Ficha
técnica
Título – O
cão e os caluandas
Autor – Pepetela
Editora – Publicações Dom Quixote
Páginas – 172
Data de leitura – de 24 a 27 de novembro de 2017
Opinião
Com
Pepetela aprendo sempre um pouco mais sobre Angola. Nesta obra aprendi um pouco
mais sobre Luanda e sobre os seus habitantes, os Caluandas. Este é apenas o terceiro
livro que leio deste autor, mas a bagagem proporcionada pelos anteriores
permitiu-me adentrar-me na narrativa e sobretudo na sua linguagem, repleta de
termos e expressões do português angolano, sem que isso se revelasse uma grande
“maka”. J
Tal
como o título indica, esta obra, uma das primeiras escritas por Pepetela, segue
as pisadas de um cão, um pastor alemão que deambula pelas ruas de Luanda sem
trela nem dono e que se vai aproximando de um número significativo de pessoas
com quem se cruza. Não pede nada, deixa que lhe afaguem o lombo, segue a pessoa
para onde quer que ela vá, instala-se temporariamente na sua vida, recebe mimos
ou patadas e um dia, sem que ninguém saiba porquê, desaparece e segue o seu
rumo de cão sem dono. Mas deixa sempre marca naqueles com quem se cruzou e é
essa marca que o autor tenta registar nas páginas da sua obra, interpelando um
poeta de rua, um primeiro-oficial, um operário fabril, tendo acesso a atas, a
um argumento de uma peça teatral ou falando com o mais comum dos caluandas. Através
destes testemunhos, vamos ganhando simpatia e fascínio pelo canídeo ao mesmo
tempo que vamos compreendendo a sociedade angolana dos anos oitenta,
recém-saída da dependência colonial. Todos aclamam orgulhosamente essa
libertação de um jugo de séculos, todos continuam a apontar o colonizador como
culpado de todos os males que lhes aconteceram ou acontecem. Mas todos (e isso
vamos captando através da escrita do autor, suave e paradoxalmente irónica e
humorística) vão demonstrando o longo percurso que Angola teria que percorrer
como jovem nação independente e exemplificando vícios e erros que infelizmente
perduram nos dias de hoje, mais de trinta anos depois – o suborno, a corrupção,
a disparidade entre as classes sociais e as consequentemente distintas
condições de vida entre um camarada diretor e um camarada empregado fabril.
A
obra, para além dos testemunhos reunidos pelo autor sobre a passagem do cão na
vida de alguns caluandas, apresenta uns capítulos escritos em itálicos
intitulados “buganvília” e que relatam a vontade de uma família (que
casualmente – ou não – tem um cão) em criar uma quinta numa localidade perto de
Luanda e que lhe possibilite enriquecer com os produtos que cultivam aí. Junto
à casa da quinta, plantam uma buganvília que crescerá a um ritmo voraz,
espezinhando tudo o que esteja à sua volta e devorando terreno e as paredes da
casa. Confesso que não entendi muito bem o propósito desta parte. Talvez o
autor queira simbolicamente associar a voracidade da buganvília à voracidade e
velocidade com que a corrupção e a desigualdade abocanharam e se assenhoraram
da jovem nação angolana, o quanto a sua semente parecia, à partida,
insignificante e inofensiva e num ápice esmagou tudo o que se lhe apresentasse
à frente… Talvez seja esse o significado destes capítulos em itálicos, talvez
não seja em absoluto esse o seu significado… Ficarei eternamente na dúvida.
Foi
uma leitura agradável. Simpatizei imenso com o cão, adoraria poder afagar-lhe o
pelo e seguir as suas deambulações. Gostei do registo inovador que preenche
grande parte da narrativa, traduzido em testemunhos de diversas proveniências e
em interferências pontuais do próprio autor. Gostei de saborear, uma vez mais,
a língua portuguesa temperada com expressões e vocábulos angolanos e sentir-me
satisfeita por não ter que recorrer, com a frequência que havia feito em
leituras anteriores, ao glossário presente no final da obra ou a um dicionário online. Porém, não gostei muito de
tropeçar com ideias e factos de forma repetitiva – eu sei que a corrupção e o
suborno são gigantescos em terras caluandas, mas já sei disso desde que comecei
a ler autores angolanos. Também não gostei muito da parte intitulada “Buganvília”,
sobretudo porque não entendi bem o que a mesma significa ou representa. E por
fim, refiro que não gostei muito das últimas partes – as que poderemos apelidar
de epílogo – porque me deixaram baralhada e sem certezas nenhumas sobre o
que havia lido até aí. Bule-me com os nervos tudo aquilo que não consigo
entender com clareza, tudo aquilo que saia de alguma forma do concreto, passe
para o lado fantástico e não entre no meu entendimento.
Enfim,
uma leitura interessante. Não a melhor, no meu ponto de vista, que fiz de obras
de Pepetela, mas uma leitura que os amantes de autores africanos e de
narrativas onde o real anda de mãos dadas com a fantasia devem ter em conta.
NOTA
– 07/10
Sinopse
O Cão e os Caluandas
lança um olhar inteligente sobre a realidade do pós-independência de Angola, e
retomam algumas obsessões mais frequentes da literatura angolana: a busca das
raízes de uma identidade nacional, a dualidade tradição/modernidade e o lugar da
violência na sociedade contemporânea.
Lembro-me de ter tentado ler este livro há uns anos e de o ter largado, coisa que raramente faço. Pareceu-me político, alegórico, confuso, não consegui mesmo entrar na história.
ResponderEliminarMas gostei muito de ler a tua opinião, para saber exatamente o que perdi com esta minha "derrota". :-)
Paula
Mais uma vez, estamos em sintonia, pois aquilo que te fez largar a obra foi aquilo que me fez gostar menos dela...
EliminarTambém não sou de deixar obras a meio, embora ultimamente o faça mais do que fazia... Há algumas que não merecem o nosso tempo e temos que saber perceber isso e partir para outra que nos preencha ;)
Beijinhos!
Olá Ana,
ResponderEliminarBem...o único livro que li do Pepetela e gostei. Mas esse não é a minha praia. E depois da tua opinião talvez não o leia.
Um beijinho e boas leituras
Há com certeza obras do autor bem melhores do que esta, por isso não te aconselho muito a lê-la...
EliminarBeijinhos e leituras saborosas.
Olá Ana
ResponderEliminarTenho muita curiosidade com os livros do autor, mas telvez não comece por este.
Beijinhos e boas leituras
Não, não deves começar por este. Li "O tímido e as mulheres" e "Se o passado não tivesse asas" e são, sem dúvida nenhuma, bem melhores.
EliminarAconselho-te a satisfazer essa curiosidade em breve ;)
Beijinhos e leituras saborosas.