Ficha técnica
Título – Flores
Autora – Afonso Cruz
Editora – Companhia das Letras
Páginas – 277
Datas de leitura – de 17 a 22 de março
de 2016
Opinião
Este
é apenas o segundo livro que leio de Afonso Cruz. E digo apenas porque já me
havia rendido e deslumbrado com o talento deste fantástico escritor aquando da
leitura da obra Os livros que
devoraram meu pai (ver opinião completa aqui) e quero que a estes dois
que “já papei” se sigam muitos mais!
Nada e tudo é banal nesta narrativa. As
personagens carregam em si vidas banais, contagiam o leitor com a sua
banalidade, mas encontramos a genialidade do autor na forma como transforma,
como constrói um enredo banal, como atira para o mesmo personagens triviais,
corriqueiras, sem nada que as destaque de qualquer um de nós e nos obriga, “de
livre e espontânea vontade” a virar página atrás de página, a sublinhar
“carradas” de fragmentos, a sorrir para o livro e para nós mesmos, a rir com
fragmentos cómicos ou acertadamente irónicos (como aqueles em que “ataca” o
nosso anterior primeiro-ministro” e, ao descerrar o livro, a ansiar pela
próximo mergulho numa criação “cruziana”.
Através
das duas personagens masculinas mais em destaque, do seu quotidiano, dos seus
projetos, dos seus pensamentos, das suas atitudes, das suas recordações e
anseios, vamos “entrando mais dentro na espessura”. Ou seja, vamos tendo ao
nosso alcance, nas páginas e palavras que seguramos nas nossas mãos, mais uma
oportunidade para penetrar no insondável, no impenetrável, naquilo que forma a
nossa essência como seres pensantes e emotivos. Vamos analisando e
inclusivamente aceitando as disparidades comportamentais do Sr. Ulme ou do
narrador. Vamo-nos afeiçoando a quem é tão imperfeito e defeituoso como
qualquer ser humano. Tudo isto graças a Afonso Cruz que verdadeiramente nasceu
para ser escritor e que nos abençoa com uma escrita falsamente simplista,
emocional, por vezes infantil, repleta de pormenores deliciosos (gastei muito
lápis a sublinhá-los J) que nos transformam, que nos fazem
redescobrir-nos e aprendermos mais sobre nós próprios.
Pergunto-me
se haverá algo mais para dizer sobre esta obra sublime? Seguramente que há,
como a relação doce entre Beatriz e o Sr. Ulme, o cuidado e o amor que o autor
colocou na construção de personagens “mais secundárias” como Margarida Flores
ou o seu cunhado grego, o desfecho da obra que me deixou em êxtase e muito,
muito mais. Mas deixem-me ser egoísta e guardar para mim o resto, aquilo que me
faz perseguir leitura atrás leitura e não cansar-me nunca de o fazer.
Para
terminar acrescento que me enche de orgulho “ser dona de provas” que confirmam
o quanto se escreve bem em terras lusas e que os fragmentos que vos deixo são o
perfeito exemplo disso:
“Creio que, numa relação, o beijo terá sempre
de manter a densidade do primeiro, a história de uma vida, todos os
pores-do-sol, todas as palavras murmuradas no escuro, toda a certeza do amor.”
(pág. 25)
“As mães são as fiéis depositárias da nossa
infância, dos primeiros anos. As tuas memórias mais importantes, mais
formadoras, não são tuas, são dela. E quando a tua mãe morrer, levará consigo a
tua infância, perderás os primeiros anos da tua vida. Por isso, trata-a bem”.
(pág. 81)
“Houve um tempo em que cosi as minhas
artérias ao teu corpo e todo o sangue que bombeava era na tua direção.”
(pág. 87)
“– Deram-me a porra da
esperança, que é infinita. Se uma pessoa consegue acreditar na política, na
sociedade, numa vitória do Sporting, então o que é que custa acreditar na
eternidade?” (pág.
174)
Leiam
Afonso Cruz! Celebrem o talento deste fantástico escritor luso!
NOTA
– 09/10
Sinopse
Um homem sofre
desmesuradamente com as notícias que lê nos jornais, com todas as tragédias
humanas a que assiste. Um dia depara-se com o facto de não se lembrar do seu
primeiro beijo, dos jogos de bola nas ruas da aldeia ou de ver uma mulher nua.
Outro homem, seu vizinho, passa bem com as desgraças do mundo, mas perde a
cabeça quando vê um chapéu pousado no lugar errado. Contudo, talvez por se
lembrar bem da magia do primeiro beijo – e constatar o quanto a sua vida se
afastou dela – decide ajudar o vizinho a recuperar todas as memórias perdidas.
Uma história inquietante sobre a memória e o que resta de nós quando a
perdemos.
Um romance comovente sobre o amor e o que este precisa de ser para merecer esse nome.
Um romance comovente sobre o amor e o que este precisa de ser para merecer esse nome.
«Viver não tem nada a
ver com isso que as pessoas fazem todos os dias, viver é precisamente o oposto,
é aquilo que não fazemos todos os dias.»
Olá Ana,
ResponderEliminarAcreditas que ainda não li nenhum livro do Afonso Cruz? Já tenho alguns "na mira", mas ainda não tive oportunidade.
Este ano não falha.
Beijinhos e boas leituras
Olá, Isa!
EliminarNão deixes mesmo de entrar no "mundo literário" de Afonso Cruz pois seguramente que de lá não mais sairás! Para mim, é um dos melhores entre os nossos jovens autores :)
Beijinhos e boas leituras!
Sou uma ilustre desconhecida que teve a dita de encontrar um velho amigo, que lhe indicou como leitura prioritária, Flores - de Afonso Cruz.Aguardo com expectativa esse momento e mais ainda depois de ler os seus tão profundos comentários.Obrigada pela partilha tão preciosa e convincente.MH
ResponderEliminarSeja muito bem-vinda ao meu cantinho, Maria! Obrigada pelas suas palavras tão simpáticas!
EliminarEspero que a sua leitura deste magnífico livro seja tão saborosa como foi para mim e que depois a partilhe aqui!
Beijinhos, boas leituras e volte sempre!