O quarto de Jack, de Emma Donoghue


Ficha técnica
TítuloO quarto de Jack
Autora – Emma Donoghue
Editora – Porto Editora
Páginas – 333
Datas de leitura – de 18 a 22 de janeiro de 2017

Opinião
Os prémios Oscar do ano passado trouxeram à ribalta a adaptação cinematográfica da história arrepiante e tenebrosa de uma jovem raptada e mantida em cativeiro durante uma infinidade de anos. Da relação que mantém com o raptor (se é que se pode apelidar de relação aquilo que ela tem que suportar dia após dia), nasce Jack que vive os seus primeiros cinco anos “enjaulado” num espaço de pouco mais de 10 metros quadrados.
Contudo, para o pequenino Jack o quarto não é uma jaula, mas sim o seu mundo, aquele que ele sabe que existe, em comparação a tudo que vai vendo na televisão e que, de acordo com o que a mãe lhe ensinou, faz parte de outro espaço, de um mundo de faz de conta e inalcançável. É no quarto que saúda todos os objetos que lhe pintam o dia-a-dia, que lê os cinco livrinhos infantis vezes sem conta, que prefere a história de uma escavadora à da Alice e o país das maravilhas (que, para ele, contém uma linguagem um bocadinho confusa), que faz os habituais exercícios de ginástica, que come com a sua colher “derretida” e que espera ansiosamente pelo mimo de domingo. O quarto é assim sinónimo de normalidade, de felicidade, de birras, de confrontos com a sua mamã, de um dia que passa igual ao anterior, interrompido apenas quando não pode dormir na cama da mãe e se tem que refugiar dentro do armário porque o Nick o Mafarrico insere o código na porta, abre-a, troca algumas palavras com a sua mamã, deita-se na cama com ela e durante alguns minutos (que Jack contabiliza através dos ruídos que a cama produz) lhe faz algo que muitas vezes faz com que a mamã ganhe hematomas ou não queira nem a companhia do filho.
Tinha perfeita consciência de que a leitura desta obra seria como assistir a uma sessão de tortura. Reflexo dessa consciência foram os pesadelos que tive enquanto a fui lendo, sempre associados a imagens claustrofóbicas e de alguém continuamente a prender-me ou ao meu filho. Porém, enquanto o meu lado onírico punha em evidência o terror e o inimaginável, o meu lado racional ia sendo conquistado pelas palavras de Jack. Considero que a autora tomou a decisão certa ao dar o papel de narrador à personagem que, através da sua inocência, nos faz um relato divertido, enternecedor e comovente do que nada mais é do que a consequência do lado horrendo e tenebroso do ser humano.
Acho que não cometo nenhum pecado, nem me converto em “spoiler” ao desvendar que o relato de Jack está dividido em duas partes (embora a obra esteja dividida em mais) – a que nos deixa penetrar no quarto e a que diz respeito à fuga que a sua mãe congemina e que faz com que os dois se libertem do jugo do raptor. Este antes e depois na vida de progenitora e descendente é avassalador para ambos. Para Jack é como se o chão se lhe escapasse de debaixo dos pés, porque saiu do ninho, saiu de um mundo só seu e da sua mãe e atiraram-no para outro caótico, extremamente ruidoso e povoado, aceleradíssimo, contaminado de doenças, sol incandescente, toques, e verdades inquestionáveis para todos menos para ele. Por sua vez, para Joy (que nome tão irónico…), o regresso ao seu mundo está impregnado de expectativas, de vontades, de saudades, de uma avalanche de sensações e sentimentos próprios. Quer voltar aos braços dos pais, quer recuperar a sua vida de antes, recomeçá-la exatamente onde a deixou. Quer voltar a ser menina, que lhe lambam as feridas. Mas os anos que passou encerrada no quarto privaram-lhe da juventude e transformaram-na em mãe, em progenitora. Por isso, já cá fora, Joy não pode apenas pensar em si, tem que saborear a sua liberdade e compreender que a mesma, para Jack, tem um sabor oposto – sabe a terror, a desconhecido, a clausura.
O quarto de Jack é, por tudo isto, uma leitura desafiante e angustiosa para todos, mas sobretudo para quem tem filhos. Acaba por relembrar-nos do quanto estes dependem de nós, do quanto são fruto do que lhe ensinamos e de que não podemos, enquanto pais, viver apenas a nossa vida, imaginá-la independente da dos nossos pequenotes, que sempre recorrem ao pai e à mãe quando algo não está bem.
A obra de Emma Donoghue oferece-nos igualmente uma leitura inovadora, muito bem articulada, que nos faz cair de amores por Jack, que nos faz querer, por um lado, dar-lhe muito colinho e, por outro, aceder à sua vontade de não ser tocado, não ser incomodado. Permite que compreendamos que, por muito que vivamos numa sociedade dita desenvolvida e avançada, o que aqui é ficção pode ser verdade, realidade no dia de amanhã.
Enfim, uma obra muito interessante, dura, comovedora, dona de uma escrita sem “teias de aranha” e que nos conquista. Por tudo.
Recomendo.

NOTA – 09/10

Sinopse
O quarto é um lugar que nunca vai esquecer; o mundo é um sítio que nunca mais olhará da mesma maneira.

Para Jack, de cinco anos, o quarto é o mundo todo. É onde ele e a Mamã comem, dormem, brincam e aprendem. Embora Jack não saiba, o sítio onde ele se sente completamente seguro e protegido, aquele quarto é também a prisão onde a mãe tem sido mantida contra a sua vontade. Contada na divertida e comovente voz de Jack, esta é uma história de um amor imenso que sobrevive a circunstâncias aterradoras, e da ligação umbilical que une mãe e filho.

2 comentários:

  1. Olá Ana,
    Já li este livro há alguns anos (muito antes de ter o blogue) e adorei!! Não sabia nada dele. Peguei nele e trouxe-o para casa. Adorei! Sabe tão em quando isso acontece!!
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Sim, expectativas zero, conhecimento zero e resultado final - uma daquelas leituras arrebatadoras! Não há nada melhor, mesmo!
      Toca a procurar mais dessas!
      Beijinhos e leituras muito saborosas!

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