Gramática do medo, de Maria Manuel Viana e Patrícia Reis


Ficha técnica
Título – Gramática do medo
Autoras – Maria Manuel Viana e Patrícia Reis
Editora – Dom Quixote
Páginas – 172
Datas de leitura – de 25 a 30 de setembro de 2016

Opinião
Patrícia Reis é inquilina cá de casa há muitos anos e ocupa um cantinho especial e considerável na estante. Em junho adquirimos a sua última obra e lá tivemos que alargar os seus aposentos para que ela e a sua convidada – Maria Manuel Viana – coubessem numa estante que está a rebentar pelas costuras.
Aos oito romances já comodamente instalados na prateleira juntou-se este escrito a quatro mãos e com uma capa perturbadora, polémica e da qual, ao primeiro contacto, afastamos o olhar mas que, a posteriori, nos obriga a espreitá-la e a conferir os seus detalhes aberrantes. Conta-nos a história de duas amigas inseparáveis, cuja amizade se pinta com elementos e sentimentos complexos, absorventes, que poderão causar alguma estranheza e deixar algum leitor incomodado. Mariana e Sara são amigas inseparáveis desde que se conheceram e aparentemente não escondem segredos uma da outra. Contudo, quando uma delas decide desaparecer sem deixar rasto, a que fica amputada de amiga, irmã e do seu avesso compreende que afinal existiam gavetas e alçapões fechados e dos quais apenas Mariana possuía a chave.
Patrícia Reis sempre me habituou a obras povoadas por uma escrita muito poética, rica em detalhes e carregadinha de emoções. E Gramática do medo não é exceção, provando que o “seu casamento” com uma autora que até agora eu desconhecia foi abençoado pelos deuses da literatura nacional. Há passagens belíssimas que disso são espelho como esta que aqui transcrevo e que descreve a amizade de Mariana e Sara:
Estamos presas uma à outra pela mesma miséria, a falta de bondade dos outros, a história com P. e todas as outras que se seguiram. As que não te contei, tu adivinhaste. As tuas são fáceis de perceber, pelo menos para mim, nesse entendimento que temos, secreto, um pacto, que congela todas as traições e, só por isso, tu falas, tu contas, tu expões. E eu oiço. Oiço com atenções e faço perguntas e tu respondes, nunca deixas de responder.” (pág. 33)
A amizade de Mariana e Sara não deixará nenhum leitor indiferente. A mim não me deixou. A dependência que as une, a sensação física de estar incompleta se a outra não está por perto são o fio condutor de uma narrativa escrita a duas vozes e que nos possibilitam deter um conhecimento omnisciente dos mais variados ângulos da vida passada e presente das duas amigas. Os capítulos vão alternando entre Sara e Mariana e de uma forma creio propositada levaram-me mais do que uma vez a certificar-me de que quem havia desaparecido fora a Mariana e não a Sara, tal a ambiguidade patente na descrição das duas, na fusão de características físicas e inclusive na troca de identidades.
Estamos perante uma obra onde tudo se esbate, onde pouca coisa tem contornos muito definidos e onde imperam contrastes, antagonismos, relações pautadas por um lado pela indiferença, distância e apatia e, por outro, pela dependência, pela união e por um medo irracional de ver-se separado, de laços quebrados, sem o seu avesso. Desde relações supostamente normais até aquelas condenadas, anti-natura, a obra serve-se de Mariana e Sara para levar-nos a questionar até que ponto a nossa identidade está amarrada aos outros, ao social, ao comum.
Reconheço que gostei de regressar às letras de Patrícia Reis. Não foi a obra de que mais gostei, talvez porque deixa muitas pontas desatadas e porque lhes acrescenta uma “espécie de epílogo” na minha opinião desnecessário. Por isso e apesar de concordar que a riqueza da sua escrita não perdeu o seu emotivo sabor, aconselho os leitores que desconhecem esta autora a lerem as suas obras mais antigas porque embarcarão em narrativas carregadas de originalidade, uma escrita que nos embala e que transpira muita emoção.

NOTA – 08/10

Sinopse

Amigas inseparáveis, Mariana e Sara partilham tudo desde que se conhecem (um curso de teatro e cinema, uma carreira difícil, amigos, ex-namorados, dinheiro e um quotidiano nem sempre fácil), até ao dia em que uma delas desaparece, misteriosamente, durante um cruzeiro pelo Mediterrâneo. Poucas são as pistas que deixa atrás de si mas, numa demanda que a irá levar a correr mais de metade da Europa, Sara tenta encontrá-la. O que vai descobrindo leva-a a perceber que, afinal, há muita coisa na vida da amiga que desconhece. Porque desapareceu Mariana, que fantasmas a perseguiam, do que quis fugir? Numa viagem simultaneamente interior e geográfica, esta é também a história do desaparecimento do sujeito na civilização actual, da dissociação da vida comum, da fragmentação da memória e da ténue fronteira entre ficção e realidade.

8 comentários:

  1. Olá Ana
    Confesso que não conhecia nem o livro nem a autora, mas pareceu-mas bastante interessante.
    Se me deparar com ele vou sem dúvida dar-lhe uma oportunidade.
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Olá, Sara!
      Gosto muito de Patrícia Reis e acho que vale mesmo a pena dar-lhe uma oportunidade, seja com a obra que seja ;)
      Arrisca!
      Beijinhos e leituras com muito sabor!

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  2. Olá Ana! Se não conheces Maria Manuel Viana recomendo "A Teoria dos Limites". Um livro absolutamente extraordinário! ;)

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    1. Aiii Márcia, mais um roubo "futuro" para a minha carteira! Vou já "cuscar" a sugestão!
      Obrigada!
      Beijinhos e leituras com muito sabor!

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  3. Da Patrícia Reis ainda só li no Silêncio de Deus, mas este também há de vir parar à minha estante um dia, porque gosto mesmo do estilo dela.
    Paula

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    1. Sim, mais uma vez estamos em sintonia - Patrícia Reis vale mesmo a pena e gostei muito de todas as suas obras!
      Beijinhos, Paula, e leituras com muito sabor!

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  4. Acho que não te vais arrepender...
    Boas leituras!

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