Em teu ventre, de José Luís Peixoto


Ficha técnica
Título – Em teu ventre
Autor – José Luís Peixoto
Editora – Quetzal
Páginas – 165
Datas de leitura – de 30 de maio a 03 de junho de 2016

Opinião
Reconciliei-me com José Luís Peixoto. Andava de candeias às avessas com o autor desde que li Nenhum olhar em 2011 e me afoguei numa tristeza contagiosa que me puxou para mundos dos quais prefiro estar distante. Cinco anos depois José Luís Peixoto voltou a entrar cá em casa sobretudo por insistência do maridinho que estava curioso por ler a sua última publicação – a novela Em teu ventre.
Não sou crente. Não acredito em nada do que está relacionado com os milagres de Fátima. Mas não fico indiferente à devoção daqueles que sim, acreditam. Nem consigo evitar o arrepio e a sensação de apaziguamento que se instalam em mim nas poucas vezes que ponho os pés numa igreja ou no santuário de Fátima. Sendo assim, entrei na leitura de Em teu ventre dividida, com a credulidade que me caracteriza e um punhado de curiosidade em comprovar como abordaria o autor um tema tão controverso e sensível.
Contudo, e tal como o título deixa entrever, esta novela não é apenas sobre o milagre de Fátima. Penetra no ventre feminino e traz-nos as vozes das mães – da mãe de Lúcia, uma mulher do povo, simples, religiosa mas que questiona veementemente as visões da filha e ao mesmo tempo a tenta proteger da horda de gente que lhe invade o pátio, a casa e a vida para que a sua filha milagreira lhes traga luz, saúde e paz nos dias vindouros; de uma mãe anónima que se dirige a seu filho e lhe aponta a sua desilusão, lhe questiona os atos, a desatenção e o consequente sofrimento que a sua falta de carinho, de uma palavra lhe provocam; de um Deus que só posso apelidar de feminino e que, como voz divina, de entidade suprema, relembra que nos deu vida, que “Tudo começa e tudo termina pela esperança, que quando uma mãe chora, o mundo inteiro chora com ela e que até em tudo o que fez pôs um pouco da sua progenitora.
A nível gráfico é fácil distinguirmos as três vertentes que compõem Em teu ventre. Em registo quase poético, como se versos fossem, encontramos a voz dessa entidade suprema. Entre parênteses, como se apenas fosse uma informação adicional, pouco importante, deparámo-nos com as palavras da mãe sofrida, desiludida, questionadora e que as dirige a um filho desconhecido. Finalmente, em texto corrido vamos acompanhando o dia-a-dia de Lúcia e dos outros pastorinhos, desde as aparições de maio até às de outubro.
Todas estas vertentes da novela entranham-se-nos porque o estilo do autor assim o “exige”. A linguagem absolutamente lírica, intensa, encantatória e arrepiante que transvasa da escrita de Peixoto é magistral e foi o que permitiu a minha reconciliação com o autor. Por outro lado, como mãe ser-me-ia impossível não identificar-me com passagens muito maternais, umbilicais. Por fim, a personagem de Lúcia, que não é mais do que uma criança (como é bem vincado ao longo da obra) está tão bem construída como tal, que todos comungamos com o peso que as aparições trouxeram à sua vida, todos sentimos a necessidade de a amparar, de a proteger e ainda de a perdoar quando ela mais não faz do que agir como uma menina de dez anos esmagada por uma responsabilidade com o tamanho e o peso de milhares de fervorosos devotos da religião católica.
         Concluindo, é com um sorriso nos lábios e o prazer especial da reconciliação ainda presente que recomendo esta obra de Peixoto a todos aqueles que se derretem e buscam incessantemente submergir-se na magia das palavras.

         NOTA – 08/10

         Sinopse
         A partir de um ponto de vista inteiramente novo, Em Teu Ventre apresenta o retrato de um dos episódios mais marcantes do século XX português: as aparições de Nossa Senhora a três crianças, entre Maio e Outubro de 1917.
Através de uma narrativa que cruza a rigorosa dimensão histórica com a riqueza de personagens surpreendentes, esta é também uma reflexão acerca de Portugal e de alguns dos seus traços mais subtis e profundos. A partir das mães presentes nesta história, a questão da maternidade é apresentada em múltiplas dimensões, nomeadamente na constatação da importância única que estas ocupam na vida dos filhos.

O sereno prodígio destas páginas, atravessado por inúmeros instantes de assombro e de milagre, confere a Em Teu Ventre um lugar que permanecerá na memória dos leitores por muito tempo.

4 comentários:

  1. Fico feliz com esta reconciliação. Há muito para descobrir nos livros do José Luís Peixoto!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois, somos duas - qualquer reconciliação alivia, alegra e sossega. Espero continuar a descobrir mais deste autor, apesar de não ser uma novata no seu mundo - já li "Cemitério de pianos", "Nenhum olhar" "Uma casa na escuridão", "Morreste-me" e "Livro".
      Beijinhos e boas leituras!

      Eliminar
  2. Sugiro Galveias e Abraço! Boas leituras!

    ResponderEliminar