Ficha técnica
Título – O
sentido do fim
Autor – Julian Barnes
Editora – Quetzal
Páginas – 152
Datas de leitura – de 29 de junho a 03 de julho de 2017
Opinião
A
primeira leitura do mês não me preencheu… A escrita do autor é irrepreensível,
o final é surpreendente, mas simplesmente não consegui criar laços com nenhuma
personagem, muito menos com o protagonista, Tony Webster.
O sentido do fim está dividido em duas partes.
A
primeira retrata a juventude do narrador e da sua pandilha. São quatro rapazes “à
espera que nos soltassem para a vida”, com “fome de livros, fome de sexo”.
Tony, Colin, Alex e Adrian, o último a juntar-se à pandilha, são jovens dos
subúrbios, que olham com gula para o que o futuro lhes pode reservar e que
vivem teorizando, discutindo, partilhando ideias e leituras, mas cuja visão da
realidade pouco ou nada tem de concreto, de realizado.
Apesar
de ser o mais recente elemento do grupo, Adrian apresenta-se para os restantes como
sendo o mais inteligente dos quatro, como sendo aquele que provém de uma
família desestruturada e, como tal, mais interessante e como sendo o que
seguramente será brindado com um futuro mais promissor. Os restantes em nada se
destacam uns dos outros, apenas vamos seguindo com mais detalhe o dia-a-dia de
Tony porque é ele o narrador desta história.
Na
segunda parte da obra saltamos para o presente – “Agora estou reformado” – e compreendemos que a vida de Tony se
mantém estagnada, ou, como o próprio afirma não se desenvolvera, só se
acrescentara. “Tinha havido soma – e substração
– na minha vida, mas quanta multiplicação? Isso deu-me um sentimento de
mal-estar, agitação.” Divorciado, mantém uma relação amigável com a
ex-mulher e uma relação cordial com a filha. O resto é composto por ninharias.
Uma existência cinzenta que vai ser agitada pela chegada de uma carta que o vai
fazer pôr em causa muitas das certezas absolutas em cima das quais construíra
os alicerces da sua vida adulta.
Como se
depreende de tudo o que referi, a premissa desta obra é deveras apelativa e
encaixa perfeitamente no que busco nas minhas leituras. Contudo, volto a dizer
que não fui capaz de me ligar ao seu conteúdo e sobretudo às suas personagens.
Tony é fraco, muito pouco ambicioso, volúvel e parece estar sempre à procura da
aprovação dos outros. Adrian prometia uma lufada de ar fresco, envolvia-o uma
aura de mistério e aparente desinteresse por o que os outros pensavam dele, mas
sai da narrativa demasiado cedo. Veronica, a personagem feminina de mais
relevo, é contraditória, provocante, bule com os nervos dos outros e dos
leitores, mas chega-nos de forma insuficiente e nunca ficamos a conhecê-la
verdadeiramente. Três personagens imperfeitas, humanas, mas que, pelos motivos
que explanei, foram soçobrando ou, no caso de Tony, mantendo-se muito planas
praticamente durante toda a narrativa, sofrendo apenas umas ligeiras mudanças
no final. Um final que é surpreendente, mas que não compensa o restante. Pelo
menos para mim não compensou.
Não sei
se voltarei a ler Julian Barnes. A sua escrita é muito boa, há passagens de uma
simplicidade e clareza memoráveis, mas se a isso não estiverem associadas personagens
que cheguem até mim e com as quais estabeleça alguma ligação, será perda de tempo
pegar numa outra obra sua. A ver vamos. Pode ser que alguém me sugira algum
título seu que me convença a dar-lhe outra oportunidade. Fico à espera.
NOTA –
05/10
Sinopse
Tony Webster e a sua clique só
conheceram Adrian Finn no fim do liceu. Famintos de livros e de sexo, e sem
namoradas, viviam esses dias em conjunto, trocando afetações, piadas
privativas, rumores, e mordacidades de todo o género. Talvez Adrian fosse mais
sério do que os outros, e seria certamente mais inteligente. Mesmo assim
juraram que ficariam amigos para o resto da vida.
Tony está agora reformado. Teve
uma carreira, um casamento e um divórcio amigável. E nunca fez nada para magoar
ninguém - ou pelo menos acredita nisso. Mas a chegada da carta de uma advogada
desencadeia uma série de surpresas e acontecimentos inesperados que lhe vão
mostrar que a memória é afinal uma coisa altamente imperfeita.
O
Sentido do Fim, o mais recente romance de Julian
Barnes e livro recém-galardoado com o Man Booker Prize 2011 - é a história de
um homem que se confronta com o seu passado mutável.
Com marcas da literatura
inglesa clássica - na apreciação do júri que o distinguiu - O Sentido do Fim constrói, com grande delicadeza e
precisão, uma trama tensa, forte, e revela a mestria de um dos maiores
escritores dos nossos tempos.
Cara Ana,
ResponderEliminarposso sugerir o último editado em Portugal deste autor, de que gostei muito. Romanceando um período da vida do compositor russo Shostakovich, aqui o autor faz uma reflexão sobre a natureza da tirania Estalinista e da luta do músico para encontrar o equilíbrio entre a preservação da vida e a preservação da integridade artística na URSS, num dos sítios mais perigosos no séc. XX para ser protagonista em qualquer colisão entre a Arte e o Poder. Para quem gosta de espreitar o que foi este período da História, aqui numa abordagem menos comum, é muito interessante (fora da guerra, fora do gulag). Muitas vezes somos confrontados com ideias de que determinado artista era “do Poder” ou era “contra o Poder”, depois deste livro ficamos mais alertas para questionarmos estas conclusões simplistas. E tem inúmeras passagens muito impressionantes:
#21 Dimitri Dimitrievich Shostakovich ficou com o nome do pai porque o padre não gostou de Yaroslav. “Que importava um nome? Nascera em São Petersburgo, crescera em Petrogrado, e tornara-se adulto em Leninegrado. Ou São Leninsburgo, como por vezes gostava de lhe chamar. Que importava um nome?”;
#104 “A arte pertence a toda a gente e a ninguém. A arte pertence a todo o tempo e a nenhum tempo. A arte pertence àqueles que a criam e àqueles que a usufruem. A arte já não pertence ao Povo e ao Partido, tal como já deixou de pertencer à aristocracia e ao mecenas. A arte é o murmúrio da História, ouvido sobre o ruído do tempo. A arte não existe pela arte: existe pelas pessoas.”;
#185 “… aquela frase tão meticulosamente aplicada pelos burocratas e musicólogos que examinaram a sua quinta sinfonia, ficaria melhor se aplicada à própria revolução e à Rússia que dela saíra: uma tragédia otimista”.
Cumprimentos
Miguel Henriques
Olá, Miguel!
EliminarRefere-se a "O ruído do tempo", sim?
Agradeço-lhe imenso a sugestão, porque na verdade gostei mesmo muito da escrita do autor e quero dar-lhe "outra oportunidade". Os fragmentos que aqui deixa são o vivo exemplo da beleza da escrita de Barnes e fazem-me querer lê-lo de novo.
Obrigada e volte sempre!
Beijinhos
sim, o ruído do tempo
ResponderEliminarmh
Obrigada, Miguel! Está anotado!
EliminarSerá que lemos o mesmo livro? ;-) A menos que a coisa descambe nas últimas 20 páginas, este vai ser de certeza um dos meus livros do ano.
ResponderEliminarA ideia que tenho é que este e os Níveis de Vida são mais "ou amas ou odeias", mas do Ruído do Tempo só tenho ouvido coisas boas.
Voltarei para dissertar quando terminar...
Paula
Pois, Paula, parece que sim, que lemos o mesmo livro, mas desta vez com opiniões completamente distintas... Eu consigo compreender que este livro possa ser um dos livros do ano, mas por esta ou por outra razão para mim não conseguiu ser. Confesso que fiquei frustrada, porque a escrita está lá, a visão crua e despojada está lá, mas não me encheu... Vou tentar ler os dois que me referes se os apanhar na biblioteca ou caírem na minha mão emprestados, porque quero tirar as teimas.
EliminarBeijinhos.
Comprovou-se, este livro foi escrito para mim. Adorei aquelas recordações que ele menciona no início e depois encontramos ao longo da história, bem como a ideia de deturpamos a memória do nosso passado, de corrompermos a imagem que temos de nós em jovens, as metáforas com a química, com a matemática... Soberbo!
ResponderEliminarE sabes o mais curioso? É que podia subscrever a tua recensão, porque é tudo aquilo que apontas como mediano que a mim me encanta. Foi mesmo o livro certo na altura certa.
Li-o em e-book mas tenho de comprá-lo em formato físico para o encher de post-its, tal é a quantidade de passagens que ecoaram dentro de mim. E tenho de ler mais dele, já!
Paula
P.S.- Não estou a tentar evangelizar-te, claro, só a contar-te o meu entusiasmo porque não conheço mais ninguém que o tenha lido. :(
Eu sei que não. Só me deixas ainda mais frustrada comigo mesma, porque não o saboreei como tu o fizeste. Adoro saber que ele te conquistou de tal forma que o tens que ter em formato físico. Como entendo essa paixão que sentiste, pois embora não a tenha sentido como tu, sei mesmo muito bem o que é senti-la - é o que buscamos desenfreadamente em qualquer leitura.
EliminarSe entretanto leres mais alguma coisa do autor, diz, por favor, porque tenho que redimir-me e porque gosto mesmo muito das tuas opiniões.
Beijinhos e venham mais dessas leituras!