Domingo, 22 de novembro de 2015
Opinião
Desamparo é um retrato de personagens
desamparadas. Desamparadas pelos seus pais, pelos seus filhos, pelos seus irmãos,
pelos seus companheiros, pelos seus namorados, por outros entes queridos.
Enfim, abandonados, remetidos a um desamparo num país também ele a necessitar
que alguém o ampare, lhe deite a mão, o ajude a erguer-se e a olhar de frente e
com confiança para o porvir.
Dividindo a ação entre dois países
irmãos – Portugal e Brasil –, a narrativa apresenta-nos um punhado de
personagens órfãos de amparo e de amor.
Jacinta desde muito pequenina mendiga
por amor e carinho – da sua mãe que preferiu manter-se no seu país a acompanhar
marido e filha na aventura da emigração; dos seus maridos, sobretudo do
segundo, a quem devotava uma paixão que não diminuiu com o passar dos anos e de
quem recebeu nada mais do que desamor e recorrentes traições; e de dois dos
seus filhos que parecem nunca lhe ter perdoado o sofrimento e a dor que testemunharam
e o empecilho em que a mãe se foi transformando ao longo dos anos.
Por sua vez, Raul, filho “caçulo” de
Jacinta, segue as pisadas da sua progenitora. Homem bem-parecido, com uma
promissora carreira de arquiteto, possui à primeira vista tudo o que necessita para
ser bem-sucedido. Mas mais uma vez escasseia-lhe o amor. O amor de um pai que
nada vê nele exceto insegurança, falhanço, o amor dos irmãos, o amor de uma
mulher que lhe escapa por entre os dedos. Sobra-lhe o amor da mãe que tenta
colmatar todos os outros amores. Por esse amor, Raul deixa para trás o seu país
natal e vem viver para Portugal, onde o seu sucesso profissional resvala
encosta abaixo com a avalanche da crise nacional e onde sempre será visto como
estrangeiro, como o “brasileiro”.
À vida destas duas personagens principais
se vão juntando outras, umas mais relevantes, outras menos. Contudo, todas elas
exemplificam essa carência de afetos, de amparo e de todos os ingredientes que
recheiam uma existência feliz e quentinha. Retratam ainda a manta de retalhos
que é o nosso país desde a saga emigratória dos anos sessenta, setenta até a
uma atualidade comandada por uma crise económica que nos abraçou e parece não
querer afrouxar o aperto.
Inês Pedrosa contempla-nos assim com
uma obra atual e muito portuguesa. A narrativa está polvilhada de apontamentos
que compõem a história do dia-a-dia do nosso país e com os quais nos
identificamos de imediato – ora seja o quotidiano de uma aldeia que se alimenta
da coscuvilhice, de episódios de violência doméstica ou de gestos de
solidariedade, ora sejam os exemplos de corrupção em órgãos de poder, ora seja
a parcialidade de uma justiça lenta e burocrática ou ora ainda seja a esperança
que reside no turismo como alavanca para fazer renascer a prosperidade lusa.
Tudo isto toca no leitor de forma muito significativa e levou-me a sublinhar
muitas passagens.
Desamparo é igualmente uma obra que nos chega
com um estilo próprio e que não consigo definir de outra forma que não seja um
estilo limpo, sereno. Tudo o que nos é reportado é feito com serenidade, com
uma linguagem simples, com laivos poéticos, que faz-nos sorrir perante determinada
passagem, sublinhá-la, agradecer à autora a portugalidade que atravessa a
narrativa de uma ponta à outra e ficar satisfeitos com o desenlace da obra.
Sendo assim, recomendo a sua leitura.
Não a recomendo vivamente, como uma leitura obrigatória, daquelas que poderão
marcar-nos para sempre, porque considero que lhe falta isso mesmo – algo,
aquilo que me vá fazer lembrar-me dela daqui a uns tempos… Li-a em poucos dias,
é um facto, gostei da sua companhia, mas tenho o pressentimento de que, daqui a
uns tempos, pouco me recordarei dela e que tão pouco ficarei triste por esse
esquecimento…
Para terminar, deixo-vos aqui a canção
que fez de banda sonora a esta leitura e que vai e vem na minha vida como e
quando lhe apetece, sem que eu a possa controlar J Uma pérola dos tempos da telenovela “Roque Santeiro” – Aconchego, de Elba Ramalho:
NOTA – 08/10
Sinopse
A
saga de uma mulher, Jacinta Sousa, que foi levada do colo da mãe para o Brasil
aos três anos e regressa para a conhecer mais de cinquenta anos depois é o
ponto de partida deste extraordinário romance de Inês Pedrosa. "No Brasil
eu sempre fui a Portuguesa; em Portugal, passei a ser a Brasileira".
Numa escrita inteligente, límpida e plena de humor, a autora cria um universo singular, uma aldeia em que se cruzam personagens e histórias de vários continentes.
Numa escrita inteligente, límpida e plena de humor, a autora cria um universo singular, uma aldeia em que se cruzam personagens e histórias de vários continentes.
Emigrações
e imigrações de ontem e de hoje, seres solitários e escorraçados que procuram
novas formas de vida, enquanto tentam sobreviver à maior depressão económica
das últimas décadas.
O
amor, a traição, o poder, a inveja, o ciúme, a amizade, o crime, o medo, a
vingança e sobretudo a morte atravessam este livro que faz a radiografia do
Portugal contemporâneo, num enredo cheio de força e originalidade.
Olá Ana,
ResponderEliminarNunca li nada da Inês Pedrosa, mas tentei ler o "Fazes-me Falta" e não consegui e fiquei sempre com um pouco de "receio" de voltar a ler. Mas este parece-me diferente.
Ainda bem que gostaste.
Beijinhos e boas leituras
Olá, Isaura!
EliminarEste é o segundo livro que leio de Inês de Pedrosa. O primeiro, "Nas tuas mãos", li-o há muitos anos e só me lembro de que gostei. Este último lê-se bem e penso que te pode vir a gostar. Experimenta ;)
Beijinhos e boas leituras!
Pois eu comprei-o logo que ele saiu. Sou leitora das obras de Inês Pedrosa.
ResponderEliminarTive a agradável possibilidade de lhe dizer, na última feira do livro, as razões por que eu gosto de ler os seus livros.
Quanto a este - Desamparo - , lê-se com facilidade e retrata, mto bem, a falta que faz não ter um amor de mãe /pai desde pequeno. Laiam que vão gostar.
Olá!
EliminarObrigada pelo comentário. Sim, Desamparo é um livro que se lê muito bem e que nos é muito próximo, porque retrata a realidade do nosso país e fá-lo através de personagens bem construídas e que nos cativam.
Beijinhos e boas leituras.