Ficha técnica
Título – O
retorno
Autora – Dulce Maria Cardoso
Editora – Tinta-da-China
Páginas – 272
Datas de releitura – de 26 de fevereiro a 02 de março de
2018
Opinião
A
primeira coisa que se destaca nesta obra é a sua edição, que sendo de bolso, é
lindíssima, de cantos arredondados e com uma qualidade superior, face a outros
exemplos de edições de bolso. A outra é a imagem que compõe a sua capa e que,
de imediato, nos transporta para vidas empacotadas, embaladas. Vidas que deixam
sempre algo para trás, que se veem, de um dia para o outro, obrigadas a caber
num punhado de malas, caixotes e sacos.
Estamos
em 1975, numa Angola recém-independente. A família de Rui, o nosso narrador
protagonista, tal como muitas e muitas outras, tem que deixar a casa, grande
parte dos seus pertences e uma vida de mais de quinze anos naquela terra onde
os brancos são o inimigo a abater. Terá que retornar para a metrópole e para um
futuro sem casa, sem pertences, sem uma vida. Pai, mãe e dois filhos não têm
quem os acolha. Não têm para onde ir. Os mais jovens apenas conhecem a
metrópole das imagens que povoam os seus livros escolares. Os mais velhos
partiram de lá há anos infinitos. Será um retorno sem raízes, um retorno que
todos eles sabem que não terá volta, que não terá retorno.
Rui tem
apenas 15 anos e vê a sua vida dar uma volta sem retorno num curtíssimo espaço
de tempo. Perde os seus amigos, a sua casa, o seu país e ruma para uma Lisboa
que não conhece e que se vê a braços com um fluxo interminável de retornados
que não têm para onde ir. Durante mais de um ano viverá com a mãe e a irmã num
quarto de um hotel de cinco estrelas. Sentir-se-á todos os dias um pária, um
jovem que não pertence a nenhum lado, que já não pertence ao país que o viu
nascer e muito menos pertence àquele que, constantemente, lhe relembra que é
apenas um retornado a viver às custas daqueles que nunca explorariam nem
maltratariam os colonos.
Com um
estilo que me sorriu através das muitas semelhanças que tem com o do meu
querido Saramago, a autora criou uma narrativa dura, crua, que, servindo-se dos
pensamentos, sentimentos, reflexões, monólogos de Rui, reflete mais do que tudo
essa sensação de não-pertença, de desamparo, de não ser dono de si mesmo, do
seu passado, do seu presente e, principalmente, do seu futuro. É uma sensação
que se cola ao leitor, que nos bloqueia e nos faz compreender ainda melhor o
quanto é imprescindível, para sermos pessoas, para nos sentirmos gente, termos
um chão ao qual chamamos lar, pátria. Pode ser apenas um cantinho de terra, um
casebre. Mas é nosso, é lá que temos as nossas raízes, é a esse naco de espaço
que pertencemos.
Rui
tem, como já disse, apenas 15 anos quando deixa uma vida para trás. Essa perda
traz revolta, traz desespero, traz uma vontade irrefreável de explodir, de
pontapear, de quebrar e traz um crescimento não desejado, um crescimento que o
força a deixar de lado o egoísmo típico de um adolescente e a
responsabilizar-se por si e pelos seus. Sem o pai presente, tem que ser ele o
homem da família. Mas que sabe um puto de 15 anos de ser o homem da família?
Que sabe disso um puto que apenas quer ter a sua vida de volta, que apenas quer
que a sua irmã lhe volte a chamar de estúpido, como fazia antes? Não sabe nada.
E nem quer saber. Quer somente a sua vida, não ser o retornado, ser um rapaz
que faz as coisas típicas de rapaz e que sabe que, ao final do dia, tem para
onde ir.
Gostei
mesmo muito de ler esta obra, mas faltou-lhe qualquer coisa para ser perfeita.
Não sei nem consigo explicar o que lhe faltou, porém há um pequeno vazio que
não me permite que lhe atribua a pontuação máxima. Talvez o motivo seja a maior
exigência que ponho “em cima dos ombros” dos bons escritores. Talvez seja o
facto de a narrativa estar centrada apenas na perspetiva do Rui e não nos
possibilitar conhecer, por exemplo, o ponto de vista do seu pai. Talvez seja
por ser narrada pelo protagonista que nunca é tão omnisciente como um narrador
heterodiegético. O que é certo é que esse pequeno vazio existe exclusivamente por
culpa minha, ou seja, foi a minha leitura, a minha visão da mesma e não a
qualidade do estilo, da trama ou das personagens que me levam a apenas atribuir
um nove e não um dez a esta leitura. Sendo assim, não quero, de maneira
nenhuma, influenciar pela negativa leitores que futuramente queiram desfrutar
de O retorno. Pelo contrário.
Quero que leiam a obra e que me façam ver o quanto estava enganada ao não
dar-lhe a pontuação máxima, a pontuação que ela talvez verdadeiramente merece.
Esta
foi a minha estreia com a autora. Uma estreia mais do que auspiciosa e que
quero que me leve rapidamente ao encontro de mais obras suas. Por isso, se
alguém já tiver lido outros romances de Dulce Maria Cardoso, por favor digam e
recomendem-me qual deverei ler a seguir!
NOTA –
09/10
Sinopse
1975. Luanda. A descolonização
instiga ódios e guerras. Os brancos debandam e em poucos meses chegam a
Portugal mais de meio milhão de pessoas. O processo revolucionário está no seu
auge e os retornados são recebidos com desconfiança e hostilidade. Muitos não
têm para onde ir nem do que viver. Rui tem quinze anos e é um deles.
1975. Lisboa. Durante mais de
um ano, Rui e a família vivem num quarto de um hotel de 5 estrelas a abarrotar
de retornados — um improvável purgatório sem salvação garantida que se degrada
de dia para dia. A adolescência torna-se uma espera assustada pela idade
adulta: aprender o desespero e a raiva, reaprender o amor, inventar a
esperança. África sempre presente mas cada vez mais longe.
A ideia de ter de sair de minha casa, da minha terra, do meu país a correr, sem levar nada ou praticamente nada sempre me afligiu muito, por isso, esta parte da descolonização é algo que me intriga e entristece. O retrato que ela faz de desamparo, de desnorte e de perda para mim é fantástico. Dentro esta temática, também gostei muito do Caderno de Memórias Coloniais da Isabela Figueiredo, que talvez seja mais emotivo por ser uma experiência na primeira pessoa.
ResponderEliminarAdoro tudo o que já li da Dulce Maria, mas Os Meus Sentimentos ficou como um dos livros da minha vida. É daqueles que estamos sempre a levar estalos na cara, socos no estômago e quando pensamos que o pior já passou, ainda levamos um pontapé nas costelas. A sério, quando o terminei estava zonza de tanto sofrimento, tanta falta de afecto.
Paula
Não és a primeira pessoa que partilha comigo essa angústia e aflição. Também a sinto, mas talvez não com tanta intensidade, não sei porquê. E se calhar é por isso que não dei a nota máxima à obra, porque ela tem tudo para recebê-la...
EliminarAs tuas sugestões são, como sempre, fabulosas e fiquei furiosa por constatar que a minha querida biblioteca não tem Os meus sentimentos. Mas pelo menos tem o da Isabela Figueiredo. Virá comigo numa próxima oportunidade!
Mais uma vez, que vontade doida de gastar uns euros!!! Controla-te, Ana, deixa para a Feira do Livro! Já falta pouco!
Beijinhos!
Olá Ana,
ResponderEliminarTambém tenho esta edição libda da Tinta-da-China. Comprei na FLL no ano passado. Espero ler este ano. Estou muito curiosa.
Um beijinho e boas leituras
Ola, Isa, que bom voltar a ter-te por aqui!!!
EliminarLê-o, por favor, pois vais gostar tanto do que está dentro como do que está por fora!
Beijinhos, muitos!
Jamais te irei abandonar 😊 um beijjnho
EliminarI know, my dear! É a melhor parte dos nossos cantinhos, sem dúvida, esta interacção e o carinho que vai daqui para aí e vice-versa!
EliminarBeijinhos!