O tímido e as mulheres, de Pepetela


Ficha técnica
Título – O tímido e as mulheres
Autor – Pepetela
Editora – Dom Quixote
Páginas – 301
Datas de leitura – de 10 a 15 de abril de 2016


Opinião
Quando penso em África, o meu olhar não se perde em nostalgias ou com aquele brilho sonhador. Nunca. Talvez já o tenha dito em outras opiniões. África não me seduz e penso que nunca fará. Por muitas razões que não vale a pena esmiuçar.
Contudo, tenho que dar a mão à palmatória e admitir sem qualquer espécie de constrangimento que me vergo perante maravilhosos criadores de “estórias” provenientes das terras quentes, sensuais e ricas do grande continente negro. Entrei sem pejo e com muita curiosidade nos mundos literários de Mia Couto e Agualusa e de lá nunca mais quis sair. Conhecidos, amigos e até o meu pai incitavam-me a conhecer outro nome, pequeno de tamanho, mas que seguramente me iria conquistar com o seu enorme talento e “estórias”, perspetivas e visões de um punhado de terra historicamente tão enraizado ao nosso passado e presente.
O tímido e as mulheres foi-me oferecido no Natal por clara sugestão minha. Lembro-me que estava com a minha mãe a fazer compras num desses grandes supermercados, que, como de costume, parámos na secção dos livros e que me detive na banca das promoções. Vasculhei por entre as opções e dei comigo com o livro de Pepetela nas mãos. Ao ver o meu interesse pela sinopse, a minha querida mamã “arrancou-mo” e colocou-o no carrinho das compras. E assim pude ter o primeiro exemplar da obra de Pepetela na minha estante. O primeiro de muitos, desejo.
O que salta de imediato à vista, à medida que vamos avançando na leitura é que esta se faz com muito agrado, serenamente e que, pelo menos a mim, “obrigou-me” a sublinhar ou a rodear léxico característico do português de Angola, como “desconseguiu”; “birra”; “kumbú”; “bumbar”; “kamba”; “gasosa”; “cachuchos”; “kuribotices” ou “xinguilar” e tentar “traduzi-lo” para o português de Portugal.
Por outro lado, a narrativa desenha-nos um panorama muito atual da Angola e sobretudo da sua capital. Vamos, através da escrita e visão de um conterrâneo, compreendendo como se desenrola o quotidiano de um país, de uma sociedade ainda muito afetada pelo seu passado recente e que tenta buscar uma entidade própria. Vamos assistindo ao crescimento desmesuradamente alucinante de uma capital, à corrupção que impera nos seus principais organismos e ainda, através de um punhado representativo de personagens, conhecendo os seus habitantes, as suas vidas condicionadas pelo pulsar e pela procura de uma identidade nacional, as suas lutas, os seus ideais, os seus sonhos e as suas realidades, enfim, tudo o que dá impulso aos avanços e recuos de uma nação e de um povo.
É óbvio que nunca estive em Luanda ou em Angola, mas senti que viajei até lá com este livro. E não desgostei da viagem, pelo contrário. Senti que o autor me faz percorrer e calcorrear espaços emblemáticos e em contínua expansão da sua capital e principalmente me apresentou o seu povo, a sua amabilidade, a sua perspetiva do passado, do presente e do futuro, as suas tradições (saboreei os almoços de sábado à tarde em casa da dona Luzitu como se fosse um dos convidados) e a beleza sedutora e quente dos seus homens e mulheres.
Sendo assim, Pepetela ganhou por mérito próprio o seu lugar junto dos seus compinchas africanos Mia Couto e Agualusa. É com uma sensação de satisfação que compreendo que me apresentei a outro autor lusófono e que não mais quero deixar de partilhar a minha estante com ele J Estou curiosíssima por ler mais das suas obras e adentrar-me em África, através dos seus autores, das suas obras, das suas “estórias”.
Pepetela recomenda-se. Recomendo-o tal como mo haviam recomendado. Porque vale a pena!
Termino com um pequeno glossário que “traduz” para o nosso português as palavras que registei antes J:
“desconseguiu” – não conseguiu
“birra” – cerveja; fino; imperial
“kumbú” – dinheiro
“bumbar” – trabalhar
“kamba” – amigo
“gasosa” – dinheiro que se dá em troca de um favor
“kuribotices” – fofocas; coscuvilhices
“xinguilar” – cair em transe

NOTA – 08/10

Sinopse
Luanda nos dias de hoje.
Acompanhamos Heitor, um escritor em início de carreira, o tímido. Ouvimos a quente voz de Marisa, responsável por um programa de rádio de grande audiência, que a todos encanta e seduz.
Conhecemos Lucrécio, seu marido, uma mente brilhante aprisionada numa cadeira de rodas.
É este o trio que une as diversas histórias e personagens deste romance. Além dele, encontramos ainda os amigos de Heitor, o Senhor do Dia 13 e os habitantes de um musseque na periferia de Luanda: a grande família de dona Luzitu e, em especial, a bela Orquídea, outra das poderosas mulheres que habitam este livro. Todos eles nos conduzem por uma cidade que fervilha e cresce a um ritmo alucinante, onde os homens se apaixonam, sonham e desesperam, procuram novos caminhos, novas formas de vida e novas soluções.

Com a sua habitual mestria, Pepetela volta a surpreender-nos com este romance, desenhando uma paisagem imparcial e objetiva da atual sociedade angolana, fruto de muitas mutações culturais e políticas derivadas da sua história recente.

2 comentários:

  1. Olá Ana,
    Ainda só li um livro de Pepetela, mas gostei muito. Tenho outro emprestado, que será em breve lido.
    Gosto muito deste autor. Vou "listar" este também :)
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Olá!
      Estreei-me com esta obra no mundo de Pepetela e digo que valeu muito a pena. Quero ler mais e fico à espera de trocar opiniões contigo :)
      Beijinhos e boas leituras!

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