Ficha técnica
Título – O
rapaz e o pombo
Autora – Cristina Norton
Editora – Oficina do Livro
Páginas – 268
Datas de leitura – de 26 a 29 de agosto de 2017
Opinião
O rapaz e o pombo não foi apenas mais uma obra que li
acerca das atrocidades cometidas contra os judeus em prol da supremacia da raça
ariana. O desconcerto, a dor, o horror, o murro no estômago nunca perdem
intensidade, tenha lido um ou dezenas de livros sobre o tema. Continuo a não
ser capaz de entender como é que o ser humano pode ser tão desumano com outro
apenas porque esse outro professa outra religião, acredita em outros ideais,
não segue a mesma orientação sexual ou simplesmente nasceu com outra cor de
pele. Continuo a não ser capaz de entender e sinto que a “batalha” que eu e
aqueles que também não são capazes de entendê-lo está infelizmente a ser
paulatinamente mais difícil de travar, que estamos a perder terreno face ao
renascer da barbaridade, da tortura, do controlo, do fanatismo. Perspetiva-se
um futuro que vai buscar ao passado o que de pior ele teve.
É por
causa dessa perspetiva inqualificável, de tão medonha que é, que urge continuar
a vasculhar os hediondos exemplos do passado, partilhá-los com o maior número
de pessoas para que a sanidade do mundo em que vivemos não se perca sem volta.
Assim, alio o prazer da leitura com a necessidade que tenho de saber, de saber
mais sobre tudo o que nos rodeia, sobre quem somos, quem fomos e quem temos que
ser como homens e mulheres decentes, respeitadores e que se comportam como
seres racionais que somos. Porque o passado e infelizmente o presente em que
vivo já nos deram provas mais do que suficientes de que sabemos ser escumalha.
Um dos
períodos mais negros e repugnantes da História Mundial foi, sem dúvidas
nenhumas, aquele que dizimou milhões e milhões de pessoas apenas porque um ser
profundamente maquiavélico e psicopata chegou ao poder de um país humilhado por
uma recente derrota e, através de uma ideologia fanática, fez uma lavagem
cerebral à maioria da sua população e a levou a crer que o judeu com quem
trabalhava, que era o vizinho de uma vida, que o tratava quando estava doente
era inferior a um animal, que era a representação do pior dos males e que, como
tal, devia ser exterminado. O rapaz dono de um pombo era um desses judeus, um
menino filho de um médico respeitadíssimo e de uma enfermeira muito competente,
irmão mais novo de uma pré-adolescente com quem andava amiúde às turras e neto
de avós carinhosos e dedicados. Um menino igual a tantos, mas de que quase
todos se afastam como se estivesse infestado de parasitas desde que determinaram
que, mesmo tendo nascido na Alemanha, era o pior dos inimigos da “sua pátria”.
A obra
de Cristina Norton retrata a vida da família do rapaz do pombo, as agruras que
sofreram na pele como judeus, as tentativas para fugirem à mão assassina dos
nazis e o destino que partilharam com milhões de outros judeus e que se
adivinha qual foi observando a capa do livro. É uma narrativa que é
ocasionalmente interrompida por partes que estão escritas com um tipo de letra
diferente e que estão associadas a testemunhos verídicos de duas mulheres
nomeadas pelo seu nome próprio e que cujas vidas “tropeçaram” na do rapaz do
pombo e familiares mais próximos. Lilo é alemã e amiga da irmã do protagonista
que dá título à obra. Rute é judia e foi por breves tempos vizinha da família
do rapaz. Ambas, com os seus testemunhos, ajudam a contextualizar os dois lados
desta contenda bárbara, a voltar a provar, por um lado, que nem os alemães eram
simpatizantes de Hitler e, por outro, a deixar-nos sem fôlego perante um
sofrimento e uma dor intraduzíveis e impossíveis de imaginar.
É óbvio
que não foi uma leitura fácil. Roí unhas, fechei os olhos, respirei fundo,
contive a respiração e chorei. Chorei muito. Mas também é verdade que não podia
deixar de fazê-lo, de ler mais uma obra que nos ensina, que nos mostra de forma
crua e dura o que se já fez de mais monstruoso e o que não se pode repetir. Ou
melhor, continuar a repetir. Os últimos sobreviventes de Auschwitz estão a
partir. Mas temos os seus testemunhos. E temos os testemunhos de gente deste
século que sobreviveram ou perderam entes queridos nos atentados de Paris, de
Barcelona, de Nice, na guerra da Síria, do Afeganistão. A Segunda Guerra
Mundial terminou em 1945, mas o Homem não aprendeu. Continua a matar e a
torturar. E temo que continuará e que essa matança e tortura não será residual.
Termino
por aqui. Necessito ver o sol, o sorriso do meu filho.
Leiam
esta obra. Não foi aquela que mais me preencheu sobre o tema. Mas isso é
secundário. Conheçam o rapaz do pombo, a sua família (dos quais nunca sabemos o
nome), judeus, homens, mulheres e crianças como tantos de nós. Conheçam a sua
história, aprendam com ela.
NOTA –
08/10
Sinopse
A história, passada entre os
anos 1930 e 1958, gira à volta de três personagens. A principal é um rapaz
judeu, que descobre o ódio, o desalento, a ternura e o amor à vida. As
personagens à volta dele representam todas as pessoas que passaram por uma das maiores
injustiças de todos os tempos. Cristina Norton sentiu também que tinha o dever
de escrever e denunciar o que por vergonha as mulheres que haviam sido
obrigadas a prostituir-se nos campos de concentração não ousavam contar.
Olá Ana,
ResponderEliminarEste livro já está guardado para Janeiro para o projecto do Holocausto.
Já o vi na biblioteca e vou ler mesmo.
Beijinhos e boas leituras
Vale a pena, Isa, e apropria-se perfeitamente!
EliminarEm Janeiro faço-te companhia nesse projecto :)
Beijinhos e leituras com muito sabor!
Olá, Ana,
ResponderEliminarParece-me mais um livro a ter em conta. Adorei a tua opinião, ainda por mais sendo um tema que nunca se encara de ânimo leve - e que parece tornar-se "actual", infelizmente.
beijnhos e boas leituras
Olá, Su, e obrigada pelo teu comentário generoso!
ResponderEliminarSe te interessas pelo tema, é realmente um livro a ter em conta, por tudo! Depois diz-me se o leste e se gostaste.
Beijinhos e leituras muito saborosas!
Gostei do teu texto, mas já não consigo ler nem ver filmes sobre o Holocausto. Gosto de explorar outras partes do conflito, ou outros conflitos, mas acho que a este tema fui sobreexposta desde muito nova e já não aguento mais. Só abri uma excepção pelo "Charlotte" do Foenkinos porque explora os tempos anteriores ao campo de concentração, e valeu a pena o sacrifício. Está escrito em frases simples e curtas, curtíssimas, mas impactantes e poderosas.
ResponderEliminarPaula
Compreendo-te, para ti já chega. Felizmente, ou melhor, infelizmente há demasiados conflitos para explorar, é um tema que não se esgota...
EliminarMortinha por pegar em "Charlotte"!