Sábado, 31 de janeiro de 2015
RELEITURA
Sinopse
Alice
Raikes dirige-se à estação de King’s Cross onde irá apanhar o comboio que a
levará até à Escócia para visitar a sua família. Horas mais tarde encontra-se
em coma no hospital de Londres, após um acidente que se suspeita ter sido uma
tentativa de suicídio. A partir daqui, Alice começa a reconstituir o passado
que lhe trará respostas para o sucedido.
Opinião
Mais uma releitura muito, mas muito
saborosa. Continuo a retirar muito prazer destas segundas leituras, a descobrir
pormenores que me haviam escapado da primeira vez, a fundir-me de novo com personagens
com que me identifico, a rir, a chorar, a franzir o sobrolho perante o que não
me agrada, a suspirar com detalhes inesperados, enfim, que mais se pode pedir
da leitura, ou neste caso, da releitura de um livro?...
Decidi reler a história de Alice Raikes
porque lembrava-me perfeitamente do impacto que havia sentido aquando do
primeiro contacto que tive com esta protagonista escocesa, amante dos livros,
dona de uma personalidade forte e tempestuosa e que se apaixona
irremediavelmente por um judeu de seu nome John Friedman. É uma história densa,
envolvente, com um enredo forte e complexo (como eu tanto gosto) e que nos
agarra do princípio ao fim. Sim, que nos cativa, como me cativou há quase 10
anos e voltou a fazê-lo nesta última semana de janeiro J
A frase que dá início ao prólogo é o
cabal exemplo disso mesmo – “No dia em
que ia tentar matar-se, apercebeu-se de que o Inverno estava novamente a chegar.”
Como pode alguém ficar indiferente, não sentir-se tentado a continuar a ler a
narrativa, a querer saber o que poderá estar por detrás de uma vontade tão
extrema, tão terminal? Pura e simplesmente tem que seguir, ler palavra atrás de
palavra, parágrafo atrás de parágrafo, capítulo atrás de capítulo, sempre em
busca de uma resposta, de uma explicação. E à medida que o faz, vai conhecendo
Alice Raikes. E vai conhecendo também a sua família, sobretudo as mulheres de
três gerações da sua família. E vai, por fim, conhecendo o homem que revirará
por completo a vida de Alice.
Através de uma narrativa que salta constantemente
do presente para o passado, que segue alternadamente o quotidiano das
personagens, que entrelaça esses mesmos quotidianos com os anseios,
expetativas, vontades, sonhos, crenças de Alice, da sua mãe Ann e da sua avó
Elspeth, vamos entrando em suas casas e principalmente vamos criando laços com
elas. Não preciso de dizer que criei laços mais fortes com Alice, não só porque
é a protagonista, mas porque é uma jovem mulher cheia de garra, que não tem
medo de nada nem de ninguém, que nos contagia com a sua forma de ser e de
estar, que é pragmática e que ao mesmo tempo segue os seus impulsos, sem pensar
muito nas consequências. É esse seu lado impulsivo que a fará embarcar na mais
apaixonante e trágica viagem da sua vida – apaixona-se, entrega-se totalmente
ao amor.
O amor que une Alice a John é
especial, é muito especial de tão intenso que é. “Em seguida, estão já abraçados um ao outro e ele tem os braços tão
apertados em torno dela que ela mal consegue respirar. Alice não sabe quanto
tempo permanecem naquela posição; parece-lhe tudo tão familiar: o cheiro dele e
a forma como a cabeça dela encaixa perfeitamente na curva do seu pescoço, o
modo como ele coloca a mão em concha na nuca dela quando a está a beijar.” (pág.
166) E nós sentimo-nos especiais por sermos como que espetadores que têm o
privilégio de poder presenciar todos os momentos que eles vivem. A dois.
Quando a obra que nos acompanha é de
uma densidade e beleza como esta, é impossível não vibrarmos com o poder de um
amor tão avassalador “Ela sente a
presença de John tão intensamente que não teria ficado nada surpreendida se se
virasse e o visse ao seu lado. Como é que isto aconteceu? Como é que ela se
apaixonou tanto por ele ao ponto de sentir que a sua sanidade mental está
ameaçada pela possibilidade de eles se separarem?”; (pág. 229) “O que é que posso dizer acerca do tempo que
passámos nas vidas um do outro? Que fomos felizes. Que raramente nos
separávamos. Que, por vezes, eu tinha aquele sentimento vertiginoso e
excecional de conhecer outra pessoa tão bem que quase podemos perceber como
seria ser essa pessoa. Que nunca me tinha sentido incompleta antes de o
conhecer, mas que, com ele, me sentia terminada, completa.” (pág. 252). E é
igualmente impossível não nos sentirmos devastados, não nos banharmos em
lágrimas com palavras como estas – “Sente
a pele áspera e ressequida, como se todas as lágrimas que chorou nos últimos
quatro meses a tivessem tornado árida, a tivessem secado completamente. Vestida
com o roupão, desce as escadas e prepara uma sanduíche. Come-a de pé, sem ter
ainda forças para comer à mesa sozinha, esforçando-se por engolir pedaços de
pão que sabem a cinzas. A casa está totalmente silenciosa para além do ruído do
seu mastigar sem entusiasmo. Ela quer morrer.” (pág. 264)
Depois
de tu partires foi a
estreia literária de Maggie O’Farrell e, na minha opinião, a sua melhor obra
das três que tenho dela. Tem aquele condão, aquela magia, aquela sedução aos
quais não consigo nem quero resistir. Ofereceu-me uma das mais belas histórias
de amor que já li, aliada a uma narrativa, que podemos apelidar de secundária,
mas que não é menos importante, pois “vai-nos revelando como pode ser vasto,
imenso, o opaco continente do não-dito, dos mais secretos e obscuros recantos
do universo familiar.”
Obra belíssima e que tenho mesmo
que recomendar!
NOTA – 10/10
Depois do que li, só me resta uma solução. É ler esta obra e tentar também ser seduzido e encantado.
ResponderEliminarÉ isso mesmo, porque vale tanto a pena :)
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