Los aires difíciles, de Almudena Grandes


Ficha técnica
Título – Los aires difíciles
Autora – Almudena Grandes
Editora – Tusquets
Coleção – Maxi Tusquets
Páginas – 793
Datas de leitura – de 11 a 24 de setembro de 2016

RELEITURA

Opinião
Regressar ao mundo de Almudena Grandes é como regressar a casa, ao nosso refúgio de cantinhos conhecidos, que nos acolhe de sorriso nos lábios e braços estendidos. Sempre que retiro da estante uma obra desta autora, que considero muito minha, sei com aquele saber que não engana que embarcarei numa viagem algo demorada (o número de páginas da maioria dos seus romances não engana…), mas que ficará comigo, não importa as vezes que decida fazê-la ou refazê-la.
Li pela primeira vez Los aires difíciles em 2008. Demorei praticamente dois meses a chegar à sua última página. Oito anos depois e acelerando pela “estrada do espanhol” a uma velocidade consideravelmente superior, encerrei a sua leitura duas semanas depois de a ter iniciado. É óbvio que o ritmo mais rápido se deve ao já referido maior domínio da língua espanhola e sobretudo ao facto de ter mergulhado na narrativa como se me estivesse a estrear nela.
Recordava que a história dividia as suas quase 800 páginas pelo presente e passado de dois protagonistas, um homem e uma mulher que as agruras da vida “obrigaram” a deixar toda uma existência citadina, madrilena e buscar refúgio numa pequena localidade do sul de Espanha, onde imperam as vontades dos ventos de levante, de ponente ou suão. Recordava ainda pequenos farrapos das suas histórias, da bagagem pesadíssima que não havia ficado perdida mesmo após terem posto centenas de quilómetros entre o ponto de partida e o ponto de chegada. O resto, ou seja praticamente tudo, foi uma jornada de primeiros encontros, de primeiras descobertas (com algumas sensações de “déjà vu”, como é óbvio) e de prazeres sensoriais arrebatadores, como só a minha Almudena tão magnificamente bem sabe levar os seus leitores a saborear.
Juan Olmedo é um homem de quarenta anos que, perante uma tragédia familiar, reúne os cacos que sobreviveram e larga sem olhar para trás uma vida que já nada lhe pode oferecer. Parte na companhia do seu irmão Alfonso, que nasceu com uma deficiência mental, e na companhia da sua sobrinha Tamara, que, com dez anos, é órfã de pai e mãe. Tenta desesperadamente fechar a porta à dor, a sentimentos de culpa, de nojo e compaixão por si próprio e recomeçar num lugar longínquo, que o havia acolhido anos antes de braços abertos, quando mais precisava de estar só e questionar o que verdadeiramente deveria mover a sua vida.
Na mesma urbanização de vivendas para veraneantes, uns metros ao lado instalou-se Sara Gómez, uma madrilena de cinquenta e três anos e que aí pretende saborear o resto dos seus dias. Mulher reservada, elegante, grita indícios de que também ela encontrou naquela localidade junto de Cádiz um abrigo só seu, que prefere fechar as portas a um passado de solidão, de não pertença a ninguém e a nenhum lado e abri-las a um presente sem contratempos, sereno como pode sê-lo o mar que lambe a praia vizinha.
A estes dois protagonistas junta-se um punhado de outras personagens não menos cativantes. Para além dos já mencionados Alfonso e Tamara, os Olmedo e Sara acolherão na sua nova vida Maribel e o seu filho Andrés, também eles portadores de fardos não menos pesados. Da sua vida anterior, daquela que tanto querem deixar do lado de fora, conheceremos os pais de Sara, a sua madrinha, o homem que mais amou e Damián Olmedo, Nicanor e Charo, a mulher de coxas da cor de leite-creme tostado e que trouxe o melhor e sobretudo o pior, o mais baixo, o mais vil e o mais doentio aos dias do passado de Juan.
A todas estas personagens e a outras mais secundárias, Almudena Grandes acrescenta uma narrativa que, como habitualmente, salta muito amiúde do presente para o passado, do presente de Sara para o passado de Juan e vice-versa, e adiciona o ingrediente vital, essencial para que quem descobre o mundo literário desta autora de lá mais não queira sair – um conhecimento imenso, completo daquilo que faz do ser humano um ser complexo, contraditório, imperfeito, emaranhado nas suas emoções e atitudes, mas tão, tão fascinante e belo.
É por tudo isto que se torna fácil e nada enfadonho embarcar numa leitura de mais de 700 páginas, que pesa mais de meio quilo e que é complicado transportar na carteira. Mal a narrativa arrancou só a muito custo lhe pus travão, só quando as malfadadas obrigações me obrigaram é que o fiz e dei por mim nos “ratitos libres” a papar mais de cem páginas de uma vez só. Porque o que escreve esta mulher que tanto venero me prende de tal forma ao sofá, à cadeira, à cama que parece que o mundo exterior se esfuma e só existimos eu, o livro e uma narrativa magistralmente bem construída, articulada e que me penetra e se aloja em mim como mais parte minha, do meu corpo, da minha alma, da minha vida.
Para rematar, refiro que Los aires difíciles está traduzida para português. Foi infelizmente a última obra de Almudena a ser publicada no nosso país e pela editora Dom Quixote. Por isso, para quem quiser perceber o porquê da minha veneração pela autora, pode fazê-lo sem precisar de dominar a língua espanhola. Façam-no porque não se arrependerão!

NOTA – 10/10

Sinopse (em português)
Um poderoso retrato de sentimentos e dos seus valores no nosso tempo.
Juan Olmedo e Sara Gómez são dois estranhos que se instalam, em princípios de Agosto, numa urbanização da costa de Cádis, dispostos a reiniciar as suas vidas. Desde logo sabemos que ambos têm um passado bem diferente em Madrid. Sem o desenterrarem, «destinados a conviver como os únicos sobreviventes de um naufrágio», trocam confidências e amizade graças a uma inesperada cumplicidade proporcionada pela partilha de uma empregada, Maribel, e pelo cuidar das crianças. Sara, que viveu a infância com a sua madrinha no bairro madrileno de Salamanca, sofre o estigma de ter tido tudo e de tudo ter perdido. 

Juan, por seu lado, foge de outras injustiças: uma tragédia familiar e um amor secreto e torturante que quase arruinou a sua vida. Como os ventos de poente e de levante, as suas existências parecem agitar-se ao sabor de um destino inóspito, embora eles tenham a vontade férrea de o pôr a seu favor.

8 comentários:

  1. Olá!
    Já percebi que gostas muito e ler em espanhol. Fazes muito bem, se o dominas bem. É excelente lermos nutra língua que não a nossa.
    Em relação ao livro acho que não o conhecia. Mas vou procurar a edição portuguesa, pois o meu espanhol é péssimo :)
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Isa, adoro ler em espanhol, mas muitas vezes faço-o porque muita coisa boa publicada "aqui ao lado" não é publicada por cá...
      Esta autora é uma das minhas favoritas e deixou de ser traduzida, o que é uma lástima, porque as suas obras são maravilhosamente fantásticas! Se puderes, lê a versão portuguesa de "Los aires difíciles". Acho que vais gostar, apesar de ser um calhamaço ;)
      Beijinhos e leituras com muito sabor!

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  2. Como eu gosto da AG!!!!! Este texto fez-me ter tanta vontade de regressar a ela! Muito bom, Ana!beijinhos

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    1. Sofia, como eu te entendo!!! A "nossa" AG tem esse efeito em nós e vejo-me sempre tentada a regressar! Aliás, devo fazê-lo em breve (de novo)!
      Beijinhos e leituras com muito sabor!

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  3. Quando comecei a ler o teu blogue, reparei que a Almudena era a tua escritora mais lida, por isso, fui investigar, e li um comentário em que lhe chamavam a Maggie O'Farrell espanhola. Ora, se a Maggie O'Farrell é a minha escritora mais lida... Então, comprei os Ares Difíceis pela Internet, mas - erro que nunca mais cometi - não reparei no nº de páginas. Estou mesmo desejosa de lhe pegar, mas tendo tão pouco tempo para ler, só penso que vou chegar ao meio já sem me lembrar do início...
    Paula

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    1. Paula, quase todas as obras de Almudena são verdadeiros "calhamaços", mas, como já percebeste, para mim o número de páginas não ofusca (em nada) as maravilhosas histórias que saem da cabecinha genial desta autora fantástica!
      Não sei se comparar Almudena com Maggie O'Farrell é muito certo... Adoro as duas (já li 3 ou 4 obras da autora inglesa) e as duas conhecem a "alma humana" como poucos, mas a Almudena estende-se muito mais, adora andar para trás e para a frente no tempo e tende a ocupar um considerável maior número de páginas!
      Ela tem obras mais curtinhas, de contos inclusive, mas não estão traduzidos para português...
      Quando pegares n'Os ares difíceis, diz-me, nem que seja para dar-te alento para continuares ;)
      Beijinhos.

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  4. Eu digo, depois de ler 1/4 do livro: é um dos livros mais extraordinários que li até hoje: pela história, mas sobretudo pela poesia que AG tem escrita. Depois de demorar 6 meses a ler Guerra e Paz, com as suas múltiplas e complexas personagens - complexas até já maneira de as nomear (chegam a ter 4 ou 5 nomes diferentes, o que me levou a ter que preencher 6 págs A5 com os nomes e as páginas do livro em que foram aparecendo, para não me perder, a este livro vai acontecer algo parecido: voltar à PG 1 e reler, aventar a cronologia dias personagens. Não é um livro para se ler a correr, mas para se ler a saborear a escrita. Já sei que vou demorar mais de dois meses para o acabar, mas isso é comum embarcar numa viagem paradisíaca, quermesse s que não acabe depressa.
    Parabéns, AG, já cá tenho tb o último dos Pacientes do Dr Garcia, para ler no Outono!!!!
    Leio em português, o meu espanhol não dá para mais, infelimente, e espero que apareçam mais traduções para português, desta experiência extraordinaria escritora. Falei do Lev Tolstoi, pois considero, a nível das relações humanas e da análise que ele fez tb às tragédias humanas, que a AG tem algo de tolstoiano...

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    1. Fiquei sem palavras com o seu comentário, porque espelha aquilo que eu sinto pelas obras de AG, por esta autora genial.
      Obrigada pela ligação com Tolstoi - ainda não li Guerra e Paz, mas hei de fazê-lo.
      Desculpe não ter respondido mais cedo, mas passo muito pouco tempo aqui agora. Estou mais assídua no YouTube.
      Um grande beijinho e que a leitura dos Pacientes seja igualmente maravilhosa e sublime, como sei que será!

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