadoras ser uma prova contundente da mestria de quem as cria. Ora, não poderia estar mais de acordo com esse facto, porque Rosario é realmente alguém que logo desde a primeira página da obra nos provoca aquele trejeito de desagrado e até repulsa que fazemos quando estamos perante uma pessoa, real ou ficcionada, que nada possui de cativante ou agradável.
Não gosta da sua cara nem do seu nome. Não gosta do que vê ao espelho nem das recordações, sons e desilusões associados à verbalização do seu nome. Não gosta da sua vida, não gosta dos sonhos que não se concretizaram, não gosta de ter a seu cargo uma mãe a caminho da demência e de esta sempre ter-se mostrado desiludida com as escolhas e os atos da filha. Não gosta dos vários empregos que teve e muito menos daquele de onde provém atualmente o seu sustento. Não gosta dos companheiros de trabalho e não o esconde. Suporta com evidente fastio a companhia pegajosa de Milagros, uma colega de infância e a quem deve não estar desempregada, e as torpes tentativas de Morsa para ganhar um lugar na sua cama e mais tarde no seu coração e na sua vida. Apesar de nada possuir que a destaque dos demais, exibe constantemente uma superioridade e um distanciamento que a tornam o alvo perfeito da chacota e da intriga alheia, bem como do desprezo dos leitores. Não há dúvida que é uma personagem irritante e a quem me apeteceu “pregar um par de estalos” variadíssimas vezes ou simplesmente virar-lhe costas e deixá-la a despejar as suas grandiosas verdades estereotipadas…
Rosario é tudo isto. Mas é também uma mulher de quem não conseguimos deixar de ter pena e malgrado meu e de muitos outros leitores (não é, Nancinha?) vontade de estender a mão e oferecer algum consolo. Porque por debaixo daquela capa de superioridade, arrogância e presunção, esconde-se uma mulher sofrida, desiludida consigo e com a vida e que apenas quer aquilo que todos nós queremos – gostar de si e ser gostada pelos outros, começando pelos seus entes queridos. Esconde-se uma mulher que colocou a fasquia demasiada alto, mas cujo esforço sempre ficou aquém. Esconde-se uma mulher que inibe os outros com a sua frieza. Esconde-se uma mulher que se apercebe da importância que os demais têm na sua vida tarde demais. Esconde-se uma mulher que tentará remediar o que ainda tem remédio, porque só a morte não o tem.
Una palabra tuya oferece-nos assim uma obra crua, desoladora, com uma protagonista que nada tem de heroína, mas de humana, com as suas contradições, os seus defeitos e os seus sonhos. Está escrita num estilo muito direto, quase de confidência e consegue agarrar-nos com uma mistura de emoções e um desenlace que compensa o desagrado e enfados sentidos antes.

NOTA – 07/10

Sinopse

Rosario y Milagros son barrenderas y se conocen desde niñas. Tan vulnerable en apariencia como firme pese a sus contradicciones, Rosario relata los años transcurridos junto a esa fuerza de la naturaleza que es Milagros; años de tropiezos, ilusión, miedo y realidades que han dado forma al temor de no merecer ser felices. Una palabra tuya es el retrato de dos mujeres, de dos trayectorias vitales, una hacia la nada más cruel desde una vida triste y la otra hacia un futuro expectante desde una vida redimida; y en medio, la piedad y el perdón.

Feliz Natal!!!!!!!!





O sabor dos meus livros deseja-vos um delicioso Natal, recheadinho de alegria e de docinhas e saborosas leituras J

Beijinhos a todos e muito boas leituras!!!

El río del Edén, de José María Merino

Terça-feira, 21 de dezembro de 2015




Opinião
El río del Edén é o quarto e último livro que leio daqueles que regressaram na minha mala da escapadela que fiz em agosto a terras galegas. A sua sinopse e belíssima capa tinham-me piscado o olho já há algum tempo, mas só caí em tentação quando descobri na Fnac de A Coruña a correspondente edição de bolso, bem mais baratinha J
As suas quase trezentas páginas contam-nos uma história que bem poderia ser a de alguém que nos é muito próximo. Ao lê-la percorre-nos a sensação de estarmos sentados no nosso sofá, comodamente sentadinhos a ouvir os desabafos de alguém que viveu um grande amor, que o perdeu muito por culpa sua, que se sente perdido num dia-a-dia que se arrasta sem grandes ou significativos câmbios, que tenta abafar dentro de si as facetas mesquinhas, intolerantes, preconceituosas e assim perdoar-se e conseguir o perdão daqueles que ainda preenchem a sua vida e da mulher que tanto amou e a quem tanto sofrimento infligiu.
Daniel é um homem que já passou dos quarenta. Detentor de uma vida estável e de um bom emprego, recorda os anos de juventude, sobretudo aqueles em que conheceu Tere, se apaixonou perdidamente por ela e juntos partilharam uma viagem idílica a um recanto edénico perdido em terras banhadas por um ainda intocado rio Tejo. Nos onze dias que desfrutam juntos desse paraíso, os dois vivem como Adão e Eva – extasiam-se com o cenário natural que os rodeia, desfrutam dos seus encantos, dormem e comem quando bem lhes apetece, amam-se em qualquer pedacinho de terra ou submergidos nas águas límpidas do rio e sentem-se únicos, detentores do que verdadeiramente define o paraíso, do que define a derradeira e perfeita história de amor entre um homem e uma mulher.
Contudo, o sonho começa a esvair-se e a dissipar-se a partir do momento em que regressam à realidade. A rotina instala-se, a convivência, os dissabores, as frustrações, os sonhos e os planos de um que não são os mesmos do outro inexoravelmente fazem com que as águas do rio do Éden percorram outras paragens, conheçam obstáculos e exijam sobretudo de Daniel determinação, coragem e confiança. O idílio esboroa-se e o veneno da desconfiança e do egoísmo enraízam-se. Tudo se complica ainda mais quando Tere toma decisões sem consultar Daniel, decisões que este considera fundamental que sejam partilhadas, tomadas a dois. Da última nasce um filho, mas um filho que não é perfeito, que traz deficiências congénitas herdadas da parte da mãe. É o início do fim. Do fim de um amor edénico, idílico.
El río del Edén ofereceu-me o primeiro contacto com a escrita de José María Merino. Foi um primeiro contacto bastante agradável, já que o seu estilo caracteriza-se pela serenidade, por uma escrita linear, simples, sem grandes arrebatamentos, com uma curiosa e prazenteira mistura da realidade com a fábula, o lado encantatório, dos espaços naturais e da associação que os mesmos podem ter com a complexidade que compõe o ser humano.
Contudo, não posso dizer que me tenha apaixonado, que me tenha extasiado com a leitura desta obra, porque achei-a interessante, mas demasiado plana, sem aqueles píncaros de emoção ou de ação que nos desarmam. Considero que lhe falta sal, condimentos para que nos deixem com água na boca e com uma vontade louca de repetir, de alcançar a almejada saciedade J
Sendo assim, a escapadela a A Coruña possibilitou-me duas leituras fenomenais – La borra del café, de Mario Benedetti e Palmeras en la nieve, de Luz Gabás – e outras duas agradáveis, interessantes, mas algo insossas – Años lentos, de Fernando Aramburu e este…

NOTA – 08/10

Sinopse

Una historia conmovedora de un padre y su hijo adolescente que te robará el corazón. "Dicen que un ser humano tarda poco más de ocho segundos en enamorarse, y mientras mirabas y escuchabas a aquella chica, sentiste hacia ella ese invencible afán de proximidad con que el amor se reviste cuando surge. "En compañía de su hijo Silvio, Daniel recorre los parajes del Alto Tajo, lugar legendario en el que piensa esparcir las cenizas de su esposa. Son los mismos lugares en que el hombre y la mujer, en su primera juventud, compartieron una fuerte pasión amorosa. Al hilo de la caminata, el hombre recuerda su emocionante historia de amor, traición y arrepentimiento. Narrada desde una "segunda persona "que compone a la vez un flujo de conciencia y una narración objetiva, esta nueva novela de José María Merino vuelve a confrontar los ámbitos ajenos e indiferentes de la naturaleza -los espacios naturales- con ese desasosiego sentimental y moral que está en la sustancia misma del ser humano. El río del Edén conforma un drama amoroso y familiar muy propio de los tiempos que vivimos, y que sin embargo mantiene vigentes aspectos de la realidad que han sido permanentes estímulos para la ficción literaria.

Palmeiras na neve, de Luz Gabás

Terça-feira, 15 de dezembro de 2015




Opinião
Ainda não recuperei do abanão que se instalou dentro de mim desde que há três dias encerrei a leitura de Palmeiras na neve. Ainda não tive coragem para entregá-la ao seu lugar na estante. E, pior do que isso, ainda não me entreguei à leitura do livro que desde domingo me faz companhia. Não pelo menos como sempre me entrego…
É esse o poder de uma obra que me abalroa. Que se entranha em mim como uma explosiva história de amor. Ou que se me mete no corpo como África se mete nas entranhas e na alma de quem algum dia pousou os pés nas suas terras e de lá mais não quis regressar.
Sabia, com aquele saber cá de dentro, que a obra de Luz Gabás me iria conquistar. Sabia-o muito por culpa da opinião de um bloguista espanhol que sigo com alguma devoção (e que nunca me defrauda) e dos vídeos que vão proliferando no youtube da adaptação da obra que foi feita para a grande tela e que estreará em Espanha no dia de Natal. Por tudo isto, tive que comprar a edição original da obra na última vez que estive em terras espanholas e, surpresa das surpresas, tive que comprar a tradução da mesma na Feira do Livro do Porto, onde a encontrei a preço de saldos e não hesitei a trazê-la para casa, com a desculpa perfeita de que, assim, o maridinho também poderia disfrutar de “Uma história comovente que recorda o nosso passado colonial e as lendárias plantações de África”.
Como o final de um período escolar é uma época caótica e carregada de trabalho e ainda mais responsabilidade, decidi ler a versão em português porque assim o meu cérebro não teria que esforçar-se tanto e leria mais depressa. Contudo, mais ou menos a meio da obra, vi-me obrigada a pôr de lado a obra em português e recorrer à sua versão original principalmente porque a tradução contém várias gralhas e algumas graves, que denotam falta de brio e de atenção. Apesar deste percalço linguístico, admito que nada conseguiria estragar o prazer e a sofreguidão com que absorvi, traguei as mais de 500 (700 na versão original) páginas da obra de estreia de Luz Gabás. Só mesmo um cataclismo pessoal ou familiar me impediria de me entregar totalmente e sem reservas a uma história que possui tudo, mas tudo para não me abandonar jamais.
Não há nada de extraordinário ou de original na narrativa criada por Luz Gabás. A autora socorre-se de uma herança histórica partilhada por muitos espanhóis que, tal como os seus familiares, trocaram as encostas geladas, inóspitas e cinzentas de aldeias pirenaicas e desafiaram-se a percorrer o oceano e a tentar a sua sorte nas plantações de cacau da então Fernando Poo, ilha e província da colonial Guiné Equatorial. A esta bagagem histórica acrescenta-lhe uma narrativa habilmente construída, que salta do passado ao presente e onde habitam personagens cativantes, redondas, complexas e ao mesmo tempo verdadeiras, verosímeis. Que me acompanharão. Que continuarão a aquecer-me e a confortar-me.
A narrativa arranca com um prólogo que, Dios mío, nos deixa com a pele toda arrepiada e não querer mais pousar a obra. Em frases curtas, prenhas de dor, perda, paixão arrebatadora e muitos outros sentimentos intensos, oferece-nos a oportunidade de presenciarmos um dos momentos clímax de uma história de amor como poucas. Uma história de amor protagonizada por um homem e uma mulher provenientes de dois mundos antitéticos, de um mundo povoado de palmeiras, de ferozes verdes, de espíritos, de um calor pegajoso e de uma atmosfera eletrizante e, por outro, de um mundo monocromático, de gelo e neve, de recato e de tradições também elas enraizadas. Uma história de amor que desesperadamente luta para unir estes dois mundos e poder ser uma realidade. Uma história de amor que salta da ficção e que nos recorda outras que fomos lendo por aí e encontrando em inúmeras famílias provenientes de países colonizadores de África como Portugal ou Espanha. Uma história de amor que prova que “a veces, solo a veces, las palmeras nacen en la nieve”.
Quem me conhece já me ouviu dizer variadíssimas vezes que nunca irei pôr os pés em nenhum país africano porque tenho fobia a determinados animais rastejantes que povoam as paragens africanas. Povoam também determinadas passagens da obra. Contudo, mesmo tendo lido essas partes com muita dificuldade e com a respiração aceleradíssima, dei comigo a sonhar (não em forma de pesadelo J) com as paisagens de Fernando Poo, com os sons, os cheiros e toda a mística que carrega a herança africana. Dei comigo a “invejar” a sorte de quem já teve o privilégio de conhecer África e de viver com ela, de a amar e nostalgicamente senti-la como sua.
Por tudo isto e porque também me fez saber mais sobre o passado colonial de Espanha (tão semelhante ao nosso…), sobre o que movia os colonos a querer manter-se em terras africanas e o que movia os autóctones a querer a sua independência, tenho que recomendar esta obra e recomendá-la vivamente. Ofereceu-me uma leitura marcante, muito marcante e intensa, que se manterá comigo e que me faz desejar muito, mas muito, ver a adaptação cinematográfica que estreará brevemente em Espanha e quem sabe em Portugal.
         Deixo-vos o vídeo da canção de Pablo Alborán composta especialmente para a banda sonora do referido filme e que vos dá mais uma razão (e que razão saborosa) para deliciarem-se com esta história de palmeiras que podem nascer na neve.


         NOTA – 10/10

         Sinopse
         Estamos no ano de 1953 e Kilian abandona a neve da montanha para iniciar com o seu irmão Jacobo, uma viagem apenas de ida para uma terra desconhecida, longínqua e exótica. Nas entranhas deste exuberante e sedutor território, espera-os o seu Pai, um veterano que trabalha na fazenda de Sampaka, o lugar onde se cultiva e tosta um dos melhores cacaus do mundo.

Nessa terra eternamente verde, cálida e voluptuosa, os jovens irmãos descobrem os encantos de uma vida social na colónia em contraste à vida monótona e cinzenta que se vivia na Espanha dos anos cinquenta. Trabalham o cacau com afinco e esforço para conseguir as melhores colheitas, conhecem o significado da amizade, da paixão, do amor, do ódio. Mas um deles irá cruzar uma linha proibida e invisível ao apaixonar-se perdidamente por uma nativa. Esse amor pulsante e urgente, marcado pelas circunstâncias históricas, irá mudar para sempre o rumo das suas vidas e será a origem de um segredo que marcará as suas vidas até ao tempo presente.

Años lentos, de Fernando Aramburu

Sábado, 05 de dezembro de 2015





Opinião
Años lentos é a segunda obra que leio de Fernando Aramburu e quero que não seja a última. Embora tenha que afirmar, desde já, que não me conquistou como me havia conquistado Os peixes de amargura, este romance, que adquiri na última vez que estive em terras espanholas, ganhou o “Premio Tusquets Editores de novela” e possui ingredientes certeiros para que o olhe com carinho, admire a sua bela capa, sonhe mais uma vez com uma muito desejada viagem até terras bascas e lhe dê crédito mais do que suficiente para continuar a querer ler mais Fernando Aramburu.
Construído com originalidade, Años lentos chega-nos com um formato pouco habitual, já que não se assemelha a um romance já terminado, ao produto final, mas sim ao trabalho prévio que o autor levou a cabo, ou seja, por um lado somos, tal como o próprio Aramburu, ouvintes das memórias que a personagem principal confidencia ao autor e por outro este presenteia-nos com os seus “apuntes”, com o rascunho do que terá em conta para a criação da futura obra. Sendo assim, não só temos o privilégio de ler mais uma história saída das mãos e engenho deste consagrado autor, como temos a oportunidade rara de adentrar-nos no seu universo linguístico, estilístico e compreendermos as dúvidas, incertezas, investigações e questionamentos de como, em última análise, criar uma obra verosímil, adequada à faixa etária a que se destina e digna de ser publicada e de honrar não só o seu autor como os seus leitores.
O propósito deste livro reside nas memórias que Txiki (cujo verdadeiro nome ignoramos) vai desfiando da sua infância passada em casa de uns tios que viviam num bairro de San Sebastián. Com apenas oito anos, deixa a sua terra natal em Navarra e é acolhido pela irmã da sua mãe, porque a sua progenitora não tem condições de criar os seus três filhos. Nos anos em que vive com a sua tia Maripuy, o seu tio Vicentico, a sua prima Mari Nieves e o seu primo Julen, Txiki é testemunha da rotina de uma família remediada, simples e de um bairro também ele composto por outras famílias remediadas, simples, que levam a vida como podem num país governado por um ditador já caquético, mas cuja mão implacável e torturadora ainda consegue impor-se e abafar sonhos, ideais ou apenas o desejo de uma vida melhor, livre. É uma época que passa devagar, de anos lentos, nos quais “los minutos de la dictadura duraban un minuto y medio o dos”, mas que não parece afetar grandemente a rotina feita de ninharias, coscuvilhices, ódios, desprezos, preconceitos, religiosidade beata, violência verbal e física da família de Txiki. Não há demonstração de afetos, os diálogos são parcos e a miúde povoados de ofensas, reclamações, ameaças ou mexericos sobre gente do bairro, inclusive o padre da paróquia.
Temos consciência de que a ação se desenrola na década de sessenta, que a ditadura franquista ainda impera, que a repressão abafa qualquer vestígio revolucionário, mas nesta obra apenas nos damos conta disso com as óbvias referências temporais, com a descrição de uma visita com o obrigatório desfile da autoridade de Franco e com um grupo de jovens rudes e pouco letrados que acompanha o padre da paróquia nas suas deambulações pelas montanhas que rodeiam San Sebastián, pelo afinco do mesmo em ensinar-lhes o “euskera”, pela devoção que vão mostrando pela “Ikurriña”, a bandeira do país basco, e pelo ódio que vão alimentando às forças nacionalistas e opressoras. Excetuando estes “pequenos pormenores”, poderíamos afirmar que a obra é somente o retrato de um bairro qualquer, onde o orgulho basco na sua língua quase não transparece, onde os habitantes de um bairro remediado, operário, se comportam como os habitantes de qualquer bairro com características semelhantes e onde impera a pouca privacidade, o mexerico feroz, as amizades que se transformam num ápice em inimizades, o preconceito e uma vida que se arrasta sem lampejos de mudança.
Talvez a ironia e a mensagem da obra esteja aí. Talvez a simplicidade, a banalidade, a rotina sem grandes percalços ilustrem os anos que precederam à caída da ditadura e espelhem a lentidão com que o tempo passava, a adaptação de uma sociedade a uma existência amarga e o conformar-se com isso. Talvez o autor tenha querido mostrar também o quanto o desejo e a ânsia de uma independência basca nasceram com pequenos atos e que esses atos estiveram por detrás da emergência de uma luta armada e do nascimento da ETA.
Años lentos pode assim ser um retrato fiel de um dos estratos mais baixos da sociedade basca. Aí senti que o autor consegue cativar-nos e ser verosímil. Já que no que diz respeito ao que esteve por detrás do nascimento da ETA, o autor dá-nos uma imagem muito superficial, com muitos fios soltos e, na minha opinião, demasiado simplista e pouco credível.
Resumindo, gostei da obra. Gostei da sua originalidade, de estar em contacto direto com o autor e com um exemplo de como faz “o trabalho de casa” para criar mais uma obra e da sua ironia e agudeza no retratar de uma gente que é a sua gente. Não gostei da simplicidade e alguma ligeireza com que abordou algo tão complexo como foi o nascimento da ETA e da luta armada e fratricida que abalou Espanha nos finais do século XX.

NOTA – 08/10

Sinopse

A finales de la década de los sesenta, el protagonista, un niño de ocho años, se va a San Sebastián a vivir con sus tíos. Allí es testigo de cómo transcurren los días en la familia y el barrio: su tío Vicente, de carácter débil, reparte su vida entre la fábrica y la taberna, y es su tía Maripuy, mujer de fuerte personalidad pero sometida a las convenciones sociales y religiosas de la época, quien en realidad gobierna la familia; su prima Mari Nieves vive obsesionada por los chicos, y el hosco y taciturno primo Julen es adoctrinado por el cura de la parroquia para acabar enrolado en una incipiente ETA. El destino de todos ellos – que es el de tantos personajes secundarios de la Historia, arrinconados entre la necesidad y la ignorancia– sufrirá, años después, un quiebro. Alternando las memorias del protagonista con los apuntes del escritor, Años lentos ofrece además una brillante reflexión sobre cómo la vida se destila en una novela, cómo se trasvasa el recuerdo sentimental en memoria colectiva, mientras su escritura diáfana deja ver un fondo turbio de culpa en la historia reciente del País Vasco.

Balanço mensal - livros lidos e adquiridos em novembro

Dezembro, 03 de dezembro de 2015





O fim do ano está a aproximar-se e com ele traz o habitual trabalho dobrado… Mas, mesmo assim, lá consegui arranjar tempo para ler cinco livros este mês. Para boas leituras sempre se reservam uns minutinhos ao final da noite, porque é uma das melhores maneiras de pôr para trás das costas o bulício de um dia normal e escapar dessa realidade que continuará aí no dia seguinte.
Em novembro deliciei-me com quatro leituras e voltei às releituras. Todas, sem exceção, deixaram um sabor especial na minha vida e, como tal, não posso deixar de recomendá-las. Abri o mês regressando aos palcos da Segunda Grande Guerra. Fi-lo através de uma obra que realmente merece todos os prémios que já alcançou. De seguida, para poder abstrair-me desses cenários mais dolorosos, percorri a estante em busca de sensações mais leves e reli uma das obras que possuo da autora Sue Monk Kidd. E que bem que me soube J! Stoner, de Jonh Williams foi a leitura que me fez companhia a meados do mês e só posso agradecer mais uma vez à minha querida Nancy por me ter dado a oportunidade de resgatar esta obra do esquecimento a que esteve dotada durante tempo demais. Em poucos dias “papei” a última obra de Inês Pedrosa, que me proporcionou bons momentos e fragmentos com os quais qualquer português se pode identificar. O mês terminou da melhor forma possível, com o regresso ao mundo do meu amado Mario Benedetti e à sua literatura que tem o condão de me preencher como muito poucas. Dei nota máxima a La borra del café porque basicamente tem tudo o que me deixa desarmada e rendida a um livro.
Deixo-vos, como costume, o link para acederem às opiniões das referidas leituras:
§  Toda a luz que não podemos ver, de Anthony Doerr
§  A ilha das garças, de Sue Monk Kidd
§  Stoner, de John Williams
§  Desamparo, de Inês Pedrosa
§  La borra del café, de Mario Benedetti

Depois de uma desintoxicação e de um desmame doloroso que fui obrigada a submeter-me no mês de outubro, nada me dá mais prazer que afirmar que pequei de novo durante este mês e que na minha estante já moram mais três obras que para lá saltaram da minha wishlist J. São elas Vamos aquecer o sol, de José Mauro Vasconcelos e de Elena Ferrante, História de quem vai e de quem fica e Crónicas do mal de amor. A primeira, do autor brasileiro, traz-nos a continuação da ternurenta e belíssima história de Zezé (de O meu pé de laranja lima), “o menino com um coração do tamanho do mundo, e que, por isso, sofre demais”. As outras duas são da aclamadíssima e misteriosa autora italiana que me conquistou com o primeiro volume da tetralogia, A amiga genial. História de quem vai e de quem fica é a terceira parte dessa tetralogia e Crónicas de mal de amor reúne as três obras que haviam sido publicadas em Portugal e que infelizmente passaram um pouco despercebidas. Espero poder resgatá-las e prestar-lhes a devida homenagem, sobretudo porque sei, pelo que já li e me disseram, que prometem avassalar as minhas emoções.

Entretanto, dezembro já está aí, faltam poucos dias para a festividade que mais me encanta, para estar rodeada de família, amor, alegria, comida e, imagino eu, de prendinhas retangulares, compostas de uma capa, muitas páginas, um número infinito de palavras e “viagens” ao mundo de outros lugares, outras épocas e muitas, muitas personagens que me conquistarão e me farão uma mulher mais feliz! Mal posso esperar…