Os anagramas de Varsóvia, de Richard Zimler


Ficha técnica
Título – Os anagramas de Varsóvia
Autor – Richard Zimler
Editora – Porto Editora
Páginas – 351
Datas de leitura – de 21 a 27 de abril de 2016


Opinião

“… nunca podemos voltar ao Tempo Anterior.” (pág. 328)

O mundo nunca mais pôde voltar ao tempo anterior a 01 de setembro de 1939. Tal como nunca mais havia podido voltar ao tempo anterior aos trágicos anos que mediaram a Primeira Grande Guerra. Tal como não pode voltar mais a qualquer tempo anterior a qualquer guerra.
O conflito, a carnificina bélica têm esse efeito. Nenhum mundo lhe fica imune. E tão pouco eu, como leitora, fico imune a todos os relatos (ficcionados ou não) que passam pelas minhas mãos e me permitem conhecer, saber mais sobre os horrores praticados em nome de um Deus, de uma raça, de uma crença política ou de algo mais que assuma suprema importância a um punhado de seres a quem não consigo apelidar de humanos…
Quando tenho nas mãos um livro sobre a Segunda Grande Guerra (à qual devoto uma obsessão um pouco doentia), procuro sempre que as suas páginas contenham uma narrativa que me agrida, que me sove com descrições de atos e pensamentos macabros, tortuosos, combinadas com outras de ações e reflexões heroicas, destemidas e que me fazem sentir orgulhosa de pertencer à raça humana. Tudo isso encontrei em Os anagramas de Varsóvia – estamos no ano de 1941 e percorremos as ruas do gueto da capital polaca, entramos nas casas cada vez mais delapidadas dos judeus encerrados por detrás dos muros “dessa cidade dentro de outra cidade” e contactamos com o seu dia-a-dia de medo, de fome, de perda daquilo que sustenta a dignidade de qualquer humano. Vivemos predominantemente no apartamento de Stefa, que o partilha com o seu filho Adam e o seu tio, um respeitável psiquiatra de seu nome Erik Cohen. Criamos afinidade com um outro punhado de personagens, como o grande amigo de Erik, Izzy, e com vizinhos que dão alguma cor e sensação de normalidade a uma vida confinada por detrás dos referidos muros do gueto e que se nos afigura como uma existência inimaginável nos dias de hoje (ou que pelo menos se afigurava inimaginável antes de sermos bombardeados por imagens de refugiados que desesperam por uma vida melhor em território europeu…).
Richard Zimler proporcionou-me assim uma viagem à Varsóvia de 1941 (cidade que desejo profundamente conhecer, bem como toda a Polónia), ao seu famigerado gueto e possibilitou-me também criar laços com personagens cativantes e vivas, de carne e osso, com os seus momentos de desespero, dor, incompreensão, aliados a instantes de humor, cumplicidade e fraternidade. Obrigou-me ainda a arrepiar-me e encolher-me perante atos macabros, atrozes e de uma perversidade refinada a que nos acostumaram os nazis. Chocou-me por fim com o quanto o medo irracional despoleta os instintos mais básicos e cobardes e leva a que um ser humano ponha em perigo a vida de outro só para salvar a sua ou a dos seus entes queridos. Enfim, Richard Zimler mostrou-me todas as faces da guerra, de uma guerra inigualável. E por aí conquistou-me, conquistou uma leitora.
Contudo, não consigo afirmar que me tenha conquistado por inteiro. Conquistou-me com o seu estilo a que me atrevo a apelidar de suave, vincado, mas sem muitos laivos de linguagem dura e crua, que dá predominância ao lado emocional e meditativo das personagens. Conquistou-me com reflexões que sublinhei por serem tão assertivas e com uma perspetiva muito fidedigna do viver no gueto de Varsóvia, da gente que o habitava e que punha ainda mais a sua vida em perigo tentando atravessar os muros e tentar a sua sorte do outro lado, do lado cristão. Conquistou-me, como já referi, com o cuidado que pôs na construção de personagens fascinantes e “reais”. Mas não me conquistou com o que sustenta o fio condutor da narrativa – o regresso do mundo dos mortos do protagonista que confidencia, ao único ser humano que o consegue ver, os últimos meses da sua vida, desde a entrada no gueto até à sua morte nas mãos dos nazis. Também não me conquistou todo o périplo investigativo em torno das mortes estranhas de crianças e que dois velhotes, de quase setenta anos, levaram a cabo. Achei-o algo forçado.
Tenho, no entanto que reconhecer que, apesar de tudo, foi uma leitura muito interessante e que cumpriu os propósitos – não posso considerá-la uma das melhores obras que já li sobre o Holocausto e o extermínio dos judeus, mas aguçou ainda mais a vontade que sinto em conhecer Varsóvia e outros locais da Polónia e ofereceu-me mais uma perspetiva de um tempo, de uma época, de uma guerra, de um conflito que não param de fascinar-me.
Por fim, deixo algumas passagens que sublinhei:
“… o futuro em polaco e alemão parecia ter deixado de ser um tempo conjugável pelos judeus.” (pág. 33)
Queria estar num sítio onde ninguém tivesse ouvido falar alemão”. (pág. 189)
Todos nós queremos ser escutados – para sentir que somos importantes. Queremos poder contar a história da nossa vida sem sermos interrompidos ou julgados, ou sem que nos peçam para passar ao que importa.” (pág. 329)

NOTA – 07/10


Sinopse

Polónia, ano de 1940. Os nazis isolam milhares de judeus num pequeno gueto em Varsóvia. Erik Cohen, um velho psiquiatra judeu, vê-se obrigado a partilhar um pequeno apartamento com a sobrinha e o adorado sobrinho-neto de nove anos, Adam. Certo dia, porém, Adam desaparece e o seu corpo, estranhamente mutilado, só é encontrado na manhã seguinte, no arame farpado sobre o muro que rodeia o gueto. Quando um segundo cadáver aparece em circunstâncias muito similares - desta vez o de uma rapariga judia -, Erik e o seu velho amigo Izzy tentam obter respostas, lançando-se numa investigação tão sinistra quanto perigosa. O mistério adensa-se e as dúvidas também. Serão os próprios nazis responsáveis por aquelas mortes ou estará um traidor judeu envolvido nos crimes? Neste thriller histórico comovente e arrepiante, Richard Zimler conduz o leitor aos recantos mais sombrios de Varsóvia, num périplo pela própria alma humana.

2 comentários:

  1. Olá Ana,
    Nunca li nada deste autor, mas tenho muita curiosidade.
    Fiquei intrigada com este livro. Assim que puder vou ler.
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Olá, Isa!
      Cá em casa é o maridinho que segue mais este autor, mas não resisti a ler esta obra, tratando ela do que trata. Lê-a, pois vale a pena!
      Beijinhos e boas leituras!

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