Sábado, 21 de fevereiro de 2015
Opinião
Mais uma releitura. Mais uma releitura
do “meu” Saramago.
Num reino fictício, que faz fronteira
com três países e não é banhado pelo mar, o início de um novo ano é marcado por
um facto extraordinário – a partir da meia-noite ninguém morre e não morrerá
durante os próximos sete ou oito meses. É realmente assim que começamos a
leitura de um dos, a meu ver, melhores romances saídos da mão do genial
Saramaguinho J
Como em qualquer um dos seus romances
o acontecimento que arranca a narrativa é demasiado apelativo para não nos
arrebatar a atenção. Aliado a esse pormenor, está, como é também habitual, a
figura incontornável do narrador saramaguiano. Ora, estes ingredientes são os
suficientes para que o sabor que retiramos da leitura de As intermitências da Morte seja ímpar, excecional e se
mantenha connosco por tanto tempo que, faz, no meu caso, estar sempre com
vontade de reler tudo o que Saramago escreveu!
Podemos dividir a obra em duas grandes
partes – a primeira que nos relata como foi a vida da população do reino desde que,
de um dia para o outro, se tornou imortal e a segunda, na qual a morte voltou a
“desempenhar as suas funções”, mas de uma forma ligeiramente diferente do que
era até aí, até à pausa que permitiu, por iniciativa sua, que todos aqueles
habitantes, sem exceção, lidassem com uma imortalidade inusitada.
No período em que a morte deixou de
matar, somos confrontados com tudo aquilo que infelizmente define um ser humano.
Um ser humano que, perante a perspetiva de fazer ou perder negócios com a
inesperada imortalidade de jovens, adultos, anciões ou pessoas moribundas, cria
artimanhas para que a sua existência egoísta ou materialista não sofra
arranhões. Um ser humano que não olha a meios para atingir os seus fins. Um ser
humano que tem memória deveras seletiva e que se esquece muito facilmente que “filho
és, pai serás”, ou seja, que se és jovem agora, caminharás para velho e
dependerás dos teus filhos como os teus progenitores dependem de ti hoje.
A partir do momento em que a morte
reassume as suas funções, as “luzes do palco” da narrativa redirecionam as suas
atenções para as atividades rotineiras de duas personagens – a morte e um
violoncelista. Deixamos assim de acompanhar um quotidiano das altas esferas
políticas e religiosas e, ao som de trechos famosíssimos de compositores
clássicos, chegaremos a um desfecho que me voltou a encantar, a seduzir e a fazer-me
suspirar de satisfação e saciedade J
Não posso concluir esta opinião sem
fazer a associação que, para mim, existe entre As Intermitências da Morte e o filme Meet Joe Black (Dios mío, que “morte tão boa” J). Deixo-vos aqui o seu trailer para
que tirem as vossas próprias conclusões:
Por fim, aqui ficam algumas das
passagens que sublinhei:
“… o
respeito pelos velhos e pelos enfermos em geral representava um dos deveres
essenciais de qualquer sociedade civilizada…” (pág. 85)
“… as
altas estantes de livros onde a literatura tem todo o ar de conviver com a
música na mais perfeita harmonia…” (pág. 155)
“… brevíssimo
estudo de chopin, opus vinte e cinco, número nove, em sol bemol maior (…)
naqueles cinquenta e oito segundos de música uma transposição rítmica e
melódica de toda e qualquer vida humana, corrente ou extraordinária, pela sua
trágica brevidade, pela sua intensidade desesperada, e também por causa daquele
acorde final que era como que um ponto de suspensão deixado no ar, no vago, em
qualquer parte, como se, irremediavelmente, alguma cousa ainda tivesse ficado
por dizer.” (págs. 176, 177)
“Conforme
se pode ver na imagem que vem no livro, a caveira é uma borboleta, e o seu nome
latino é acherontia atropos. É noturna, ostenta na parte dorsal do tórax um
desenho semelhante a uma caveira humana, alcança doze centímetros de
envergadura e é de coloração escura, com as asas posteriores amarelas e negras.
E chamam-lhe atropos, isto é, morte. (pág. 180)
NOTA – 9/10
Sinopse
«No
dia seguinte ninguém morreu.»
Assim
começa este romance de José Saramago. Colocada a hipótese, o autor desenvolve-a
em todas as suas consequências, e o leitor é conduzido com mão de mestre numa
ampla divagação sobre a vida, a morte, o amor, e o sentido, ou a falta dele, da
nossa existência.
Adorei a tua opinião e fiquei com uma enorme vontade de também reler esta magnífica obra de um grande escritor, que infelizmente nos deixou fisicamente mas, que nos deixou um enorme espólio de um valor incalculável.
ResponderEliminar:) Saramago merece realmente todas as (re)leituras!
ResponderEliminarOlá!
ResponderEliminarTenho este livro na estante para ler. Ainda só li um livro de Saramago e goste muito. Mas o título afasta-me constantemente. Gostei da tua opinião.
Beijinhos e boas leituras.
Olá, Isaura! Não te deixes "intimidar" pelo título. Não é um livro depressivo e vale muito a pena, acredita!
ResponderEliminarMuito obrigada pela tua opinião!
Beijinhos e boas leituras :)