Acasos felizes, de Suzanne Nelson


Ficha técnica
Título – Acasos felizes
Autora – Suzanne Nelson
Editora – Topseller
Páginas – 317
Datas de leitura – de 18 a 24 de dezembro de 2016

Opinião
Depois da azáfama das Festas e das correspondentes correrias para comprar a última prenda, para ultimar e organizar visitas e para voltar a deixar tudo na casa no seu respetivo lugar após o terramoto que na mesma ocorreu no fim de semana festivo, posso finalmente sentar-me para pôr em palavras aquilo que senti com a leitura do livro que me acompanhou até aos derradeiros minutos da véspera de Natal.
Coincidência ou não, Acasos felizes encaixou que nem uma luva no espírito que deve reinar nesta época infelizmente tão submersa em materialismo e superficialidade. Recorda-nos a essência das relações humanas, aquilo que traz um brilho especial às nossas vidas e que faz com que eu ainda adore estas festividades.
A obra de Suzanne Nelson está preenchida pelos acasos, azares e reviravoltas de várias vidas, mas sobretudo traz ao de cima as de três mulheres, cujo crescimento vamos seguindo alternadamente e cujas existências se cruzam por causa de um singelo par de sapatos criado por Dalya e escondido num compartimento secreto na noite em que ela e a sua família são levadas para um campo de concentração pelas forças nazis.
A obra abre com um prólogo que nos relata o quanto um acessório tão banal como um par de sapatos guarda segredos, mantém cativos nas suas solas pedaços da história de quem os fez, de quem os usou e até nos pode desvendar retalhos da História de um país, de um continente, do mundo. Admito que nunca dei tamanha importância aos meus sapatos, mas é igualmente verdade que nunca me desfiz das primeiras sapatilhas ou sandálias que o meu filhote usou e que, sempre que as resgato da caixinha onde estão guardadas, sei que se me desenha um sorriso que ilumina todo o rosto e que, ao segurá-las, recuo no tempo e recordo sensações, cheiros e momentos que nunca se apagarão da memória. O mesmo acontecerá para outras pessoas com os sapatos que usaram no dia do seu casamento, as sapatilhas que usaram até quase ficarem sem sola ou as botas que lhes aqueceram os pés na primeira vez que pisaram neve.
Perante tão esclarecedora e iluminada premissa, mergulhei de sorriso nos lábios na história de Dalya, Ray e Pinny, três jovens, três mulheres que sabem como poucas o quanto a vida pode ser pintada de cores escuras, pesadas e sombrias. Todas elas se veem, num determinado momento, atiradas para o lado mais negro, despojadas da proteção e da segurança que nos providencia a família, o aconchego do lar. Todas elas sentem a punhalada do desespero, da solidão, da injustiça, mas agarram-se ao mais básico instinto que nos assiste – agarram-se à vontade de sobreviver, de procurar, um dia após o outro, o tão ansiado resquício de estabilidade, de bem-estar, de felicidade. E vão assim lutando.
São três protagonistas que me cativaram, que me aqueceram nestes dias de dezembro gelado e que iluminaram com cores quentinhas e prometedoras os pequenos instantes em que pude fechar a porta ao desenfreio e corrupio de final de período misturado com a proximidade do Natal, correr a cortina à minha vida e fazer de espetadora à de três mulheres envolventes, encantadoras, sofridas, lutadoras. Liguei-me irremediavelmente a cada uma delas, mas tenho que confessar que Dalya conquistou-me por completo, não só por causa da carga trágica que carrega uma menina judia abalroada pela terrível e doentia ideologia nazi, como sobretudo pela determinação, coragem, audácia e vontade de sobreviver que a caracterizam. Considero inclusive que a obra não perderia nada se apenas fosse protagonizada por Dalya – a sua força, o seu carácter, a sua história são tão poderosas, tão envolventes que o resto, por vezes, ressalta como supérfluo, excedente. Aliás fiquei um nada desapontada porque determinados momentos, determinadas relações entre Dalya e outras personagens (como Henry, por exemplo) parecem ter ficado perdidos algures, esquecidos, como um velho par de sapatos sem mais nenhuma aparente utilidade.
Acasos felizes é assim uma obra que vive de quem a protagoniza. Mas não é menos verdade que os saltos temporais, os espaços por onde deambulamos em busca de todas as personagens e o estilo da autora, suave, limpo, carinhoso sem cair na lamechice são acrescentos cruciais para que recomende sem reservas a sua leitura. Iluminará e agasalhará os dias, os instantes, os minutos de quem quiser deixar-se apanhar pela magia do corriqueiro, do banal e dos segredos e encantos que podem estar escondidos mesmo num simples par de sapatos.

NOTA – 09/10

Sinopse
Dalya é filha de um sapateiro e vive em Berlim, na década de 1930. Apesar de ter apenas 15 anos, sabe que o seu destino é seguir as pisadas do pai e tornar-se também ela criadora de sapatos. Mas quando Dalya é levada para um campo de concentração com a família, a sua vida muda para sempre, e vê-se obrigada a deixar para trás tudo aquilo que conhece…bem como um lindo par de sapatos, o primeiro feito por si.
Esses sapatos fazem uma viagem no espaço e no tempo até aos dias de hoje, indo parar a uma loja de artigos em segunda mão. Nesta loja entram Ray e Pinny, duas raparigas que não podiam ser mais diferentes uma da outra: Ray é órfã, vive numa instituição, mas sonha fugir para Nova Iorque, e Pinny é uma otimista incurável, pois acredita que, apesar de ter síndrome de Down, isso não a impedirá de concretizar os seus sonhos.

Um único par de sapatos cor-de-rosa irá unir estas três vidas, marcadas pela perda, numa história de coragem, amor e memórias e dos acasos felizes que nos interligam a todos.

4 comentários:

  1. Olá Ana
    Não conhecia o livro mas fiquei com muita vontade para o ler.
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Olá!
      Lê-o, porque vale mesmo a pena. Espero que gostes. Fico à espera da tua opinião.
      Beijinhos e leituras muito saborosas.

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  2. Olá Ana,
    Já tinha visto este livro no goodreads, mas nunca me puxou. Talvez por pensar que não ía gostar. São os meus preconceitos literários :) mas foi bom ler a tua opinião. Fez-me querer pegar nele e dar-lhe uma oportunidade.
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Querida Isa, vale a pena dar-lhe uma oportunidade, pois não é muito lamechas e a história tem ingredientes suficientes para prender-nos! Arrisca e diz-me alguma coisa depois!
      Beijinhos e leituras saborosas!

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